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Safra do bem

Pesquisa australiana indica que a plantação de hortas em escolas desperta nos alunos o interesse pela alimentação saudável. Em instituições do DF, professores percebem que as aulas na terra também melhoram o desempenho em disciplinas tradicionais

Paulo Lima
postado em 26/03/2013 17:00
Aos 6 anos, Isabela Franco já sabe os benefícios da cenoura. ;Tem vitamina A e faz bem para os olhos;, diz, sorridente. A menina que mora em Brasília aprendeu a importância da alimentação saudável na escola e também se mostra desenvolta no assunto em casa. ;Ela já começa a entender como é importante uma dieta que contenha frutas e verduras e como esses alimentos são necessários para a saúde;, completa a mãe, Márcia Franco. Isa, assim conhecida na escola, faz parte de um tipo de projeto que cresce a cada dia nas instituições de ensino no Brasil e no exterior. As hortas escolares têm o objetivo de incentivar as crianças a comerem de forma saudável e influenciá-las a optarem sempre por alimentos benéficos à saúde. É o que mostra recente estudo publicado no Jornal da Educação Nutrição e Comportamento (JNEB). Desenvolvido pela Universidade de Melbourne e pela Universidade de Deakin, ambas na Austrália, o estudo contou com a participação de centenas de crianças que concordaram em fazer parte de um modelo de programa incorporado ao currículo escolar. Semanalmente, elas participaram de dois tipos de atividades: em uma, aprenderam a plantar; na outra, um especialista em culinária as ensinou a usar vegetais para o consumo. ;O programa introduziu as crianças a conhecerem novos ingredientes e sabores e, dentro de um curto espaço de tempo, quase todos os alunos se sentiram motivados a comer o que o foi plantado. Os professores de várias escolas também relataram ter percebido uma notável melhora na qualidade da alimentação;, conta Lisa Gibbs, coordenadora da pesquisa. Também investigadora do estudo, Petra Staiger acrescenta a importância das hortas nas escolas. Para ela, o programa é projetado para repassar às crianças conhecimentos e competências em jardinagem sustentável, além de habilidades para preparar e cozinhar produtos frescos. ;Foi observado que o ambiente social dentro da sala de aula sofreu alterações consideráveis. Os alunos começaram a se sentar juntos para partilhar e saborear uma refeição que haviam preparado. Houve incentivo de experimentar o alimento, sem pressão para comer;, relata. Em Sobradinho, no Distrito Federal, uma escola pública segue o exemplo e é destaque no quesito comer bem. Desde de 2009, o Centro de Ensino Fundamental 1 (CEF-1) investe na horta escolar e tem cada vez mais adeptos dispostos a aprender a cultivar os alimentos. ;No ano passado, tivemos 90 alunos participantes da iniciativa. Para este ano, a expectativa é de que sejam 120;, diz a diretora da instituição, Yara Oliveira. Ela explica que a escola adota um programa do governo federal chamado Mais Educação, que oferece atividades optativas durante todo o dia, incluindo acompanhamento pedagógico, esporte, cultura, prevenção e promoção da saúde, entre outras atividades. Ex-aluno da instituição, Rafael Costa, 24 anos, não abandonou o projeto. Resolveu aceitar o desafio proposto pela professora Yara para ensinar outros estudantes a plantar. ;Faço esse trabalho com muita satisfação. Poder ensinar o que vem da terra e serve de sustento é uma das dádivas que nunca deve deixar de ser repassada;, diz Rafael. Fora da escola, o integrante do Mais Educação trabalha como técnico em manutenção de máquinas e recebeu total apoio no atual emprego para ajudar na horta da antiga escola . ;Venho uma vez por semana, na sexta-feira à tarde, e, quando pedi a autorização no trabalho e expliquei a razão, o meu chefe fez questão de abrir esse espaço;, afirma.
