Daniela Santos*
postado em 07/10/2019 07:00
O perfil socioeconômico dos estudantes de universidades públicas mudou nos últimos anos. Nas federais, o número de universitários que têm renda inferior ao valor de um salário mínimo e meio (R$ 1.497) chega a 70%, de acordo com pesquisa feita pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) no ano passado. Esse percentual se deve não só à ampliação de políticas públicas, como a lei de cotas, sancionada em 2012, mas também a iniciativas como os cursos preparatórios comunitários, iniciativas que partem da sociedade civil.
Comunitários, populares ou alternativos, as denominações são variadas, mas o objetivo é o mesmo: dar a oportunidade de estudos focados especialmente para pessoas de baixa renda, que não têm condições de pagar por um pré-vestibular particular. Muitos buscam esses espaços de formação pensando nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
No Distrito Federal, eles estão espalhados pelo Plano Piloto, regiões administrativas e Entorno. Na maioria dos casos, o trabalho é todo desenvolvido na base do voluntariado, com aulas em espaços cedidos por instituições de ensino. É o caso do Vestibular Cidadão, que existe desde 2003 e atende, semestralmente, entre 120 e 170 estudantes vindos de escolas públicas. O projeto atua no Centro de Educação de Jovens e Adultos Asa Sul (Cesas), no Centro de Ensino Médio Elefante Branco e na sede da Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação. Todos os espaços são cedidos diretamente pelas instituições. Não há apoio governamental além das escolas, e a iniciativa sobrevive de doações. Hoje, o Vestibular Cidadão conta com cerca de 100 voluntários, entre professores e equipe administrativa.
Segundo o presidente e professor de geografia do projeto, Vinicius Machado, o objetivo do Vestibular Cidadão é ampliar as oportunidades de todos. ;Estamos tentando romper barreiras. Discute-se muito a questão da meritocracia, de que todo mundo vai chegar a algum lugar, mas nem todos saem do mesmo ponto de partida;, pontua. Ele vê o Vestibular Cidadão como um motor de transformação na sociedade. ;É uma ferramenta para que os alunos possam ter condições de ingressar numa universidade pública ou mesmo numa particular, com bolsa.;
Aluno do curso, Matheus Araújo, 18 anos, aprova o ensino. ;Os professores são maravilhosos, têm boa didática e estou aproveitando. Às vezes, é difícil a questão da estrutura. Pode não ser das melhores, mas quem quer estuda em qualquer lugar;, afirma. O professor Vinicius, que também leciona em instituições particulares, sente diferenças na disposição dos alunos. Muitos vêm de longe, lugares como São Sebastião, Samambaia e Ceilândia, ou trabalham durante o dia inteiro. A rotina é cansativa, e o rendimento nem sempre é o ideal. ;Às vezes, chego e os vejo muito cansados, mas isso é rapidamente transformado em motivação. Eles dão muito valor àquilo que têm aqui, porque percebem que é uma oportunidade que não teriam em outro lugar.;
Mesmo com as dificuldades, a luta pela vaga no ensino superior faz o esforço valer a pena. ;O que motiva a gente a dar aula no sábado e virar a noite planejando tudo é ver esses alunos conseguirem realizar os sonhos deles, enfrentando e superando barreiras;, completa o professor, orgulhoso.
Exemplo para a família
Criado no Sol Nascente e hoje morador de Samambaia, Evandro Gonçalves, 22, teve que largar os estudos para trabalhar e ajudar em casa. Anos depois, voltou para o Cesas, terminou o ensino médio e ingressou no Vestibular Cidadão. Neste ano, faz o Enem pela primeira vez. A rotina é dividida entre o trabalho de cabeleireiro, em Samambaia, e o estudo no cursinho. ;Venho para a aula de manhã, trabalho à tarde e à noite, quando chego em casa, estou esgotado.; Alcançar o ensino superior seria, mais que um trunfo pessoal, uma referência para a família. ;Estou aqui por uma questão de conhecimento, mas também para incentivar meus familiares. Quero mostrar que um preto, pobre e da favela pode estar aqui sim, com muita luta;, finaliza, contundente.
Um tempo para si
Brunna Sampaio, 18, busca o curso de nutrição por meio do Enem. Para tanto, está desde o início do semestre no Vestibular Cidadão e também estuda diariamente em casa, por conta própria. Em meio a toda essa preparação, ela ressalta que é importante guardar um momento para cuidar de si. ;Eu faço meditação, saio com os amigos, tiro um tempo para mim mesma. É essencial ter um momento para descansar, porque, senão, eu não consigo fazer a prova;, diz a moradora de Arniqueiras.
Para ir mais alto
Para Mariana Rodrigues, 18, o cursinho dá suporte que ela não teve durante o ensino médio. ;É muito bom, porque a gente precisa de apoio, senão ficamos perdidos;, elogia. Para ela, o projeto tem importância única para impulsionar estudantes de baixa renda no ensino superior. ;Muita gente não tem condições de pagar um cursinho particular e acaba com desvantagem na hora da prova. O Vestibular Cidadão nos dá uma escadinha para que a gente possa ficar mais ou menos no mesmo patamar;, completa.
Apoio dentro e fora de sala
Também com atuação no Plano Piloto e aberto para estudantes de todo o DF, o Galt Vestibulares existe desde 2015 e, nesses quatro anos, já aprovou cerca de 800 estudantes em universidades públicas e particulares de todo o país. No segundo semestre, o foco do cursinho se volta para o Enem.
Luisa Barbosa, 18, formou-se no ano passado pelo Centro de Ensino Médio Setor Leste (CEMSL) e hoje se prepara para o Enem de olho em vaga para ciências sociais na Universidade de Brasília (UnB). Ela elogia a estrutura do cursinho e o apoio dos docentes voluntários, geralmente profissionais ainda jovens. ;Eles são muito bons e, por conta da idade, têm uma mentalidade muito parecida com a nossa. Sempre têm grande contato com a gente e querem ser nossos amigos.;
Além das aulas tradicionais, o Galt conta com grupo de psicólogos voluntários que prestam apoio aos alunos e também os orientam profissionalmente. ;Quando a gente trabalha com jovens de baixa renda, temos que ficar atentos a vários aspectos, porque muitos têm problemas em casa ou dificuldade em acreditar em si mesmos. É fundamental trabalhar isso, pois terá impacto direto nos estudos;, alerta Rubenilson Cerqueira, presidente institucional e cofundador do cursinho. ;Empoderamos jovens até o ensino superior, porque trabalhamos com questões socioemocionais também. Além do trabalho conteudista, a gente garante o desenvolvimento humano daqueles que estão aqui conosco;.
O Galt funciona como uma empresa social, com CNPJ próprio e, por isso, consegue firmar parcerias com outras instituições e desenvolver projetos relacionados. Recentemente, foi anunciado um programa de estágio, em conjunto com uma corretora de seguros, exclusivo para ex-alunos do Galt que estejam em busca de inserção no mercado de trabalho.
* Estagiária sob supervisão de Jairo Macedo