postado em 01/05/2014 10:37
Na manhã de ontem, 50 estudantes trocaram as paredes da escola por um barco feito de sala de aula. Durante um tour pelo Lago Paranoá, saindo do Parque Ecológico Ermida Dom Bosco, estudantes do Centro de Ensino Fundamental Zilda Arns, do Itapoã, e filhos de garis aprenderam sobre preservação ambiental, o descarte correto do lixo e curiosidades sobre o Lago Paranoá.As consequências para o ambiente quando o lixo é jogado na rua ou nas águas também foram abordadas. Os palestrantes foram os garis Aécio Barros e Cida Neves e o ambientalista Luiz Rios. Barros explicou aos estudantes como é o trabalho dele e falou sobre a importância da coleta seletiva e do acondicionamento correto dos detritos. "Para descartar um espetinho, basta colocá-lo numa garrafa plástica que sempre tem em casa. Assim, não machuca a mão do gari quando ele for pegar o lixo. No caso das seringas, é a mesma coisa: tire a agulha, tampe e coloque numa garrafa PET", orienta. O descarte do vidro também tem uma indicação. "Para que o catador não se corte, embrulhe num papel e depois coloque numa caixa, que pode ser de sapato".
"Normalmente, a mãe ou pai das crianças faz o descarte do lixo, mas elas podem instruir os próprios pais com o que aprenderam", acredita. Com o ambientalista Luiz Rios, as crianças descobriram como é a cadeia alimentar das águas, observaram micro-organismos presentes no lago num microscópio e descobriram quais áreas do lago são boas para banho e quais não. "A preservação se faz nas pequenas coisas. Até um chiclete pode matar um animal. O lago é um local para aproveitar, por isso, precisa ser bem cuidado".
Segundo o ambientalista, a preservação do lago passará a ser ainda mais importante porque a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) vai passar a coletar água do Paranoá para o consumo no DF em 2016. "Ecolocia se faz com pequenos atos, evitando desperdício, separando lixo, não jogando lixo no chão e no lago. A responsabilidade está nas nossas mãos", completa Rios.
Aprendizado prático
Para a maior parte dos estudantes, essa foi a primeira vez numa embarcação. A bela paisagem, a sensação do vento no rosto e o fato de navegar tornam o aprendizado mais interessante e, até, inesquecível. Depois de absorver conhecimentos e de um lanche, o passeio é finalizado com um juramento das crianças, que se comprometem a cuidar do meio ambiente.
A professora de ciências Giselle de Oliveira, 33 anos, garante que aprender fora da escola faz diferença. "Tirá-los da sala de aula e trazê-los para a realidade é muito importante. Assim, os alunos são estimulados a aplicar os ensinamentos no dia a dia. Eles ficaram muito animados só de saber que entrariam num barco", conta. Cleyson de Oliveira, 25, professor de ciências, também vê vantagens para o ensino. "Sempre tratamos o tema da sustentabilidade em sala de aula, mas, agora, colocamos uma imagem real na cabeça deles sobre o assunto. Os que vieram aqui hoje são os melhores alunos, foram escolhidos a dedo, já que não havia espaço para todos", conta.
A animação com o passeio fez com que meninos e meninas prestassem atenção aos ensinamentos. Roosevelt Thairony, 10 anos, pensava que, para jogar vidro fora, bastava colocar numa sacola, mas descobriu que estava enganado. "Tem que enrolar o vidro num papel e colocar numa caixa de sapato, para que o gari não se machuque ou se corte. Vou aplicar tudo o que aprendi aqui e ainda vou dar dicas para os meus pais fazerem lá em casa", garante. Raquel Belo, 12, ficou surpresa com os ensinamentos. "Eu nunca tinha parado para pensar sobre como descartar o lixo. Para não poluir e para não machucar os garis, é preciso ter mais atenção".
"Reciclar, separar o lixo e descartá-lo corretamente também é importante para a preservação do Lago Paranoá que, em algumas partes, pode ter até 40 metros de profundidade", conta Thierry Santos, 13 anos, sobre uma das lições que aprendeu. Acostumado a nadar no lago, em locais como a Ermida Dom Bosco, ele descobriu quais áreas são próprias para banho e quais não. "O ambientalista mostrou que tem áreas em que a água do lago é até potável. Fiquei mais tranquilo de saber que a água aqui na Ermida, por exemplo, é boa para tomar banho. Só tenho que ficar atento para não ir nos pontos poluídos".
