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Sistema de ensino é reprovado pela ONU

Relatório da Unesco mostra que, até 2015, o país só cumprirá duas das seis metas prometidas em acordo mundial feito em 2000. Especialistas dizem que a raiz do problema está na desvalorização dos professores

Daniela Garcia
postado em 29/01/2014 11:08
Coordenadora da Unesco, Rebeca Otero critica piso salarial dos professoresRelatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), divulgado mundialmente hoje, mostra que o Brasil será reprovado ao fim do prazo do acordo que previa a garantia de uma educação de qualidade para todos. Até 2015, o país tinha de cumprir seis metas (veja quadro) previstas no tratado com a ONU, porém, apesar de avanços na universalização do acesso ao ensino primário, a rede de educação brasileira só cumprirá duas. Especialistas dizem que o diagnóstico do fracasso já era esperado, diante da enorme desvalorização de professores. Para a Unesco, o reconhecimento da importância dos docentes é fator chave para a melhoria no sistema de ensino.

A ONU ressalva que nenhuma das 129 nações deve atingir os seis objetivos firmados na Conferência Mundial da Educação, em 2000. Para especialistas, deixar de concluir a meta de qualidade do ensino será uma das maiores falhas do Brasil no acordo com a ONU. Segundo a coordenadora de Educação da Unesco no Brasil, Maria Rebeca Otero, há ainda um grande número de crianças e jovens no país que saem das escolas sem proficiência em leitura e com dificuldades de realizar operações matemáticas. A Unesco destaca um suporte maior aos docentes como solução para a crise da educação no mundo. Rebeca afirma que o aprendizado dos alunos passa fundamentalmente pela qualidade dos mestres. ;Por isso, é preciso melhorar a carreira no Brasil. Aqui, a gente tem o piso de R$1.600 que é muito baixo e não incentiva ninguém a ser professor.;

;Existem muitos alunos que estão apenas presente fisicamente na escola, mas não aprendem;, alega a professora de pós-graduação em Educação da Universidade de São Paulo (USP), Maria Cecília Cortez. ;É uma pena não atingirmos essa meta, porque o Brasil é um país populoso e as crianças pobres são as maiores prejudicadas;, opina a diretora executiva da entidade Todos pela Educação, Priscila Fonseca da Cruz.

O Brasil também está longe de reduzir o analfabetismo pela metade até 2015. Ainda há cerca de 13 milhões de brasileiros com mais de 15 anos que não sabem ler e escrever, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgados em 2013. A diretora do Todos pela Educação considera, no entanto, que, com a universalização do acesso à escola primária, o Brasil diminuirá o percentual de analfabetos em médio prazo.

O país também falhou na evolução do acesso à educação infantil e cuidados da primeira infância. De acordo com a coordenadora da Unesco, a organização reconhece o investimento da construção de creches nos últimos anos, contudo, os esforços não serão suficientes para cumprir os índices até 2015. A mesma situação acontece com a promoção do aprendizado e da habilidade de jovens e adolescentes. ;Essa meta avalia se o aluno que está saindo do ensino médio e está aprendendo habilidades para a vida, em termos de educação profissional. Temos hoje o Pronatec (Programa Nacional de Ensino Técnico), mas o Brasil ainda tem muito a avançar.;

Crianças na escola
Por outro lado, a esperada universalização do ensino primário deve acontecer no período estipulado pelo acordo da ONU, na avaliação de Rebeca Ortero. ;O Brasil teve um grande avanço. Está próximo de atingir 100% de matrículas;, destaca. O período educacional considerado pelo relatório é até o 5; ano do ensino fundamental. A secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC), Macaé Maria Evaristo dos Santos, comemora o resultado. ;O Brasil vem trabalhando para cumprir essa meta desde o fim dos anos 1980. E nós temos corrigido muito rapidamente essa distorção (alunos fora da escola);, afirmou.

Entretanto, a professora da USP, Maria Cecília, faz ressalvas em relação à meta. ;É uma vitória quantitativa. As escolas públicas funcionam, às vezes, como o SUS. Há pacientes sobre as macas, mas nem sempre eles estão sendo atendidos ou recebendo um tratamento correto;, compara. A secretária do MEC garante que o país tem se comprometido a cumprir indicadores nacionais para melhorar a qualidade ensino como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Macaé acredita, que, em 2016, o Brasil deve universalizar o acesso de crianças ao ensino infantil e jovens no ensino médio.

Ex-ministro da Educação, o senador Cristovam Buarque (PTB-DF) argumenta que a educação básica tem sido deixada de lado pelo MEC. ;Os governos de Lula e Dilma deram prioridade ao ensino superior. Eles abandondaram a educação de base, por considerar que isso é responsabilidade dos prefeitos e governadores;. O parlamentar defende a federalização das escolas públicas, com o objetivo de valorizar a carreira dos professores.
Colaborou Julia Chaib

OAB pede providências à ONU
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apresentou um documento ao Conselho de Direitos Humanos da Organizações das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça, no qual pede à entidade que cobre providências do Brasil em relação aos presídios do Maranhão e do Rio Grande do Sul. O conselho tem o poder de recomendar punições a seus países integrantes quando verificados casos de violação aos direitos humanos. No começo do mês, o Alto-Comissariado de Direitos Humanos da ONU alertou estar ;preocupado; com a situação do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, onde 64 presos foram assassinados no último ano.

Palavra de especialista
Salário é essencial
O Brasil é um país que ainda não cumpriu com a agenda obrigatória da educação. Isso significa colocar a questão docente no debate central, buscando soluções para a melhoria da remuneração inicial dos professores. Primeiro, deve-se garantir um bom piso salarial, depois, a criação de uma carreira que motive os professores, e o trabalho com formação continuada dos docentes. Essa agenda foi desenvolvida por diversos países, como Coreia do Sul e Finlândia em um passado não tão recente, e ainda não chegou perto de ser iniciada no Brasil. Isso é uma questão central para o alcance de todas as metas.

Em relação à educação de jovens e adultos, essa é uma modalidade que foi escanteada pelo poder público, que não tem tentado inovar na busca e convocação das pessoas em situação de analfabetismo. Já na educação infantil, o Brasil avançou. Mais em termos de excesso do que de qualidade. As escolas precisam ser mais atrativas para os alunos e isso exige investimento. Não adianta o governo buscar atalhos. Tem de seguir o caminho mais longo, que vai dar pouco resultado em curto prazo, mas muitos frutos no futuro. É preciso colocar a questão docente no centro do debate e buscar medidas específicas para cada etapa da educação. O investimento de 10% do PIB é um bom pontapé inicial.

Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

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