Enem

Gestão de Weintraub foi marcada por críticas e polêmicas

Embate com universidades federais e erros no Enem marcaram período em que o ex-ministro esteve à frente do Ministério; de acordo com MEC, o antigo chefe da pasta deixou "amplo legado"

Correio Braziliense
postado em 19/06/2020 21:52
Durante os 14 meses em que esteve à frente do Ministério da Educação (MEC), o ex-ministro Abraham Weintraub colecionou críticas e polêmicas. Exemplo disso foi a última medida adotada por ele antes de deixar a pasta: a revogação da portaria sobre políticas de inclusão para negros, indígenas e pessoas com deficiência na pós-graduação

Embate com universidades federais e erros no Enem marcaram período em que o ex-ministro esteve à frente do Ministério; de acordo com MEC, o antigo chefe da pasta deixou
 
Weintraub recebeu o título de “pior ministro da história” pela União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e pela ONG Todos pela Educação. Em artigo publicado no site, a organização sem fins lucativos afirmou que a demissão do ex-ministro “foi motivada por inúmeras razões incompatíveis com uma autoridade pública, mas não pelos motivos que terão as mais graves consequências para o país: seu absoluto despreparo e falta de compromisso com a busca efetiva por melhores resultados educacionais”. 


Uma polêmica recente envolvendo a pasta foi em relação ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Na edição de 2019, cerca de 6 mil candidatos foram afetados por erro na nota. Este ano, o movimento #AdiaEnem tomou conta das redes sociais em razão da insistência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em manter a data em meio à pandemia e à suspensão das aulas. No fim de maio, após aprovação, no Senado, de um projeto de lei que determinava a alteração dos dias da prova, o Inep decidiu adiar o Exame, que ainda não tem data definida.  

Além das críticas que recebeu como chefe da pasta de Educação, Weintraub também colecionou polêmicas para além do MEC. No vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, chamou os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de “vagabundos” e disse que “botaria todos na cadeia”. Por causa do vídeo, ele foi incluído no inquérito das fake news, que investiga disseminação de informações falsas e ataques contra ministros do STF. Weintraub também é  suspeito de ter cometido o crime de racismo por ofender o povo chinês em uma publicação na internet.

“Saiu sem deixar legado”

Em entrevista ao Correio, o vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e secretário de Estado de Educação do Espírito Santo, Vitor de Angelo, disse que “é difícil achar um exemplo de algo que possa ser considerado o legado (da gestão de Weintraub)”. 

Vitor de Angelo, secretário de Educação do Espírito Santo e vice-presidente do Consed
 
De acordo com o secretário, no período em que o ex-ministro esteve no comando do MEC, quase não houve avanço de pautas prioritárias à educação. “A gestão foi marcada por questões alheias ao setor e que acabaram, infelizmente, dominando o debate dentro do MEC e ocupando muito do tempo e das falas do ex- ministro”, justificou. “É um crime perder 14 meses em uma área em que já estamos décadas atrasados.”

Quando questionado sobre os dois nomes mais cotados para assumir a pasta (o atual secretário Nacional de Alfabetização do MEC, Carlos Nadalim, e o secretário-executivo do MEC, Antonio Paulo Vogel), ele afirmou que preferia não fazer uma avaliação dos possíveis sucessores de Weintraub, “porque não é uma decisão que cabe ao Consed”, mas disse que o Conselho espera que o cargo seja assumido por uma pessoa à altura dos desafios impostos pela educação brasileira.

“Desejamos que seja alguém que priorize as agendas que são efetivamente relevantes para o país, que faça essa priorização sempre pensando em evidências na implementação das políticas públicas e que tenha sempre uma postura de muito diálogo com os secretários estaduais e municipais e com os demais atores relevantes no campo da educação.”
 
Na avaliação da deputada Tábata Amaral (PDT-SP), relatora da comissão externa que avalia o desempenho do MEC na Câmara dos Deputados, a gestão de Weintraub “priorizou tudo que há de mais assombroso no governo Bolsonaro: o autoritarismo, a ignorância e o obscurantismo”. 

 
“A gente tinha um ministro que defendia todas essas coisas nas redes sociais e que estava constantemente alimentando conflitos, mas que deixou de lado a gestão”, afirmou, em entrevista ao Correio. “É difícil apontar algo que tenha sido deixado como legado quando pouco foi feito.” De acordo com a deputada, a execução orçamentária da gestão foi muito baixa, e o ministro deixou de lado projetos que eram, inclusive, promessas do governo.

“O projeto anunciado como prioridade dos 100 dias era de alfabetização, mas, ano passado,  ele sequer saiu do papel e, neste ano, apenas se materializou com um curso online”, explicou. Ela também criticou a atuação da pasta durante a pandemia. “O MEC nunca liderou esforços para suprir o vácuo deixado pela suspensão das aulas”, disse. “Nós tivemos um esforço do Consed trazendo algumas diretrizes para orientar as escolas no planejamento da volta às aulas. Estava todo mundo à deriva esperando que o Ministério de posicionasse.”
 
A deputada conta que tem expectativas baixas com relação ao próximo ministro, mas que espera alguém que seja, no mínimo, aberto ao diálogo e que “não despreze a educação como o Weintraub desprezava”. 