Filhos de um gari, Anderson Diogo Costa, 13 anos, e Kevin Moreira, 7, disseram já saber tudo o que foi ensinado no passeio de barco. "Meu pai é gari e me ensinou tudo sobre o descarte. Eu já sabia que, para jogar palito fora, o ideal é colocar dentro de garrafa PET e que o vidro deve ser embrulhado num papel. Meu pai corre riscos no trabalho dele porque as pessoas não jogam o lixo fora da maneira que deveriam. Ele pode se cortar com vidro, por exemplo, e, nesses casos, ele lava com água e com álcool. Por isso, é importante aprender e fazer do jeito certo", afirma Anderson.
Pelo meio ambiente e pelos garis
A iniciativa é da Sustentare Serviços Ambientais, responsável pela coleta em 17 regiões administrativas do Distrito Federal. O projeto Sustentare pela Sustentabilidade prevê 10 passeios de barco educativos com duração de 2 horas cada até dezembro. Essa foi a terceira aula, e a primeira ocorreu em fevereiro. O projeto deve levar conscientização para 500 crianças de 10 a 14 anos, acompanhadas por monitores e professores. Os garis que transmitem conhecimento aos estudantes passaram, antes, por um treinamento interno sobre gestão ambiental e outros conteúdos.
O objetivo, além de ensinar sobre sustentabilidade e cuidado com o meio ambiente, é evitar acidentes de trabalho para catadores e varredores por meio do incentivo ao acondicionamento correto do lixo. Mensalmente, cerca de sete garis da empresa se machucam com cortes de cacos de vidros, perfurações de espetos de churrasco e agulhas, o que gera riscos de contaminação.
"A educação, dentro de casa, partindo de uma criança tem um peso maior. A ideia é que elas façam a correção de pais e irmãos quando observarem algo errado. Os alunos se empolgam e disputam para responder perguntas durante o passeio. Percebemos que eles entendem a importância dos ensinamentos e ficam empolgados porque, além de ser uma aula, é um passeio de barco. É isso o que nos move e mostra que estamos fazendo a coisa certa", afirma Williani Carvalho, coordenadora de projetos da Sustentare, explica. A previsão é que o projeto-piloto iniciado no DF este ano seja continuado em 2015.
O barco utilizado no projeto é de Darse Lima, do projeto Mar de Brasília, criado há três anos. "Já levamos 5 mil alunos para aulas no Lago Paranoá. Esse barco foi todo equipado para ser feito de aula de aula. Faz muita diferença porque as crianças passam a se sentir, junto com as famílias, responsáveis pela preservação ambiental", afirma.
Para participar
Colégios públicos e particulares interessados no projeto podem entrar em contato pelo telefone 3224-2161 para se inscrever. Até o momento, há 55 escolas inscritas. As que não puderem ser atendidas esse ano, entram na lista de espera para o próximo.
Palavra de especialista // O futuro do lago
A pior época do Lago Paranoá foi nas décadas de 1970 e 1980, quando a água era turva e fedia por causa da poluição e da grande quantidade de algas. A partir de 1993, a água começou a melhorar por causa de uma fiscalização mais severa de esgotos clandestinos. Em 2000, camadas de água mais carregadas foram despejadas no Rio Paranoá, que, por causa da correnteza, tem uma capacidade melhor de assimilação da poluição. O resultado é que, a cada ano, a água do Lago Paranoá fica melhor. Nosso lago é conhecido no mundo inteiro por estudiosos por ser o único lago tropical que teve seu processo de poluição revertido. Hoje, tem uma boa qualidade e os brasilienses estão se apropriando e valorizando mais essas águas. Um estudo demonstrou que, em 20 anos, não teremos mais água suficiente para abastecer o DF. Foram levantadas três possibilidades de abastecimento: Lago Paranoá, São Bartolomeu e Rio Corumbá 4. O lago é a opção mais barata e de melhor qualidade de água. A partir de 2016, uma estação de bombeamento de água vai ser instalada no lago. Vamos passar a depender da água dali, que vai abastecer 600 mil famílias de Lago Sul, condomínios e Sobradinho. Por isso, a preservação dessas águas vai ser ainda mais crucial porque vamos beber dela. É preciso mudar a visão das crianças para que elas valorizem a riqueza que temos. A sobrevivência de Brasília depende da qualidade da água do lago.
Luiz Rios, ambientalista do projeto Mar de Brasília