Jornal Correio Braziliense

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Mestres e funcionários acuados

Profissionais de educação sofrem com ameaças e agressões dentro das escolas do Distrito Federal. Muitos casos decorrem do consumo e do tráfico de drogas entre alunos. Especialistas alertam para a degradação familiar

;Aqui é assim: toda vez que agimos para organizar e disciplinar, alguém diz: ;Um já morreu;. Eu me pergunto: será que vai ser sempre assim no CED Carlos Mota?;

O desabafo é de uma funcionária da direção do centro educacional do Lago Oeste. A história do colégio está marcada pelo assassinato do então diretor, Carlos Ramos Mota, há seis anos. Dois estudantes e um ex-aluno participaram da execução do mestre. Em Ceilândia, a ameaça foi a um porteiro, que ouviu de um jovem que ele acordaria ;com a boca cheia de formiga.; O autor das fortes palavras nem era matriculado, mas fumava maconha e portava uma arma de fogo no pátio do colégio. A série ;O bê-á-bá da violência; revela essas e outras histórias sobre a rotina de medo vivida por funcionários das instituições de ensino do Distrito Federal.

Uma bala no peito calou o homem apaixonado pela educação, pai de três filhos e casado com a servidora pública Rita de Cássia Mota (leia Depoimento). Carlos Ramos Mota, 43 anos, morreu pelas mãos de dois estudantes da escola ; Alessandro José de Souza e Carlos do Nascimento ; e por Benedito Alexandre do Nascimento, ex-aluno e responsável por apertar o gatilho. O mentor do crime, segundo o Ministério Público, é Gilson de Oliveira, traficante da região que foi impedido por Mota de comercializar entorpecentes dentro da instituição de ensino. Gilson tem conseguido protelar o julgamento, agora marcado para 28 de maio. Benedito e Carlos cumprem pena de 18 anos de reclusão. Alessandro foi condenado a 16 anos de prisão.

Passados seis anos do crime, a rotina de violência continua a massacrar os funcionários da escola que agora leva o nome do ex-diretor. As ameaças de hoje fazem referência ao assassinato de Carlos Mota. ;Eles dizem: ;Depois você morre, não reclama;, ou ;Você está muito folgada, vou acabar com essa sua folga;. Isso é corriqueiro. Cadê o policiamento do Batalhão Escolar? Não temos. Se a agente chama, eles vêm, mas aqui é longe, demora. O Posto de Segurança Comunitária do lado da escola não tem policial e frequentemente somos seguidos por alunos;, conta uma educadora.

A violência praticada contra os mestres também parte dos familiares de estudantes. Há pouco mais de uma semana, uma profissional da direção registrou queixa de ameaça contra o pai de uma aluna. ;Ele foi agressivo, me chamou de incompetente. Se meus colegas não chegam, ele me daria uns tapas", diz Milene (nome fictício). Recentemente, quatro alunos praticaram um sequestro relâmpago e abandonaram a pessoa atacada no Lago Oeste. Na fuga, deixaram uma mochila para trás. A vítima e a polícia bateram na porta da escola. ;Tudo isso gera muita insegurança. E o Estado, o que faz? Nada vezes nada;, reclama Milene.

Quando questionados se o tráfico ; motivo do assassinato do ex-diretor ; deu uma trégua, a resposta dos servidores é evasiva. ;Quando tinha polícia aqui, a gente ficava tranquilo. Temos as câmeras que monitoram todo o colégio. Não cabe a nós investigar nem ficar procurando;, sintetiza um deles.

Socorro

A reportagem tentou obter, em diferentes esferas do governo local, estatísticas sobre a quantidade de mestres ameaçados de morte, feridos ou assassinados por alunos. Não conseguiu (veja Memória). O apagão dos números é ainda maior porque nem todas as ameaças são registradas. Nem mesmo o Sindicato dos Professores (Sinpro-DF) tem os dados. ;Se eu prestar queixa cada vez que recebo uma ameaça, não vou conseguir trabalhar. Vou viver na delegacia;, diz uma professora de Ceilândia, que pediu para ter o nome preservado.

Dentro de sala de aula, os confrontos explodem sempre que os aprendizes são contrariados. Ano passado, pelo menos quatro professores formalizaram denúncia na Delegacia da Criança e do Adolescente I (Asa Norte) contra alunos que os ameaçavam. Os casos ocorreram em Planaltina, Paranoá, Itapoã e Riacho Fundo. ;Eles ficaram bastante assustados e pediram a transferência. Não sei se conseguiram ou continuam nas escolas;, relata a delegada Mônica Ferreira, titular da Delegacia da Criança e do Adolescente I (Asa Norte), sem revelar o nome das vítimas e das instituições de ensino.

Funcionários de uma escola de ensino fundamental de Ceilândia pedem socorro. ;Sofremos com ameaças diárias na escola. Eles querem traficar dentro do colégio, fumar no banheiro e nas dependências. Não posso permitir. No entanto, devido ao trabalho realizado, sofremos represálias;, narra o diretor da instituição, que também pediu para não ser identificado. A escola já chegou a ser exemplo de boas práticas na guerra contra a violência. Atualmente, perde a batalha. Quando o Correio, na semana passada, esteve no local, o clima era de tensão porque jovens passaram a tarde atirando pedras e se jogando no portão para derrubá-lo. Quando a polícia chegou, não havia mais sinais dos vândalos.

Depoimento

;O reflexo da sociedade;

;Os seis meses que ele ficou como diretor foram intensos. Às vezes, ele comentava em casa as ameaças que sofria. Dizia que o clima na escola estava tenso. Tinha uma preocupação tão ampla que criou vários projetos: trouxe o cinema, a banda de música e criou a biblioteca. Levou a comunidade até a escola, que também foi uma das primeiras a ter o regime integral. Tudo para tirar o jovem da rua. O Plano Político Pedagógico seguido pelo GDF é do professor Carlos Mota. Então, essa escola deveria ser modelo, e não é. As coisas só acontecem pela resistência dos professores e da direção. Há dois anos tento trazer o Proerd na escola onde um professor foi assassinado por causa das drogas e não consigo. Se você me perguntar se a escola é violenta, ou eu vou dizer que ela é o reflexo da sociedade. De uma sociedade que não dá oportunidade de trabalho, de vida social e de uma educação de qualidade. A escola está vulnerável. Houve melhora? Sim. Mas a infraestrutura e a logística ainda são muito ruins. Temos muito o que evoluir.;

Rita de Cássia Mota,
48 anos, servidor pública, mulher do professor Carlos Mota, assassinado por estudantes