Obedeça sua intuição e respeite quem você ama! Essas são duas recomendações incomuns que surgem espalhadas em placas de trânsito por cidades-satélite do Distrito Federal. Quem passa por elas enquanto anda pelas ruas, geralmente não percebe a diferença para as tantas outras praticamente idênticas em cor e tamanho que pedem ao motorista que obedeça a velocidade ou pare na faixa de pedestre.
Mais de 1,5 mil estudantes da rede pública de ensino, no entanto, já tiveram a oportunidade de participar de um trajeto guiado que exercita o olhar para obras espalhadas pela rua e mostra, entre outras intervenções, as 27 placas que modificam, de forma lúdica e dinâmica a paisagem local.
Conhecido como Mapa Gentil, o projeto leva estudantes do Centro de Ensino Médio Escola Industrial de Taguatinga (Cemeit), de escolas públicas de ensino fundamental e básico, além de interessados da comunidade local, para conhecerem não apenas as placas, mas um conjunto de 97 intervenções urbanas ; entre pinturas, grafites, stencils e outros tipos de arte ;, que discutem o conceito da cortesia e transformam lugares comuns em obras ao ar livre. As obras estão espalhadas nas cidades de Taguatinga, Samambaia, Ceilândia e Riacho Fundo
O projeto é inspirado no profeta Gentileza, personagem muito conhecido na cidade do Rio de Janeiro, que escrevia sobre o amor e distribuía frases e flores aos passantes. ;Decidimos fazer como ele e interagir com o espaço de acordo com o que ele dizia. Seja na crítica ao capitalismo, seja na vantagem do bom convívio e da gentileza;, explica Janaína André, diretora do projeto, que teve início em março deste ano.
Roteiro Cultural
Todos os dias saem grupos para visitar as obras em um tour monitorado por mediamores ; nome inspirado no profeta Gentileza, que substitui o termo tradicional mediador. De segunda a sexta, o passeio é oferecido a turmas de alunos do Cemeit e, nos fins de semana, a jornada é aberta ao público. Quase 2 mil pessoas conheceram as produções e a expectativa é de que 4 mil apreciem as intervenções da pequena viagem, que é gratuita e acontece em vans do projeto.
Os pontos de montagem das intervenções foram escolhidos de modo a contemplar o caminho que grande parte dos alunos faz no trajeto de ida à escola. ;De acordo com os locais das obras, criamos um roteiro cultural de visitas que mostra os espaços modificados e compartilha não apenas informações técnicas, mas parte da história da cidade-satélite, características da identidade local e ajuda a mudar o olhar de cada um para o espaço que nos rodeia;, explica Janaína.
;O Mapa Gentil modifica nosso olhar para a cidade. Ele ensina a enxergar não só as obras, mas nossa vida de uma forma diferente;, acredita Lana Guimarães, coordenadora do programa educativo do projeto. ;Educar é também fazer parte da formação pessoal dos alunos, e com o [projeto] Gentileza a gente faz isso de forma dinâmica, contemporânea, lúdica e prática;, analisa, contente, a coordenadora, que confirma a boa resposta da comunidade ao projeto. ;O Mapa Gentil revitaliza locais que vivemos e isso aproxima a população que não entra em galerias ou museus da arte. Elas têm a possibilidade de ver o espaço restaurado, valorizado.;
Patrocinado pelo Fundo de Apoio à Cultura do Governo do Distrito Federal, o Mapa Gentil ofereceu palestras preparatórias para cerca de 2 mil alunos do Cemeit e promoveu oficinas de capacitação de dois meses para uma turma de 20 estudantes da instituição. Eles aprenderam a mexer com grafite, xilogravura, azulejaria, stencil, adesivo, pintura e modificaram, durante o mês de julho, 62 pontos diferentes das cidades.
Locais como a Feira da Ceilândia, a Casa do Cantador, o sítio Geranium, o mercado sul de Taguatinga, centros de reciclagem de sucata, árvores, escadas, pistas de skate, paredes, outdoors, e até mesmo estações do metrô ; que apoiou o projeto e teve todos os trêns personalizados ;, fazem, agora, parte do Mapa.
Arte que transforma
Durante o trajeto, que dura cerca de duas horas, é possível interagir com os trabalhos e em certos pontos, como no sítio Geranium, descer do transporte para tocar e observar as produções. As obras têm duas características marcantes, o que facilita identificá-las quando se vê uma, sem querer, nas ruas. A temática é sempre alegre, de valorização da gentileza no dia-a-dia e as cores remetem às da bandeira brasileira: verde, amarelo, azul e branco.
;Diversas vezes a gente parou o tour e interviu na hora. Víamos placas em branco e, junto aos meninos, fazíamos uma intervenção com adesivos. O espaço estava lá e a cidade nos convida a criar;, relembra Maurício Ferreira Junior, 23 anos, professor de história e um dos mediamores do evento. ;Participar do projeto foi, ao mesmo tempo, enriquecedor e desafiador, porque ele fez despertar em mim aptidões que eu não tinha. Com a troca dialética com os estudantes, nasceu o artista além do historiador;, alegra-se.
;Esse projeto veio pra mexer com a rotina da escola, da cidade;, acredita Iara da Silva Flores, 15 anos, estudante da 1; série do ensino médio do Cemeit. Participante de um dos tours de visitação, ela admite que muitas vezes não prestava atenção ao que a rodeava, mas que isso mudou. ;De repente, uma frase chama a atenção e o olhar muda. Antes de fazer o passeio eu olhava e não prestava atenção, via um grafite e não entendia que essas coisas têm significado. Agora, sei que a rua também conversa comigo;, assegura Iara. A coordenadora Lana Guimarães concorda com a aluna, e destaca que conhecer as obras do roteiro é apenas o início para que se tenha uma nova perspectiva do mundo.
Participante do projeto desde o início e escolhido para fazer as oficinas de capacitação, Everton de Aquino Barbosa, 18 anos, é estudante da educação de jovens e adultos (EJA) do Cemeit e diz que o projeto fez toda a diferença. ;Eu era um pouquinho arrogante, hoje me considero melhor. Trato melhor as pessoas, tento colocar gentileza em mim mesmo e no que faço diariamente, até no modo de falar;, destaca ele, que se identificou com as oficinas de azulejaria, grafite e xilogravura.
Programação
As visitas ao circuito Mapa Gentil começaram em 25 de agosto e podem ser feitas até 23 de setembro. Para marcar o passeio é necessário confirmar a presença. Basta ligar no telefone (61) 81267510 ou mandar e-mail para programaeducativo@mapagentil.com.br. Aos fins de semana o número de visitantes limita-se a 15 passageiros.
Para as próximas edições, o projeto analisa novas propostas. Convidados a expandir as ações a escolas de ensino básico e fundamental da rede pública, a direção do Mapa Gentil diz ter ;abraçado os convites; e, inclusive, feito tours com turmas do Centro de Ensino Fundamental 13 da Ceilândia e agendado o passeio para turmas do ensino básico.
No entanto, a ideia é que a produção das obras e a criação de turmas para capacitação crie raízes no Cemeit para que seja de longa duração. ;Queremos criar uma rede de gentileza;, conclui Janaína.