Luiz Calcagno
postado em 30/10/2013 19:34
Vitor Hugo Almeida observa, com uma lupa, o pequeno inseto aquático aprisionado em um frasco com água levemente turva. Lá dentro também há uma pedra, terra e folhas e incontáveis partículas flutuantes. Paralelamente, Jamine Amorim estuda publicações científicas para entender como minúsculas criaturas podem ajudar a medir a pureza da água de um rio. E, por último, Felix Eduardo Rocha classifica os espécimes e os conserva em álcool, dentro de vidros com penicilina. Imerso em um mundo que aumenta sob as lentes de microscópios, o trio descobre uma miríade de vidas coletadas na natureza pelos próprios cientistas que, de outro modo, passariam despercebidas. Falando assim, é difícil imaginar que os dois primeiros exploradores têm 14 anos e o terceiro, 16.Estudantes do Centro Educacional 104 do Recanto das Emas, o trio trabalha sob orientação da professora de biologia Alessandra Godoi Cardoso, 32. Juntos, eles estudam o equilíbrio biológico no Córrego Monjolo, muito utilizado pelos moradores da cidade. A proporção entre espécies de pequenos insetos que vivem no riacho indica o grau de limpeza da água. A primeira etapa consistia em ir até o manancial. Policiais militares acompanharam os alunos e a professora. Entraram no mato, sujaram-se de lama e, depois da aventura, voltaram para o colégio com os seres aquáticos passeando sobre a superfície dos vidros.
As pesquisas preliminares mostraram que a fauna do córrego abriga insetos que não sobreviveriam à poluição, como os das ordens trichoptera, plecoptera e ephemeroptera, e outras mais resistentes, como os chironomidae e simulidae. A professora ainda vai calcular, com os alunos, a proporção entre os grupos. Se o segundo prevalecer sobre o primeiro, isso pode significar que as águas não são seguras para banhos, por exemplo. Como os estudantes localizaram as espécies sensíveis vivendo no local, o saldo da pesquisa ainda é positivo. Eles apresentaram o resultado parcial das expedições e estudos no último fim de semana, no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade, durante a 10; Semana Nacional de Ciência e Tecnologia.
Fantástica realidade
Estudar em uma sala ampla, com bancadas cheias de equipamentos de ponta, ver o mundo de outro ângulo através de lentes de aumento, compreender melhor o fenômeno da vida e as leis da física na natureza abriram novas perspectivas para os três alunos. Felix Eduardo, por exemplo, diz que nunca foi fã de física, química ou biologia. No entanto, os trabalhos despertaram sua vontade de conhecer o mundo. O rendimento do adolescente melhorou. Tanto ele quanto os amigos ficam no laboratório estudando após o horário de aula. ;Aqui, temos tempo para trabalhar e estudar com mais profundidade. É algo diferente para mim. Sempre aprendo uma coisa nova e isso despertou ainda mais meu interesse pelos estudos;, diz.
Os pequenos peixes e insetos aquáticos, as larvas de libélulas, as caminhadas, a catalogação e o estudo inspiraram Jamine, que agora pensa em seguir carreira como bióloga. A menina diz nunca ter imaginado que passaria pela experiência. Ela se sente motivada, pois acredita ajudar os usuários do Córrego Monjolo. ;As pessoas bebem e tomam banho naquela água. Se estão correndo algum risco, têm o direito de saber. Além disso, estamos mostrando para todos que ali (no córrego) também há vida, para que as pessoas parem de degradar o local;, conta. Moradores da região desmataram a mata ciliar em diversos pontos, o que provocou assoreamento do manancial.
Para Vitor, o momento de voltar para o laboratório entre um dia e outro é motivo de ansiedade. Os experimentos e as pesquisas invadem a mente do rapaz, que perde até o sono esperando pelo dia seguinte. O laboratório do centro de ensino fez com que as cenas vistas em filmes virassem realidade. ;Era algo que eu sempre via na tevê, e sempre quis participar, estudar em um lugar como esse. E o acesso ao local é fácil para todos os alunos que se interessam. É muito empolgante;, argumenta. ;Quando chego à escola, o que mais quero é ir para o laboratório. Ficamos depois do horário da aula para aproveitar o tempo. Eu ainda não pensei sobre qual curso superior fazer, em que vou me profissionalizar, mas tenho certeza de que essa experiência vai me influenciar;, garante.
A vivência não afetou apenas os alunos. ;Foi para isso que me tornei professora: proporcionar uma experiência profunda aos meus alunos, ouvir deles que gostariam de cursar biologia, levá-los a campo;, diz Alessandra. Ela também se sente realizada no laboratório e esquece até a hora de ir para casa. Segundo a bióloga, a ideia de medir a pureza da água do córrego partiu dos próprios alunos. ;Em setembro, ganhamos o quarto Circuito de Ciências das Escolas Públicas do DF, o que nos levou para a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. A minha sensação é de dever cumprido, de sonho realizado;, declara.
Mudança
A escola já foi uma das piores do Brasil, mas hoje leva a prática do conhecimento para a sala de aula. Com os trabalhos de campo e no laboratório, Alessandra é uma das grandes responsáveis por isso. Mas, segundo ela, a nova direção do colégio possibilitou a transmutação. ;A mudança de direção foi fundamental para isso. Eles tiveram que reformar a escola toda, e depois cederam uma sala para o laboratório, que antes era um depósito de coisas velhas, muitas delas quebradas;, relata. ;Nossa escola, hoje, tem fila de espera;, completa.
Vida em ebulição
Cada uma das ordens citadas no texto é composta de milhares de espécies de insetos diferentes. Por isso, é necessário que os estudiosos identifiquem as características e os comportamentos de cada grupo. Dessa forma, é possível entender a relação entre as espécies e até as consequências de mudanças no hábitat natural em que elas convivem com outras classes de seres.