São 7h, horário de entrada dos pré-adolescentes no colégio. Entre tapumes de uma obra em um prédio residencial e as grades do Centro de Ensino Fundamental n; 3 da 103 Sul, mora um usuário de drogas. Ao redor da cama improvisada com papelão e um travesseiro, há marmitas com restos de comida, além de muita sujeira. Várias latinhas de alumínio furadas e queimadas assinalam a presença do crack. ;Ele fica alucinado e não sabemos qual pode ser a reação;, explicou uma jovem de 14 anos, integrante de um grupo de seis meninas da 7; série, moradoras de Ceilândia e de Taguatinga.
Diante da situação, os estudantes são obrigados a desviar o caminho. Pais de alunos não aceitam o mau exemplo e cobram providências. ;Onde tem droga deve ter fornecedor;, acredita a cabeleireira Vânia Maria Moreira, 45 anos, mãe de aluna. O homem franzino costuma passar o dia a vigiar carros e aparece vez ou outra, na hora do almoço, para pegar marmitas. Muitos estudantes o viram consumindo crack em plena luz do dia. ;Ele sempre está doidão e até já pediu cigarro para nós, mas nunca ofereceu nada;, contou um jovem de 14 anos, estudante da 8; série.
A direção do CEF 3 orienta os alunos a escolherem caminhos alternativos. Apesar disso, há quem se arrisque ao passar pelo local. ;Ele fuma pedra, mas não faz nada com a gente, não. Só que não curtimos esse negócio de drogas, não;, contou outro rapaz. Apesar disso, Thalita*, 14 anos, estudante da 8; série, disse que o morador de rua assustou alguns colegas. ;Ele disse mais ou menos assim: ;Esse povo me acha ruim e, então, eles vão ver o demônio.; E correu atrás das meninas. O nosso maior medo é de que ele tente passar a mão na gente;. Ela prefere andar em grupo ao ir para a parada de ônibus. ;A gente espera, pois, assim, ninguém anda sozinho por aqui.;
O temor maior dos pais é que os filhos sejam abordados pela mesma pessoa que entrega o crack ao morador de rua. ;A questão mais perigosa é a de existir um aliciador na área, que tente induzir as crianças a usar droga. Fico muito preocupado, tanto que venho trazer e buscar o meu filho;, disse o cabeleireiro Ailton Araújo Luiz, 39 anos, pai de um menino de 10 anos, estudante da 5; série do CEF 3.
Um garoto ouvido pelo Correio contou ter visto traficantes pela área verde da quadra. ;Eu já vi um cara passando droga e cobrando o pagamento;, revelou. A cerca de 300 metros da escola, um espaço abandonado também é usado por viciados e traficantes, principalmente no fim do dia. ;Naquele matinho ali, é o que mais tem. Já encontramos latas de crack, cigarro e preservativo. O fedor é insuportável;, disse uma menina, de 14 anos.
Segundo a vice-diretora do colégio, Simone Angélica Alves, o usuário que fica no beco jamais mexeu com nenhum dos 480 alunos. ;Nunca nem puxou assunto, até onde a gente sabe, mas, como ele fica ali e, ao redor, tem material de uso de drogas, a gente pediu para os alunos não passarem por lá. Eles estão bem orientados e conscientes em relação a esse problema. Em 16 de fevereiro, encaminhamos à Sedest um ofício pedindo providências, porque a gente não sabe o que pode acontecer;, explicou.
;Precisa querer;
Guardar, transportar ou portar drogas para consumo próprio não é crime, segundo a Lei n; 11.343/2006. No máximo, a pessoa é encaminhada para a delegacia onde assina um termo circunstanciado, se comprometendo a comparecer ao juiz quando for chamado. Em razão disso, as polícias Militar ou Civil informaram não ter o que fazer nessa situação, a menos que o usuário pratique algum tipo de crime, como ameaçar, furtar ou roubar alguém.
Também não é crime a pessoa ocupar os espaços públicos. A Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest) pode oferecer acolhimento, um local para o usuário tomar banho e dormir, encaminhamento para emprego e cursos, mas não pode forçá-lo a deixar as ruas. As equipes de educadores sociais oferecem ainda auxílio caso a pessoa queira voltar para a cidade de origem.
Em relação à saúde, o usuário de drogas também não pode ser forçado a iniciar um tratamento. ;É uma situação muito complexa que só vai surtir efeito se a pessoa quiser ajuda. Fazemos um trabalho de abordagem para construir um vínculo com a pessoa. Se ela aceitar tratamento, daí temos uma rede integrada para incluí-lo socialmente, dar possibilidade de educação, moradia, emprego e saúde. Mas a pessoa precisa querer sair daquela situação;, explicou gerente da gerência de Atenção a Saúde de População em Situação Vulnerável, Sandra Duarte Nobre Mauch.
* Nome fictício em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente
O que se pode fazer:
; Secretaria de Saúde
A gerência do Consultório na Rua não foi comunicada sobre o problema, mas informou que a equipe fará uma visita na rua e uma abordagem ao usuário a fim de verificar a situação. Se ele tiver algum problema de saúde, será encaminhado a fazer o tratamento adequado, desde que seja consentido. O trabalho é feito em conjunto com a Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest).
; Secretaria de Justiça
A Sejus não tem poder de recolher ninguém da rua, porque o usuário de drogas também tem o direito de ir e vir. O trabalho é de prevenção. Durante a abordagem, o usuário não pode ser preso, mas recebe a orientação de que existe uma rede de acolhimento para ajudá-lo. A Sejus ministra ainda curso de multiplicadores para pessoas da sociedade, como, por exemplo, líderes comunitários.
; Sedest
É responsável pela abordagem das pessoas em situação de rua. Assistentes sociais tentam fazer um vínculo com essas pessoas no sentido de convencê-las a mudar de vida. Fazem o encaminhamento para projetos de reinserção social e emprego. A primeira ação é feita no sentido de proporcionar o tratamento de saúde ao usuário de drogas, antes do processo de reestruturação familiar.
; Secretaria de Educação
Foi solicitado ao Batalhão Escolar e à Sedest que tomem as providências cabíveis ao caso.
; Polícia Militar
A ação do policiamento diz respeito a crimes. Guardar, transportar ou portar drogas para consumo próprio não se trata de delito. Sendo detectada a prática de um crime, no entanto, a PM informa que atuará conforme a lei.
Para saber mais
Situação de risco
Levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) apontou que traficantes de drogas agem nas proximidades de mais da metade das escolas públicas do Distrito Federal. O índice de 53,2% indicado no estudo para a capital do país supera a média nacional, de 35%. Na mais recente pesquisa da Secretaria de Segurança Pública do DF, os números mostram que, entre janeiro e julho de 2012, foram registrados 146 casos de tráfico de drogas e 407 de uso e porte de entorpecentes em um perímetro de 100 metros das escolas públicas.