Balanço do MEC

Em nota, o Ministério da Educação fez um balanço da gestão de Abraham Weintraub. Confira:

“Weintraub deixa MEC com gestão limpa e amplo legado

Após um ano e dois meses no comando da pasta, o economista e professor da Universidade Federal de São Paulo ocupará o cargo de diretor do Banco Mundial, representando o Brasil
 
O Ministério da Educação (MEC) informa que Abraham Weintraub deixa o cargo nesta quinta-feira, 18 de junho. O anúncio foi feito por ele ao lado do presidente da República, Jair Bolsonaro, em vídeo gravado e divulgado nas redes sociais.
 
Em um ano e dois meses de gestão, Weintraub, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e economista, esteve à frente de um dos maiores ministérios - cerca de 300 mil servidores compõem o quadro, incluindo instituições vinculadas, como as universidades federais. O compromisso, quando assumiu o cargo, em 8 de abril de 2019, era o de ser um "ponto de inflexão" no ensino brasileiro, dando um novo rumo às políticas educacionais. Índices insatisfatórios têm sido registrados nos últimos anos. O Pisa de 2018 indicou que mais de 50% dos jovens brasileiros não sabem realizar cálculos matemáticos simples, interpretar textos e desenvolver questões básicas sobre ciências.
 
Em uma lógica inversa ao que ocorria no passado (prioridade ao ensino superior), na gestão de Weintraub o foco prioritário foi nas crianças, a partir de uma política nacional robusta de alfabetização. O então ministro deu início a uma transformação fundamentada em evidências científicas, com referências internacionais, para, a longo prazo, tirar o país das últimas posições da América Latina quando o assunto é ensino de qualidade.
 
Além de uma melhor formação aos docentes da educação básica, buscou resgatar valores, seja com o protagonismo da família no processo de desenvolvimento dos pequenos, ou incentivando o respeito ao professor em sala de aula. Nesse sentido, lançou a “Escola de Todos”, uma ação para promover a cultura de paz nas escolas, orientando, por meio de informativos junto aos livros didáticos, como denunciar casos de bullying, desrespeito à pluralidade de ideias e à liberdade de expressão.
 

Saiba Mais

 
 
Sobre livros didáticos, permitiu economia na compra desses materiais e lançou edital para que, a partir de 2022, todas as crianças da pré-escola tenham livros, algo inédito em 35 anos de programa. Também marca sua trajetória pelo MEC a implementação do projeto-piloto do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares. São 18 estados e 26 cidades participantes.
 
Em época de pandemia e com escolas fechadas, manteve o repasse de recursos da merenda escolar a estados e municípios. Propôs, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que o dinheiro fosse utilizado para a compra de alimentos a serem distribuídos pelas Secretarias de Educação em kits às famílias dos alunos. Cerca de R$ 2 bilhões já foram enviados.
 
Weintraub gerenciou um dos maiores orçamentos da administração pública federal, R$ 150 bilhões/ano, mantendo o equilíbrio financeiro e o uso racional do dinheiro público. Precisou, já no início da gestão, contingenciar gastos com instituições públicas federais para não faltar recursos até o final do exercício de 2019. O que foi tido como um "corte", por alarmismo, passou a ser legitimado como uma medida necessária. Além de 100% do orçamento liberado após alguns meses e do repasse de recursos extras, no período de contenção nenhum servidor público ficou sem salário, nem estudantes deixaram de receber assistência; e serviços básicos, como limpeza, luz e segurança, continuaram mantidos. Apenas o que não era essencial foi suspenso temporariamente.
 
Para os estudantes, ainda criou um projeto de emissão de carteiras estudantis gratuitas e em formato digital para meia-entrada em eventos culturais. A pauta, porém, não foi aprovada dentro do prazo necessário pelo legislativo e milhares de jovens ficaram sem o benefício. Em relação ao Enem, inovou. Pela primeira vez, permitiu uma versão eletrônica do exame e aumentou em 100% as vagas desde o anúncio – chegando a 101 mil. Também criou o Enem Seriado. Com reformulação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), as notas de alunos dos 1º, 2º e 3º anos do ensino médio poderão ser usadas para ingresso no ensino superior, começando como projeto-piloto em 2021.
 
No âmbito dos cursos profissionais e tecnológicos, lançou o programa Novos Caminhos, com a estratégia de, até 2023, aumentar em 80% o número de matrículas. Repassou recursos para os institutos federais instalarem placas solares em seus campi, o que pode gerar uma economia anual na conta de luz em torno de R$ 17 milhões.
 
Outra importante ação foi o aumento de bolsas de pesquisa para programas institucionais em pós-graduação mantidas pela Capes. Saltaram de 80,9 mil, em 2019, para 84,7 mil, em 2020. Além disso, foram distribuídas mais 2.600 bolsas de estudo sobre epidemias.
 
Acompanhou de perto a gestão da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que administra 40 hospitais universitários federais, tornando-a referência no enfrentamento ao novo coronavírus. Conseguiu a liberação de R$ 274 milhões para custeio e investimentos nas unidades, com a compra de mais de 30 milhões de itens, entre medicamentos, kits de testes e equipamentos. Permitiu, ainda, a contratação de 6 mil novos profissionais por meio de processo seletivo temporário.
 
Agora, o então ministro seguirá para um novo desafio no Banco Mundial, onde atuará como diretor representando o Brasil.”
 
 
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá  

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