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Prata do Itapoã

Três alunos do Centro Zilda Arns estão em segundo lugar no concurso sobre história do Brasil. Moradores de uma região onde metade dos habitantes não tem ensino fundamental completo, precisam de ajuda para concorrer à etapa final em Campinas (SP)

Isabela de Oliveira
postado em 05/10/2012 08:00
Camila Laus, professor Luis Filipe Ferreira, Gabriela Dourado e Victor Hugo da Silva: dedicação integralDos 3.063 alunos que cursam o ensino fundamental no Itapoã, região administrativa do DF, pelo menos três deles ganharam destaque. A equipe formada por Camila Laus, Gabriela Dourado de Jesus, ambas com 16 anos, e Victor Hugo da Silva Santanta, 14, competiu com outros 195 times de colégios públicos e particulares do DF para tentar uma vaga na final da 4; Olimpíada Nacional em História do Brasil.

Já classificado, o trio luta para encontrar patrocinadores que ajudem na viagem a Campinas (SP), onde ocorrerá a prova final nos dias 20 e 21 deste mês. Os custos ficam em R$ 3 mil. Para isso, criaram uma página na internet ().

A equipe do Centro de Ensino Fundamental Zilda Arns, do Itapoã, foi classificada em segundo lugar com 962 pontos, atrás do Colégio Militar, com 994 pontos. Eles competiram com outros 585 estudantes do DF. O êxito foi alcançado com ajuda do professor de história Luís Filipe Ferreira, 31 anos (veja Personagem da notícia). Motivados pela experiência de quem cresceu em uma cidade sem estrutura, os alunos garantiram a vaga narrando a história da Região Administrativa 28 ; localizada entre Paranoá e Sobradinho, foi oficializada em 2005 e é a segunda mais pobre do DF, atrás apenas da Estrutural, e metade dos 54 mil habitantes não completou o ensino fundamental.

O trabalho conta o surgimento do Itapoã no fim da década de 1990, quando começaram as primeiras ocupações irregulares e os embates com fazendeiros, grileiros e representantes da União. Após uma determinação da Justiça, os invasores foram obrigados a abandonar uma terra reivindicada pela Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap). Houve a derrubada de 320 barracos em 2002. Revoltados, 1.500 moradores enfrentaram 400 PMs usando pedaços de madeira, pedras e coquetéis molotov, enquanto os policiais reagiram com bombas de efeito moral e balas de borracha.

Barro

Camila rememora a infância, quando a cidade sofria com o crescimento desordenado. ;Lembro-me de ruas sem asfalto e de uma intranquilidade na hora de sair de casa. A sala de aula ficava cheia de barro, por causa dos sapatos sujos de lama. Não tinha esgoto e as casas eram de madeirite;, descreve. Gabriela critica a segregação social que os moradores do Itapoã ainda vivem. ;Pensam que somos todos favelados;, lamenta. ;Mesmo que tenha surgido de uma invasão, eu amo viver nesta cidade.;

Camila, Gabriela e Victor Hugo (ver Perfil) se apresentaram espontaneamente para participar do concurso. ;Os colegas nos chamam de nerds, mas é só brincadeira, não chega a ser bullying;, explica Camila. ;Para mim, isso é uma nova experiência, pois gosto de história, mas jamais imaginei chegar à final;, diz Gabriela. A motivação de Camila é diferente. ;Eu quero mostrar para os meus pais que posso e quero enchê-los de orgulho;.

Apesar da classificação, os adolescentes estão preocupados com a falta de recursos para a viagem, mesmo com a ajuda do Rotary Clube Brasília Planetária, que doou R$ 1.116,24 para a compra das passagens. ;O protagonismo dos jovens chama a atenção, pois são eles que mais contribuem para o desenvolvimento da comunidade;, classifica o vice-presidente da instituição, Fábio Henri. Faltam recursos para manter a equipe na cidade paulistana.

Medalhas

Em todo o Brasil, 32 mil estudantes de 2 mil escolas participaram das cinco eliminatórias, mas apenas 305 equipes ; cerca de 915 alunos ; passaram para a final. Cinco fases on-line e uma presencial compõem a Olimpíada, que envolve professores de história e alunos do oitavo e do nono anos do ensino fundamental e todas as séries do ensino médio.

A prova em Campinas será subjetiva. ;Iremos revisar o que erramos ao longo das etapas e trabalhar o português, uma das dificuldades dos alunos;, reconhece o professor Luis Filipe, acrescentando que o conteúdo abrange os 500 anos de história brasileira.

O Museu Exploratório de Ciência da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), realizador do concurso, premiará com medalhas de ouro as 15 primeiras equipes. Ainda serão entregues medalhas de prata, de bronze e de honra ao mérito.

Perfil

Camila Laus
A adolescente de 16 anos tem 11 irmãos e é descendente de baianos. Cursa a 7; série do ensino fundamental e pratica futsal. Vive com o pai e a madrasta, ambos servidores de uma academia
de ginástica. Quer ser advogada.

Gabriela Dourado de Jesus
Com 16 anos, é uma das melhores alunas da escola. Aficionada por futsal, a aluna da 8; série frequenta a igreja evangélica e participa de um grupo jovem. Ela vive com o pai e a madrasta, um pintor e uma diarista, e cinco irmãos mais novos. Por gostar da natureza, sonha em ser bióloga.

Victor Hugo da Silva Santana
Com 14 anos, Victor Hugo é um aluno aplicado, da mesma turma que Gabriela, e vive com os pais, donos de um bar, além de um irmão mais novo, que depende de seus cuidados enquanto os pais estão trabalhando. É fã de games e quer ser advogado.

Personagem da notícia
Inspirado em sala de aula

Luis Filipe Ferreira, 31 anos, formou-se em história na Universidade de Brasília em 2005 e tem especialização em Cristianismo Antigo. Durante o ensino médio, o filho de pai português e mãe matogrossense sonhava em ser publicitário, mas após conhecer um professor que o inspirou, resolveu cursar história. Ele conta que, no início, teve receio de aceitar o emprego no Itapoã com medo da violência, mas viu que a realidade não é bem assim. ;Muitos professores recusam emprego aqui, mas eu nunca tive problemas sérios de disciplina e amo dar aula;, afirma ele, casado, pai de dois filhos e de uma enteada de 10 anos.

Para ajudar
Quem quiser colaborar com a equipe pode entrar em contato com o professor Luis Filipe pelo e-mail lfilipeanastacio@gmail.com ou com a diretora Fátima Santos pelo telefone 8450-1975. Visite o site http://www.vakinha.com.br/VaquinhaP.aspx?e=169502.

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