Enem

Tabela periódica: o alfabeto científico

A Tabela Periódica completa 150 anos causando, ainda, calafrios nos candidatos que não têm intimidade com química, a disciplina mais temida da prova de ciências da natureza. Professores destacam que o exame cobra não o "decoreba" dos elementos, mas a capacidade de leitura e interpretação dos dados

Jairo Macedo-Especial para o Correio
postado em 07/10/2019 07:00
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Está chegando a hora. A menos de um mês do primeiro dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019, em 3 de novembro, é hora de fazer os últimos ajustes para as provas mais difíceis. Neste ano, comemora-se o Ano Internacional da Tabela Periódica dos Elementos Químicos. A celebração, deliberada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2017, vem por ocasião dos 150 anos do estabelecimento do sistema periódico, fundamental na organização do conhecimento científico.
No Enem, o assunto é caro às questões de química da prova de ciências da natureza e suas tecnologias, que será aplicada em 10 de novembro, mas permeia também outros pontos da avaliação, em biologia, física ou mesmo em geografia.
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Divisor de águas na prática científica, a primeira tabela com formato semelhante ao atual foi criada pelo russo Dmitri Mendeleev, professor da Universidade de São Petersburgo, em 1869. Aos 35 anos de idade, ele escrevia um estudo sobre química inorgânica quando decidiu organizar, em cartelas, os 63 elementos conhecidos até então, dispondo-as em ordem crescente de massa atômica. Desse modo, o químico percebeu que, de períodos em períodos, algumas propriedades dos elementos se repetiam, sendo possível entender semelhanças, diferenças e relações a partir da análise vertical, horizontal ou mesmo diagonal da tabela.

Pedro Dantas:
Professora da disciplina no colégio Sigma, Juliana Gaspar propõe uma analogia. ;Podemos pensar em um dia de compras: quando você vai ao supermercado à procura de xampu, procura na seção de higiene pessoal. Se busca um molho, vai onde tem massas. Na tabela, funciona da mesma forma: ela organiza os elementos de modo que você possa encontrá-los e utilizá-los;, explica. ;Se você sabe a distribuição eletrônica de um elemento, já entende onde ele fica e já descobre as propriedades dele;, diz Pedro Dantas, 17 anos, aluno do 3; ano do Colégio Sigma.

Como um alfabeto químico, a tabela estabelece padrões de entendimento mundiais. ;Quem a lê consegue compreender melhor as características dos elementos. Ela permite a comunicação entre os químicos do mundo todo. Pense bem: são vários elementos sendo descobertos ao longo do tempo e eles não podem estar ;soltos;, de modo a não conseguir extrair tudo o que se pode deles;, afirma Gabriel Cabral, professor com canal on-line e coautor do livro Decifrando o ENEM ; Química. ;O entendimento e a descoberta das propriedades do silício foram extremamente importantes para o desenvolvimento de chips de computadores;, exemplifica.

;É uma forma eficiente de organização dos elementos químicos através de seus números atômicos, ou seja, o número de prótons existentes em seus núcleos atômicos. Por meio dessa organização, os químicos podem prever uma série de características dos elementos. Mostra, por exemplo, a reatividade, indicando se estes tem tendência a doar, receber ou então compartilhar elétrons com outros elementos;, acrescenta Igor Saburo, professor de química do curso on-line Stoodi.

Decorar nunca mais

Hoje, o imaginário sobre a tabela se expandiu, tornando-a ícone pop e símbolo dos aficionados pelas ciências duras. Por outro lado, ela simboliza também o pânico que muitos secundaristas têm com a disciplina. Não por acaso, ciências da natureza foi a única prova que apresentou queda na média geral no ano passado, recuando 510,6 pontos em 2017 para 493,8 em 2018. Química é a disciplina em que mais se erra.
Caroline Ribeiro:
;A prova tem ficado mais difícil, de fato. Se compararmos com anos anteriores, veremos que não era uma prova tão conteudista como hoje;, diz Marcus Ennes, professor de química no canal Bioexplica. Vejo muita dificuldade entre os meus colegas em química, acho que é a mais difícil para a maioria;, afirma Otávio Blank, 17, aluno do Sigma.

Juliana Gaspar observa que nem sempre há correspondência óbvia entre elementos e seus símbolos, uma vez que o grego e o latim são as fontes predominantes do vocabulário científico. ;Às vezes, o nome do elemento é diferente do símbolo, não é uma ligação tão direta. O potássio, por exemplo, tem o K como símbolo;, diz a professora. ;Este seria um dos pontos que trazem mais dificuldade. Além disso, a localização do elemento na tabela, dividida em linhas e colunas, causa um pouco de dificuldade.;

A localização das famílias é uma habilidade fundamental, portanto. ;Se o aluno tem noção da disposição dos elementos químicos ao longo da tabela, consegue entender as características dos compostos que eles formam;, diz Gabriel Cabral. Ele exemplifica: ;Existe um grupo específico da tabela periódica, a família dos metais alcalinos, que formam compostos alcalinos. Estes são utilizados na calagem, que seria o processo de correção do pH do solo ácido na chuva ácida.;

Caroline Ribeiro, 17, gosta da disciplina. ;Acho interessante e tento estudar o máximo possível. Faço muitos exercícios de edições anteriores e estudo conteúdos que caem mais;, diz a jovem, que busca vaga em medicina.

Pedro Dantas e Alice Diniz, 17, confessam que são adeptos de macetes para memorizar alguns grupos. ;A tabela inteira é muito grande! Penso que não é preciso decorar, mas se lembrar de alguns macetes, especialmente com os metais alcalinos, facilita muito. Com os outros grupos, tenho mais facilidade;, diz o jovem, referindo-se aos ametais, semimetais e gases nobres. ;Macetes ajudam muito, pois são muito elementos. Quando você sabe, se orienta melhor;, concorda a colega.

Os especialistas garantem, porém, que não há necessidade. Não se trata de cobrar a teoria da tabela, muito menos de decorá-la. ;Esse mito tem que ser quebrado!”, pontua a professora Juliana Gaspar. ;Não se decora a tabela. O candidato precisa saber os grupos, especialmente os de elementos mais representativos. Se você sabe que o sódio é elemento da família IA, por exemplo, saberá que ele é um metal alcalino, que forma base forte e tem um elétron na camada de valência. Saber de cor ajudaria, mas não é fundamental.;

Igor Saburo concorda. ;Muitas vezes, os alunos se prendem às memorizações e acabam encontrando dificuldade em interpretar características importantes como as propriedades periódicas;, afirma. ;Não é uma prova que vai medir o quanto o aluno decorou.;

Professor do Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Cavalcanti lamenta que esta visão ainda perdure. ;O objetivo da tabela periódica é exatamente o contrário: o de informar, como um material de consulta;, diz. Ele credita o uso de recursos de memorização à abstração que os elementos químicos trazem. ;Fica muito no campo teórico. Por isso, o recurso de decorar. O grau de abstração para o estudo de química tem que ser alto, uma capacidade nem sempre tão apurada no nosso ensino;, observa. Para facilitar, Alice Diniz deixa sempre um exemplar da tabela à mão. ;Quando vou estudar, gosto de ter uma tabela comigo para a visualização mais clara.;

* Estagiária sob supervisão de Jairo Macedo

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