Bastou uma caneta hidrocor na mão e um ideal na cabeça para que Isabella Haru decidisse espalhar dizeres feministas pela capital. O Canetão nosso de cada dia é um movimento de intervenção urbana criado para elucidar cada vez mais as mulheres sobre os seus direitos e a importância da união delas. Em ação desde junho de 2014, a iniciativa da jovem de 22 anos ganhou mais de 33 mil seguidores em uma rede social e diversas contribuições ao redor do país de mensagens em locais públicos.
Profundamente engajada na questão desde 2012, a estudante acredita que todas as mulheres nascem feministas, mas muitas não conhecem direitos como a Lei Maria da Penha nem os dados de violência contra elas no Brasil. ;A nossa autoestima é sempre minada pela sociedade patriarcal que tenta nos enquadrar em padrões de beleza artificiais;, discursa Isabella. Com o Canetão, o objetivo principal de Haru é ;empoderar; as mulheres e, assim, escreve em paradas de ônibus e em paredes brancas pela cidade frases como ;As mulheres são como água, crescem quando se encontram; e ;Uma mulher empoderada é menos uma mulher violada. Por nós, pelas outras, por mim;. Segundo ela, é importante que elas comecem a se unir para terem mais força na hora de reagir ou denunciar uma violência.
Isabella conta que apenas uma vez foi abordada por duas pessoas insatisfeitas com a intervenção. Elas usaram o argumento do dinheiro público destinado à limpeza da ;sujeira; feita pela jovem. Para ela, porém, ;pichação é política da rua, é a forma que a rua tem para se expressar. As minorias têm de ocupar as ruas, os ônibus, as praças. Os nossos gritos e as nossas reclamações devem estar naqueles muros para lembrar a sociedade que nós existimos e não nos calaremos;, avalia.
A escolha do local para a ;canetada; é simples. A estudante lembra que, quando começou o Canetão, no ano passado, procurou lugares onde tivesse amplo alcance e vários perfis de mulheres. O trabalho busca atingir todas as idades, cores, orientações sexuais e classes sociais. Além de Brasília, Isabella escreveu em paradas e ônibus de São Paulo e de outras unidades da Federação.
Muitas vezes confundida com vandalismo, a escrita em um local público pode causar revolta ou despertar curiosidade. Para o professor de publicidade e especialista em intervenções artísticas André Ramos, os textos do movimento carregam uma forte tendência política e procuram dar visibilidade a questões de gênero e de mulheres que, no dia a dia, são esquecidas pelo Estado. Segundo ele, no caso do Canetão, os textos ;estabelecem diálogos com os passantes e, consequentemente, particularizam aquele espaço. São, portanto, intervenções urbanas;.
Em nome da reflexão
Outras intervenções urbanas se destacam em Brasília. O Canetão Poético tem como idealizador João Pacífico, estudante de 25 anos que começou o movimento no ano passado a convite de uma amiga. ;No começo, eu sentia medo, sim; não sabia se era ilícito ou não. Mas, hoje em dia, relaxei;, explica. Os poemas são dele. ;Eu acho divertido e gosto de pensar que posso causar um estranhamento nas pessoas. Pode quebrar a rotina de alguém que passa frequentemente por um espaço e provocar uma reflexão;, conta.
Para o professor André Ramos, os canetões feministas ou poéticos ocupam o espaço público, assim como as manifestações do grafite, do stencil, da pichação, da faixa de pano e do lambe-lambe. ;A cidade é um organismo vivo para além do que estabelecem leis ou códigos sociais;, detalha.
Intervenção digital contra assédio
Em 2014, estudantes da Universidade de Brasília (UnB) criaram uma página em uma rede social chamada Fiu Fiu ; UnB, que recebe e publica relatos de mulheres que sofreram abusos. Além de servir como um espaço terapêutico, a Fiu Fiu debate temas sobre estupro e divulga iniciativas de combate à violência contra a mulher. As estudantes de ciências políticas que criaram a página receberam cerca de 200 relatos no ano passado. Segundo Beatriz Sabô, uma das organizadoras, a ideia do movimento é ;problematizar e debater todo tipo de agressão, denunciando as diversas formas de machismo encrostadas em nossa sociedade;. Para participar, basta acessar a página do movimento no Facebook (facebook.com/fiufiu.unb) e enviar o relato ou debater as questões abordadas.