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O cerco dos traficantes

postado em 03/09/2012 10:28

O olhar atento de Adriano* em direção a uma das maiores escolas de Ceilândia denuncia a preocupação do servidor público de 55. Há dois anos, todos os dias ele leva e busca a filha na aula. Para a maioria dos pais, a rotina é natural, mas Adriano tem medo. Enquanto espera a adolescente cruzar o portão, é observado por traficantes. São jovens que aproveitam a intensa movimentação na saída da instituição para aliciar alunos. ;Todos os dias venho com a missão de salvar minha filha deste mundo sujo. Está cada dia pior;, desabafa Adriano, enquanto entra apressado no carro.

Assim como ele, milhares de pais no Distrito Federal tentam evitar que seus filhos sejam seduzidos pelo submundo das drogas nas redondezas de centros educacionais. E as estatísticas justificam tanta preocupação. Nos sete primeiros meses do ano, as polícias Civil e Militar do DF prenderam 239 pessoas por venda de entorpecentes em um raio de 100 metros de instituições públicas e privadas. A média é superior a duas prisões por dia letivo. Apesar dos números alarmantes, houve redução de 8% em relação ao mesmo período de 2011, quando foram registrados 261 ocorrências dessa natureza. Mas, como o consumo aumentou, os dados podem mostrar que os estudantes estão comprando os entorpecentes em outros locais.

Medo
Além de recrutar novos viciados, os traficantes impõem o medo à comunidade escolar. Muitos diretores e professores admitem administrar o problema sem o envolvimento da polícia, por receio de represálias. Quem tentou desafiar o poder dos criminosos pagou um preço alto demais. No Recanto das Emas, por exemplo, um vigilante teve que pedir transferência de um colégio por tentar impedir que um grupo de traficantes depredasse o portão da escola.

Após discutir com os criminosos, o segurança acionou o Batalhão Escolar. A atitude do trabalhador foi interpretada como uma afronta ao tráfico. No dia seguinte ao episódio, ele começou a receber ameaças de morte. Ainda conseguiu resistir alguns dias na função, mas o temor de ser assassinado o obrigou a pedir transferência. ;Não podemos enfrentá-los (os traficantes). Eles sãomais fortes que nós;, relata a diretora, outro alvo de ameaças.

Ela conta que em 2009 transferiu três alunos ligados ao tráfico e membros de facções de torcidas organizadas do Gama e do Brasiliense instaladas dentro das salas de aulas. Nos intervalos, os integrantes se encontravam e promoviam brigas e quebraquebra. Ao decidir pela expulsão do trio, a gestora conquistou desafetos. Colegas dos bandidos passaram a ofendê-la diariamente e a monitorar cada passo da diretora. ;Vi que estavam falando sério no dia em que um deles disse que sabiam a hora, o dia e o salão onde eu fazia a unha;, revela. As ameaças só cessaram quando dois deles morreram por supostas disputas pelo controle de bocas de fumo na cidade.

Depois do incidente, a diretora usou parte da verba destinada ao colégio para comprar 12 câmeras de monitoramento. Também passou a desenvolver projetos junto à comunidade com o intuito de alertar os pais. ;Entendemos que a prevenção é o único caminho para tentar salvar nossos alunos desse mundo, que quase nunca tem volta;, afirma.

Diante do poder exercido por traficantes no ambiente escolar, resta aos alunos manter uma relação de respeito com aqueles responsáveis pela distribuição de substâncias ilícitas nas dependências e nas proximidades das escolas. Antônio*, 17 anos, faz o jogo dos criminosos para não ser mal interpretado. ;Como eu não sou otário, faço amizade com os caras e assim consigo viver em paz.; (leia depoimento abaixo)

Umpolicial a cada duas escolas

A filosofia de trabalhar incisivamente a questão da conscientização foi adotada até mesmo pelas unidades de segurança responsáveis por prender traficantes e estudantes envolvidos com substâncias ilícitas. O Batalhão Escolar da Polícia Militar adotou recentemente a postura de estreitar o relacionamento com professores e estudantes. Agora, as ações da tropa são pensadas em parceria com a direção dos colégios e, sempre que possível, na presença dos pais ou responsáveis.

