Ensino_EducacaoBasica

Fé no banco da escola

Embora o Estado brasileiro seja laico, a Câmara dos Deputados debate dois projetos que retiram autonomia dos colégios sobre o ensino religioso. Um torna a disciplina obrigatória nas instituições públicas, e o outro inclui o criacionismo na grade curricular

postado em 09/12/2014 11:08


Os amigos George Harrison, evangélico, e Héracles Mourão, budista, são contra a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas (Paula Rafiza/Esp. CB/D.A Press)
Os amigos George Harrison, evangélico, e Héracles Mourão, budista, são contra a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas

A crença cristã de que Deus criou o Universo e a humanidade a partir de Adão e Eva pode virar disciplina obrigatória em todas as escolas públicas e privadas brasileiras. Para sair da Bíblia e ganhar os livros didáticos, a ideia depende de aprovação do Congresso Nacional. Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que pode mudar a grade curricular dos colégios e incluir o ensino do criacionismo. A proposta apresentada em novembro deste ano é do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), pastor evangélico que já se envolveu em polêmicas como a tentativa de aprovação da ;cura gay; enquanto presidia a Comissão de Direitos Humanos da Casa.

Além de incluir o criacionismo na grade curricular, Feliciano quer tornar obrigatório o ensino religioso nas escolas públicas. Para isso, propõe a alteração do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (Leia quadro). Os dois projetos tramitam em conjunto na Comissão de Educação. Se aprovados, serão avaliados ainda nas comissões de Cidadania e de Constituição e Justiça antes de ir a plenário. No Distrito Federal, falta consenso entre religiosos, alunos, professores, pais e especialistas. A maior oposição é acerca da obrigatoriedade, e grande parte defende a autonomia da escola para definir o projeto pedagógico, como garante a atual legislação.



"Busco escolas que tenham ensino religioso para elas aprenderem valores, respeito ao próximo e sobre ética, o que considero importante. Mas discordo da obrigatoriedade do ensino. Isso é papel dos pais ou da Igreja."




Sâmela Viegas, administradora

George Harrison, 17 anos, e Héracles Mourão, 16, estudam na mesma sala, no Centro de Ensino Médio Elefante Branco. George é evangélico e Héracles, budista. As diferentes crenças nunca foram problema para os amigos. Eles são contra a obrigação do ensino religioso nas instituições de ensino e contam que, no Elefante Branco, o tema é abordado nas aulas de parte diversificada (PD), disciplina que aborda diferentes conteúdos. ;Não é bom obrigar as pessoas a aprenderem fundamentos nos quais não acreditam. Temos ateus, muçulmanos, budistas, evangélicos e católicos nas salas de aula. Acho que cada um pode procurar a igreja ou o templo de afinidade para seguir;, defende George. Héracles concorda com o amigo. ;Quando quero procurar mais sobre minha doutrina, vou ao templo budista. Além disso, o Estado é laico;, reforçou.

Autonomia
O currículo da rede pública de ensino no DF segue os princípios da LDB. De acordo com a coordenadora de Educação e Diversidade da Secretaria de Educação do DF, Ana José Marques, como é facultado ao aluno assistir às aulas de ensino religioso, nos horários em que o conteúdo é ministrado, há outras atividades para os que não desejam participar. ;As escolas se organizam para isso. Temos uma matéria chamada PD, na qual são abordados assuntos contemporâneos, como a importância da mulher, igualdade de gênero e outros;, afirma.

Segundo Ana José, três princípios norteiam o assunto dentro das diretrizes do DF: a laicidade do Estado, o respeito à diversidade religiosa e a garantia do direito de o estudante ter acesso ao conhecimento. ;Devemos compreender que o Brasil é um país com muitas religiões e, mesmo com um Estado laico, é preciso possibilitar que o estudante conheça todas as religiões. Todos os professores são orientados a falar sobre as crenças nas aulas de filosofia, história, sociologia, em alguns momentos, é necessário tocar nas questões de religiosidade;, conclui.

Apesar de ser católica, a administradora Sâmela Viegas, 38 anos, moradora do Lago Sul, escolheu matricular as duas filhas em um colégio presbiteriano. ;Busco escolas que tenham ensino religioso para elas aprenderem valores, respeito ao próximo e sobre ética, o que considero importante. Mas discordo da obrigatoriedade do ensino. Isso é papel dos pais ou da Igreja;, defende.

Para saber mais

Criacionismo


A teoria diz que o mundo foi criado pela divindade cristã. Se baseia no Gênesis, primeiro volume do Antigo Testamento, o qual estabelece que Deus criou o Universo em sete dias. No primeiro, fez o dia e a noite. Os céus, a terra, a vegetação e o mar no segundo e no terceiro dia. Criou o Sol, a Lua e as estrelas, no quarto dia. Fez os animais do mar e as aves no quinto dia. No sexto, os animais terrestres e o ser humano. No sétimo dia, Ele descansou. ;E criou Deus o homem à sua imagem e lhes disse: frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra;, diz o texto.



Mudanças

Como é

; A Lei Federal n; 9.394/1996 estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O artigo n; 33 determina que a oferta do ensino religioso pelas escolas é facultativa, assim como a matrícula do aluno. Quando oferecido ou solicitado pelo estudante, o conteúdo deve ser ministrado em forma de disciplina, em horários normais do ensino fundamental. É vedada qualquer iniciativa no sentido de doutrinar o aluno.

Como pode ficar
; O PL n; 8.099/14 inclui o criacionismo na grade curricular das redes pública e privada de ensino no Brasil. O parágrafo 1; diz que "os conteúdos devem incluir noções de que a vida tem sua origem em Deus, como criador supremo de todo o universo e de todas as coisas que o compõe". O parágrafo seguinte diz que "didaticamente o ensino sobre criacionismo deverá levar ao estudante, analogamente ao evolucionismo, alternância de conhecimento a fim de que o estudante avalie cognitivamente ambas as disciplinas". Já o Projeto de Lei n; 309, de 2011, altera o artigo 33 da LDB e torna obrigatório o ensino religioso nas redes públicas do país.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação