O Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) e o Governo do Distrito Federal (GDF) assinaram um acordo judicial que impede a Secretaria de Educação de ampliar a quantidade de escolas que funcionam sob o modelo pedagógico e semestralidade sem haver um debate prévio que defina a questão. O documento ainda precisa ser homologado na Justiça para ter validade.
Em 2014, a continuidade do sistema e a ampliação para outras escolas só será possível se uma série de requisitos forem respeitados. As escolas serão as principais balizadoras do sucesso da metodologia.
[SAIBAMAIS]Segundo o documento, nenhuma nova escola poderá adotar o modelo novo até o fim de 2013. Para garantir a ampliação das unidades dentro da nova estrutura, a Secretaria vai precisar cumprir alguns critérios específicos.
O acordo foi assinado na última quarta-feira (24) durante uma reunião entre as promotoras de Justiça de Defesa da Educação, Amanda Tuma e Márcia Pereira da Rocha, o secretário de Educação, Denilson Bento da Costa, e o procurador-geral do DF, Marcelo Castello Branco.
Multa extinta
O texto proposto pelo MPDFT e assinado pelo GDF revogou a decisão da suspensão dos modelos pedagógicos, que data de fevereiro de 2013, e a imposição da multa diária de R$ 10 mil caso a a Secretaria de Educação insistisse em manter a nova organização curricular. A multa aplicada alcançou R$ 100 mil na última quarta-feira.
"O acordo judicial foi a forma mais segura que encontramos para resolver o problema. Umas das principais vitórias foi garantir as discussões sobre o tema com as comunidades escolares. Faremos valer a lei de gestão democrática", disse a promotora de Justiça de Defesa da Educação, Márcia Pereira.
O documento prevê também a divulgação de um calendário com as datas das primeiras audiências públicas a serem realizadas pela Secretaria. Professores, alunos, pais, devem participar dos encontros. "A opinião das pessoas no processo construtivo da educação é imprescindível. O acordo firmado vai garantir o cumprimento da lei da gestão democrática", completou a promotora.
Além disso, estão previstos o incentivo ao treinamento dos professores, avaliações periódicas do sistema, aprovação de um ato normativo que esclareça o que é uma escola com ciclos e semestralidade, entre outros.
Exigências para ampliação
Para que as mudanças possam ser adotadas a partir do ano que vem, o GDF precisa garantir o cumprimento dos seguintes critérios: promover ampla discussão com a comunidade escolar, por meio de audiências públicas, em respeito à Lei de Gestão Democrática; submeter o projeto à aprovação do Conselho de Educação do DF; efetivar a devida capacitação dos professores; editar ato normativo específico; e realizar avaliações periódicas, inclusive com aferição do desempenho dos alunos.
"O documento apenas formaliza o que a Secretaria de Educação já tem feito há muito tempo. Os ciclos não são nenhuma novidade na estrutura pedagógica das nossas escolas, e existem desde 2005", explicou Denilson Bento da Costa, secretário de Educação.
Para ele, o questionamento da ação pedagógica do novo modelo não faz sentido. "A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), maior do que qualquer legislação estadual, garante que a rede se organize da forma que for mais adequada para a sua realidade."
Atualmente, cerca de 300 escolas públicas do DF, entre o primeiro e o quinto ano do ensino fundamental, já adotam o novo modelo. Essas poderão continuar a aplicar o sistema ou voltarem para o modelo tradicional, caso prefiram, antes mesmo do fim do ano.
O acordo judicial entre o MPDFT e o GDF estabelece a reversão do sistema somente em casos excepcionais. "As escolas que já adotaram fizeram isso de forma autônoma e debateram antes o tema com toda a comunidade escolar. É pouco provável que alguma unidade decida retroceder", avalia o secretário.
Para Bento da Costa, o bom desempenho dos estudantes nas escolas que já aderiram ao novo modelo é um argumento inquestionável da necessidade de mudança. "Estamos preparando um relatório para o fim do ano com todos os índices."
