Enem

O que pode ser tema de redação no Enem 2019

Professores e alunos contam o que esperam como proposta de dissertação para a prova, aplicada em 3 de novembro. Temas sociais seguem em alta, acreditam

Daniela Santos*, Jairo Macedo-Especial para o Correio
postado em 28/10/2019 07:00

A menos de uma semana para a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019, fica difícil para os candidatos não especular sobre o que pode ser o tema. Preparados para escrever, eles até estão, mas, afinal, sobre o quê? Tudo está no campo da especulação, é claro, mas alguma lógica precisa guiar os 5,1 milhões de inscritos que farão a prova em 3 de novembro. Segundo professores e candidatos, a expectativa é que permaneçam os problemas sociais, tão caros às propostas de edições anteriores, mas com abordagens menos polêmicas.
[SAIBAMAIS]
Tem sido assim nos últimos anos. Já houve propostas envolvendo violência contra a mulher (2015), caminhos para combater a intolerância religiosa (2016) e desafios para a formação educacional de surdos (2017). ;Em geral, o fio condutor tende a ser os direitos humanos e aquilo que é um problema para o Brasil, sob várias vertentes possíveis: comportamental, ambiental, econômica. Na maioria vezes, com algum tipo de desigualdade e intolerância desencadeadas pelo problema;, afirma Gabriela Carvalho, coordenadora de redação do curso Poliedro.

[FOTO1]A última edição foi um pouco diferente, com a proposta ;Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados da internet;. O resultado foi a média geral de 522,8 pontos, a menor em quatro anos. ;Foi um assunto muito interessante, porque aborda direitos que o aluno precisa encarar. O Enem tem essa característica de trazer um tema de atualidade, que gere algum debate e, acima de tudo, não caia no senso comum;, diz Hydnea Ponciano, do grupo SOMOS Educação.

;São todos desafios que precisam ser enfrentados no país. Às vezes, são assuntos mais gerais, mas sempre com aplicação na realidade nacional. No ano passado, não foi diferente, com tema que poderia ser do mundo todo, inclusive daqui;, diz Clarice Capibaribe, 17 anos, aluna do colégio Sigma. ;Se não fossem desafios, não haveria razão para a proposta de intervenção;, observa a jovem, lembrando da competência 5 do exame. ;A coisa em comum é a sociedade brasileira e o desafio, pois você vai ter que encontrar uma resposta;, concorda o estudante Rafael Gama, 17, colega de Clarice.

Autoria

Dos 4,1 milhões que fizeram as provas em 2018, 112 mil (2,7%) zeraram a redação, por motivos como entregá-la em branco (1,12%) e cópia do texto motivador (0,36%). Mais de 31 mil fugiram à proposta, erro que também acarreta em nota zero. Para evitar esse deslize que custa tão caro, Hydnea recomenda que o inscrito paute a argumentação pelas ideias dos textos de suporte. ;Toda edição traz dois ou três textos motivadores. O candidato tem que se orientar por aí, lendo o que é colocado;, recomenda Hydnea.

Professores e alunos contam o que esperam como proposta de dissertação para a prova, aplicada em 3 de novembro. Temas sociais seguem em alta, acreditam;Muitas vezes, ele acha que compreendeu, mas não foi o caso. No ano passado, a proposta não falava em fake news, mas muitos abordaram isso. Quem ficou só nas notícias falsas pode ter recebido fuga ao tema;, afirma. Também zeram a prova textos insuficientes (menos de sete linhas), uso de gênero que não o dissertativo-argumentativo, desenhos, palavrões, assinatura ou qualquer escrita que identifique o candidato.

Com segurança sobre o tema, o candidato deve mostrar-se como um ser pensante, na avaliação de Carol Darolt, professora de redação e diretora do Sigma 912 Sul. ;Autoria; é a palavra-chave. ;É bacana que ele use filósofos, historiadores e pensadores como repertório, se tem segurança para falar e demonstrar autoria. O que empobrece o texto é quando decoro uma frase e não sei falar sobre ela, ou memorizo um fato histórico e não o conheço com propriedade;, explica.

;Na redação, o aluno é autor e tem que mostrar para a banca que tem alguma visão de mundo, com aporte social e cultural, sabendo fazer referências;, diz Hydnea Ponciano. ;Uma música que o candidato, de fato, ouça, ou uma série a que ele assiste, um filme que ele consegue relacionar a outras obras: isso é mais importante. Diz quem ele é e o que ele pensa;, completa Darolt.

Sem polêmicas

Caetano Mondadori, proprietário e diretor da Mondadori Escola de Redação, enxerga uma corrida anual, de alunos, professores e mídia, em busca de adivinhar o que cai. ;Mas muito mais do que o assunto, vale a estrutura. Muitos vendem a ideia de que, se o aluno souber o tema de antemão, ele vai conseguir um excelente resultado, mas a abordagem temática é apenas 20% do processo;, alerta.