Para manter a segurança dos 645 estabelecimentos públicos e 450 privados do Distrito Federal, são empregados 510 homens do Batalhão Escolar;média de um policial para cada duas escolas, sem levar em consideração a escala de folgas da PM. O comandante da unidade, tenente-coronel Eduardo Leite Sousa, entende que as estatísticas demonstram uma produtividade policial bem maior. ;Se as ocorrências de uso aumentaram, significa dizer que nosso policiamento está bastante atuante;, afirmou. Estratégias para impedir assaltos no trajeto entre a escola e a parada de ônibus também são empregadas. A mais recente pesquisa sobre o assunto mostrou que 16,5% dos docentes e 27,8% dos alunos foram vítimas de furtos ou roubos nas redondezas dos colégios.

Devido ao pequeno efetivo do Batalhão, o policiamento fixo fica restrito aos centros de ensino considerados mais vulneráveis. O chefe do esquadrão escolar explica que, nos demais casos, quando existe uma ocorrência, a PM destaca uma equipe para policiar ostensivamente o local a fim de inibir a ação de criminosos. (SA e AS)

Nova política foca prevenção


Mais do que esvaziar as drogas das escolas, tornar a sala de aula um espaço de real prevenção e amparo ao aluno envolvido com entorpecentes é uma tarefa monumental, já que, na maioria dos casos, a redenção ao vício vem acompanhada de um pano de fundo de vulnerabilidade social. Os colégios acabam se tornando epicentros de todos esses problemas, sem muitas vezes ter em mãos as ferramentas para resolvê-los.

Por isso, o gerente de Promoção de Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria de Educação, Mauro Evangelista, diz que o governotemtentado aplicaruma abordagem diferente para lidar com a situação. Esse modelo não está mais centrada na repressão, considerada cara e pouco eficaz. ;O que leva sobretudo o adolescente ao uso são as vulnerabilidades pessoais ou sociais. Logo, é preciso enfrentar as vulnerabilidades. Para cada fator de risco, a escola precisa atuar nos fatores de proteção. E isso precisa ser feito durante todo o ano, e não pontualmente;, explica.

Nesse sentido, o GDF publicou a Portaria n; 97/2012, que institui a Política sobre Drogas da Secretaria de Educação, consoante com o programa nacional sobre o assunto. O objetivo do documento é orientar e articular cada célula da rede de ensino para atuar na prevenção e no acolhimento do usuário. Por ele, a gestão administrativa da educação tem a responsabilidade de prover os recursos materiais, enquanto as unidades de ensino devem instituir projetos e programas de enfrentamento e intervenção.

Além da portaria, Evangelista ressalta a importância de os docentes receberem formação para lidar com o aluno envolvido com narcóticos. ;O DF não vinha se inscrevendo nos cursos oferecidos pela Secretaria Nacional de Políticas sobreDrogas (Senad). Neste ano, conseguimos colocar 1,7 mil professores no curso. Sem isso, o professor acaba reproduzindo a ideia de que a droga se combate só com polícia. Não somos românticos a ponto de achar que vamos resolver tudo com a prevenção. A segurança é necessária em alguns casos, mas a educação tem papel fundamental;, acredita. (AS e SA)

;Além de droga,tem briga;

Estudo com traficantes. Tenho pinta de;playboyzinho;e sempre tentammexer comigo. Como eu não sou otário, faço amizade com os caras e assim consigo viver em paz. Dá para ver que alguns professores têm medo. Tanto é que o estacionamento deles é separado. Tem muita gente barra pesada estudando aqui.De vez em quando rola tráfico, mas a direção segura a onda. Além de droga, tem briga, principalmente com o pessoal de uma escola particular aqui perto. Eles se acham melhores que a gente. Até cancelaram a aula deles de educação física, que era numa quadra de esportes perto da minha escola, porque a gente;cresceu;para cima dos caras;.
Antônio*, 17 anos, aluno do ensino médio de uma escola de Taguatinga

A segurança é necessária emalguns casos, mas a educação tem papel fundamental;
Mauro Evangelista, da Secretaria de Educação

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