Aula de horta no Marista João Paulo II: cenouras plantadas pelos alunos serão usadas em bolo para a Páscoa  (Carlos Vieira/CB/D.A Press)
Aula de horta no Marista João Paulo II: cenouras plantadas pelos alunos serão usadas em bolo para a Páscoa
Fim do ócio Para o coordenador da Educação Integral da escola, Fábio Rodrigues, a horta possibilita tirar os alunos da ociosidade e fazer com que tenham interesse pelos estudos. ;Trata-se de um aprendizado diferenciado, que envolve as questões de responsabilidade social. A criança passa a ser mais disciplinada, e isso contribui de forma geral para que, no futuro, essa atividade possa ser uma forma de renda.; Os ganhos atuais aparecem em estatísticas oficiais. ;Depois que começamos com o programa, aumentou a concentração das crianças nos estudos. Isso contribuiu para que atingíssemos, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a nota 5,5 com a turma de 4; série. Isso representa que estamos acima da média escolar no Distrito Federal. Alcançamos a meta de 2020;, comemora a diretora da instituição, Yara Oliveira. Na sala de aula, a postura de Márcio Rodrigues, de 13 anos, também comprova os efeitos positivos do projeto. Antes inquieto e com dificuldades de aprendizado, o menino agora é mais concentrado e demonstra habilidade no plantio dos vegetais. ;Márcio mudou muito o comportamento. Antes faltava muito e era desinteressado com o aprendizado. Com a capacitação para plantar e conhecer a função dos alimentos, passou a vir mais à aula e isso possibilitou que ele tivesse afinidade com as atividades curriculares;, observa Yara Oliveira. Na escola Marista João Paulo II, em Brasília, a professora Analy Martins dedica-se a ensinar cuidadosamente a importância da semente e das propriedades das verduras para a turma de educação infantil. Os alunos, que parecem por vezes estar dispersos, surpreendem quando perguntados sobre a horta. ;Com a sementinha, nasce a verdura, que é boa para a saúde. Mas tem que irrigar e cuidar;, diz João Henrique, de 6 anos, que gosta de alface. Na horta da escola em que Isa também estuda, há ainda rúcula, cebolinha, almeirão e cenoura. Analy conta que, de tão entusiasmadas com a atividade, as crianças vez ou outra são flagradas querendo provar os vegetais ali mesmo, na horta. Boa parte da safra de cenouras será aproveitada na Páscoa. ;Prepararemos um grande bolo na cozinha experimental, quando cada aluno ajudará na produção;, destaca a professora. No CEF 1, a grande expectativa costuma rondar a sopa feita com os produtos da horta. Mas os alunos também podem levar o que plantam para casa. Jayanne Almeida, de 11 anos, chegou recentemente em casa com uma muda de manjericão. ;Minha mãe gostou bastante da iniciativa. Ela usa a planta para fazer chá;, diz. Neste início do ano letivo, a plantação vai surgindo de forma tímida, misturada à salsa, à cebolinha, ao orégano, ao alface e até mesmo ao abacaxi plantados no ano passado. ;Neste ano, pretendemos fazer conservas de pepino, cenoura, beterraba e cebolas. Para colher em junho, estamos com a intenção de realizar uma plantação de milhos, que serão saboreados durante a nossa tradicional festa junina;, planeja o orientador do programa, Rafael Costa. >> Oportunidade Obesidade reocupante Embora escolas brasileiras estejam focando na necessidade de melhorar alimentação dos jovens, os dados de sobrepeso na infância mostram que o trabalho escolar deve ser ainda mais incisivo, assim como o feito dentro de casa. Dados da Pesquisa Nacional de Orçamentos Familiares realizada entre 2008 e 2009 pelo IBGE indicam que a proporção de meninos com idade entre 10 e 19 anos que estão acima do peso aumentou de 3,7% no período de 1974 a 1975 para 21,7% em 2008 e 2009. Entre as meninas na mesma faixa etária, a proporção passou de 7,6% para 19,4% no mesmo período.

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