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Enem, exame pouco democrático

Levantamento realizado a pedido do Correio revela que 42% dos alunos da rede pública deixaram de fazer as provas. Na particular, percentual fica em 10%

Daniela Garcia
postado em 20/01/2014 14:00
Thays Lyege e Amanda dos Santos: a primeira fez o Enem, mas não se matriculou no SISU. A segunda sequer prestou o ExameCriado para democratizar as oportunidades de acesso às vagas em universidades públicas federais, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ainda é uma realidade mais presente na vida dos estudantes das escolas privadas do que aqueles que concluem o ensino médio em uma instituição pública. Levantamento feito pelo Instituto Áquila, a pedido do Correio, com os dados do Censo Escolar e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), mostra que enquanto 10% de alunos concluintes do ensino médio de escolas particulares deixaram de fazer a prova em 2012, o índice chega a 42% na rede pública.

Amanda Pereira dos Santos, 18 anos, integra o grupo dos ausentes do Enem em 2013, quando estava cursando o 3; ano do ensino médio em uma escola pública do Recanto das Emas. Ela teve a chance de fazer o exame com a inscrição gratuita, mas o teste pareceu impossível para a garota, que deseja cursar enfermagem. ;Eu não fiz a inscrição, porque acho que nunca iria passar para uma universidade pública;, afirma.

A falta de confiança de Amanda não tem a ver com baixa autoestima ou a falta de incentivo em casa, afirma a doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) Paula Nascimento da Silva. ;Essa autoexclusão do Enem está muito mais ligada à questão de estrutura da escola, que faz com que eles se sintam incapazes de fazer a prova;. Ao longo dos últimos quatro anos, os alunos concluintes do Ensino médio vêm aumentando a adesão ao Enem, segundo dados do Inep, o que não garante a universalidade sonhada pelo Ministério da Educação.

Paula é autora de uma pesquisa de doutorado, defendida em 2013, que discute as barreiras ideológicas que atrapalham o acesso de alunos de ensino público às universidades estaduais e federais. Por seis meses, em 2010, ela acompanhou de perto o cotidiano de alunos do 3; ano de uma escola estadual paulista. A instituição escolhida como objeto de trabalho contava com uma boa média no Enem.

A pesquisa detectou, por exemplo, que a falta de confiança dos jovens estava ligada à ausência diária de professores na sala de aula. ;Eles ficaram seis meses sem ter aula de português;, lembra Paula. Para ela, mesmo com a contratação de substitutos, jovens de escolas públicas, no geral, vivem um ;cotidiano instável; com os mestres, o que não acontece nas escolas privadas. É o que relata o recém-formado pelo CEM (Centro de Ensino Médio) 4 de Ceilândia, Alef Araújo, 19 anos. ;No 1; ano (ensino médio), a gente ficou sem professor de Física o ano todo;, afirma. Ele diz ter consciência que não aprendeu o conteúdo suficiente e abriu mão da inscrição gratuita do Enem em 2013.

Paula também constatou uma baixa aplicação de provas na rotina dos alunos. ;No geral, os alunos da escola pública só enfrentam um exame importante em poucas situações, o que pode acentuar o medo em relação ao vestibular;, pontua. Aluna do 3; ano do CEM 3 Ceilândia em 2013, Tainá Benjamim, 18 anos, confirma a tese. Ela explica que, no ano passado, a escola teve de se adaptar ao novo sistema de avaliação semestral, em vez de aplicar exames a cada dois meses. ;Eu fiz a primeira prova só em julho;, lembra ela, que também não fez o Enem.

A explicação para a lenta preparação dos vestibulandos tem uma razão matemática. Segundo a doutora, um professor da rede pública de São Paulo, que cumpre 40 horas semanais, chega a assessorar cerca de 1000 alunos. ;Como os professores podem dar conta de corrigir tantos exames e ainda exigir que os alunos respondam questões dissertativas?;, destaca.

MEC
Procurado pelo Correio, a assessoria de comunicação do Ministério da Educação informou que o secretário de Educação Básica, Romeu Weliton Caputo, estava em viagem e só ele estava autorizado a dar entrevistas. Sobre os dados, a pasta informou que ;cerca de 90% dos concluintes dessa etapa de ensino estavam inscritos na última edição do Enem ;, sem especificar quantos eram da rede pública e da privada.

;Eu não fiz a inscrição, porque achei que nunca iria passar para uma universidade pública;
Amanda Pereira, aluna do Centro de Ensino Médio 111, do Recanto das Emas

Palavra de especialista

Esforços ainda
insuficientes

O poder público tem desenvolvido diversas políticas na tentativa de aumentar o número de estudantes das universidades federais vindos das escolas públicas, tal como a isenção de taxas de vestibulares, os sistemas de cotas, de bônus, entre outros. Entretanto, verifica-se que essas iniciativas não resultaram em uma mudança no perfil de alunos que buscam a universidade pública: permanece uma maioria de estudantes autodeclarados brancos, com renda familiar acima da média e egressos das escolas privadas.

O senso comum de que, no Brasil, as escolas privadas são melhores do que as escolas públicas, afastaria os alunos mais pobres da competição. A autoestima é uma valorização que o sujeito faz do que ele é, construída nas relações que mantém com o mundo. Jovens que vivenciam situações de não-aprendizagem no contexto escolar precisam de condições de vida e de formação que permitam não se sentirem inferiores.
Paula Nascimento da Silva,
doutora em Educação pela USP

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