;Se o candidato sabe de antemão a proposta, mas não tem uma boa ideia de intervenção, repertório sociocultural e gramática, é uma ilusão, construída coletivamente, de que isso será suficiente.;

[FOTO3]Nem por isso ele deixa de fazer suas conjecturas. ;Existe, sim, algumas características que moldam os temas. Há uma tendência histórica, nos últimos 10 anos, de privilegiar assuntos que foram projetos de lei recentes;, observa. ;A prova ficou pronta no primeiro semestre. É bom, portanto, pesquisar quais foram as legislações aprovadas no período, algo que tenha mudado e seja substancial para a sociedade;, acrescenta Hydnea.

Esse viés oficial pode vir ao encontro do discurso da nova administração federal, que já reiterou, em diversas ocasiões, que temas que considera polêmicos serão evitados no Enem 2019. Júlia Fernandes, 17, espera nova era. ;É sempre uma questão política e social, tanto que há a proposta de intervenção. Talvez o lado humanitário mude este ano, por causa do governo. Tenho bastante certeza disso;, diz. Estela Saigg, 17, questiona: ;A prova tem essa característica mais humanizada. Tudo é política, né? Algo mais pessoal é político também;.

Professores e alunos contam o que esperam como proposta de dissertação para a prova, aplicada em 3 de novembro. Temas sociais seguem em alta, acreditam;É possível que seja um conteúdo mais tranquilo, ;chapa-branca;. Ainda assim, deve ser algo que entre nas chaves de compreensão de temas do Brasil e de direitos humanos. Assuntos previstos pela constituição que não vêm sendo cumpridos, por exemplo;, diz Gabriela Carvalho. ;Nenhum governo gostaria de um tema que expusesse a si mesmo. Em geral, escolhem propostas relevantes, mas que não colocam a banca em polêmicas nem considerações desagradáveis;, pondera Mondadori.

Medo de vacina

De olho em temas da área de saúde, Hydnea Ponciano lembra a oposição de muitos às vacinas, que já é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma das 10 maiores ameaças à saúde no mundo. ;É um tema mundial, que traz problemas para a realidade brasileira. Há quem não esteja vacinando as crianças contra o sarampo, doença que o país já havia erradicado lá atrás;, observa.

Poliomielite, difteria e rubéola também voltaram a ser ameaça no país. ;O medo da vacina está em alta e, de todo modo, não é um tema que causa tanta polêmica política;, avalia Clarice Capibaribe.

Depressão

Caetano Mondadori lembra que saúde mental tem sido tema de diversas campanhas federais já há algum tempo. Depressão, suicídio e automutilação têm sido abordados em campanhas de valorização da vida, promovidas pelos ministérios da Saúde e da Mulher, Família e Direitos Humanos. ;A ministra Damares Alves fez campanha sobre como identificar jovens que estão se mutilando.; Em 2018, de 5 a 9,9 mortes por 100 mil habitantes no Brasil tiveram o suicídio como causa, segundo a OMS. O cyberbullying é um desdobramento dessa realidade. ;Quando o bullying alcança a internet, é um problema da contemporaneidade;, afirma Carol Darolt.

Redes sociais e falta de convívio

Gabriela Carvalho também cita o ministério de Damares. Para ela, o volume de uso das redes sociais em detrimento da boa convivência real pode ser um tema. ;O Ministério tem um projeto chamado Reconecte, que tenta fazer as famílias voltarem a conviver. É um tópico que pode ser levado em consideração, abordando a incapacidade de estarmos plenamente junto àqueles que amamos. Temos preferido ficar no celular, nas redes.;

Mobilidade urbana

A professora Carol Darolt considera esse um tema clássico, citado constantemente, mas ainda não contemplado. ;Seria muito interessante, pois é um problema do século 21. Tem uma explicação histórica e um compromisso de atuação. Está entre os 10 mais de muita gente há muito tempo;, recorda. O assunto é caro à geografia na prova objetiva de humanas. ;O tema de redação vem, de certa maneira, conectado ao restante da prova.;

Outra matéria de saúde e de valor para a agenda política atual, a doação é outra bola levantada por Caetano Montadori. ;É muito relevante. O próprio presidente Jair Bolsonaro publicou nas redes sociais dele;, observa. Trabalho voluntário, por sua vez, tem sido pauta da primeira-dama, que preside o Pátria Voluntária, conselho do Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado. ;Michelle Bolsonaro fez um programa nacional de incentivo ao trabalho voluntário, junto a outros órgãos. Esse tem a cara do Enem: é interessante, relevante e, ao mesmo tempo, não expõe a gestão atual.;

*Estagiária sob supervisão de Jairo Macedo

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