Estrutura polêmica
O modelo chamado de ciclos substitui o sistema de ensino estruturado em séries. No modelo de ciclos, a avaliação dos alunos é feita ao longo de um período contínuo, e não apenas ao fim do período letivo.
A LDB determina que, nos ciclos, a avaliação deve ser feita no dia-a-dia da aprendizagem, de diversas formas, incorporando-se à educação formal a experiência de vida trazida pelo aluno do seu universo familiar e social. De acordo com esse sistema, por exemplo, o ensino fundamental possui dois ciclos: um da primeira à quarta série e outro da quinta à oitava.
No plano inicial do governo, o Currículo em Movimento da Educação Básica extinguia o ensino seriado até o 5; ano. A intenção era ampliar o Bloco Inicial de Alfabetização (BIA), que ia até a 3; série desde 2005, para os dois anos subsequentes. Assim, os estudantes só poderiam ser reprovados em provas realizadas no 3; e no 5; anos.
Decisão judicial
No ensino médio, a proposta é a organização por semestres. As aulas passariam a ser divididas por áreas de conhecimento: nos primeiros seis meses do ano, o aluno aprenderia exatas e, nos outros seis, humanas, por exemplo.
No entanto, a sociedade e entidades de classe alegaram não ter havido a discussão e a preparação necessárias para tais mudanças. O Ministério Público moveu ação e a Justiça decidiu suspender a implementação em fevereiro.
Repercussão
Pais, alunos e professores aprovaram os termos do acordo judicial. A diretora do Sindicato dos Professores (Sinpro) Rosilene Corrêa ressalta que duas das principais cobranças da entidade estão contempladas no documento. "A escola vai poder tomar a decisão, isso é sensato e muito importante. A ampliação do debate para chegarmos a melhor decisão para 2014 também é positiva", disse.
Rosilene só ficou em dúvida quanto ao sucesso das avaliações e dos monitores. "Isso precisa ser bem detalhado. Tudo precisa ser avaliado, mas precisamos saber critérios, como isso será feito. Queremos saber ainda qual será o papel dos monitores nas salas de aula", completou.
Para o presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do DF (Aspa), Luis Claudio Megiorin, o projeto é bom, mas precisa ser visto e aceito pela sociedade, dentro de condições específicas para que possa ser bem aplicado. "O acordo foi o melhor, dada a situação. Se nós tivermos as condições necessárias, a otimização de espaço, o treinamento de professores, o acompanhamento dos pais, essa política redundará em ganho para os alunos", disse.
A professora Ana Nunes de Freitas, 42 anos, está mais tranquila com a decisão. O filho dela Henrique Nunes, 16 anos, cursa o 1; ano do ensino médio no Centro de Ensino Médio 01 do Gama, onde a semestralidade foi aplicada no início do ano. "Em cima da hora não dá para mudar. Tendo uma avaliação de como que foi este ano, será possível decidir se continua ou não. Vou participar de todas as audiências para entender melhor sobre o assunto", afirmou.
Por enquanto, ela não consegue fazer uma avaliação do que será melhor para o rapaz. "No início, pensei que seria bom, uma forma de ajudar os alunos. Mas os professores não foram preparados para isso. Não há uma grade específica. Ainda não sei que resultado isso terá no vestibular", afirmou.
A diretora da Escola Classe 419 de Samambaia, Maria Irene Lino de Carvalho, tem experiência em escolas que trabalham com os ciclos. Ela acredita que o modelo deve perpetuar assim como o Bloco Inicial de Alfabetização (BIA), que extingue a reprovação até o 3; ano do ensino fundamento desde 2005.
"Tivemos ótima experiência com o BIA e, agora, com a ampliação para o 5; ano. As crianças estão mais interessadas, mais animadas. Esperamos que seja mantido. Tudo o que é novo causa rejeição, as pessoas ficam apreensivas. Mas acredito que vale a pena o desafio", analisou a diretora.