Ensino_EducacaoBasica

Drama salarial crescente com Saúde e Educação

O transbordo parcela do governo local que completa os pagamentos do Fundo Constitucional cresce a cada ano, o que complica a reengenharia financeira local. Quem é pago com o dinheiro da União geralmente não tem ideia de onde vem o salário

postado em 09/02/2015 12:52

Obras na Cidade Digital: peso da folha salarial dificulta investimentos e restringe saídas para aumentar arrecadação no DFCriado pela União com o objetivo de pagar os salários dos funcionários públicos da saúde, educação e segurança de Brasília, o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) nunca foi suficiente para quitar os vencimentos das categorias. Com o aumento populacional e o consequente acréscimo no quadro de servidores para dar conta da demanda, a previsão é de que o desembolso do GDF para complementar essas folhas salariais seja cada vez maior. Chamada de transbordo, a parcela de responsabilidade do governo local cresce a cada ano. A estimativa é de que, com os reajustes previstos, o valor passe dos R$ 8 bilhões em 2015 ; 139% maior que no ano passado. Segundo o próprio governo e especialistas em contas públicas, o gasto crescente pode estrangular o já endividado caixa do DF e ameaça investimentos.

As forças de segurança, contudo, não precisam ter tanta preocupação. Isso porque os repasses às polícias Civil e Militar e ao Corpo de Bombeiros são feitos diretamente pelo Tesouro Nacional ; o que consome praticamente metade do fundo. O restante do FCDF é dado ao GDF para pagar funcionários de saúde e educação, e ambas as folhas são cada vez mais onerosas para o Palácio do Buriti: em 2003, quando o fundo foi instituído (leia Memória), o DF gastou para esse fim R$ 750 milhões e a União, R$ 1,65 bilhão. Em 2014, o FCDF entrou com R$ 5,9 bilhões e o Executivo local teve de arcar com R$ 5 bilhões ; 666% a mais que 12 anos atrás (leia Desembolso crescente).

A professora Regiane sabe de onde vem o salário, mas pede transparênciaAs previsões não são nada animadoras. Com os aumentos que passarão a valer até o fim de 2015, o complemento de responsabilidade do GDF crescerá em 139%. O secretário adjunto de Fazenda, Pedro Menegueti, afirma que é inevitável os investimentos sofrerem baixa devido aos gastos com salários.

;Estamos fazendo ajustes na economia. Só depois de sabermos o impacto das medidas teremos isso com mais clareza. Mas é um cálculo óbvio: quanto mais tivermos de gastar com funcionários, menos recursos vão sobrar. Quanto mais se aumenta o transbordo, menos fôlego temos para investir;, prevê. De acordo com Meneguetti, o cálculo impõe dificuldades para o governo, pois o ideal seria ter uma proporcionalidade entre o aumento de salários e as verbas disponíveis.

O professor de contas públicas da Universidade de Brasília (UnB) José Mathias Pereira acredita que, com os investimentos ameaçados, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) talvez não consiga cumprir muitas das promessas de campanha.

Ele classifica o cenário como ;preocupante; e diz não ter como voltar atrás. ;Depois das concessões feitas às categorias, isso se torna um direito garantido, não tem como negociar para reaver a situação;, ressalta. O professor lembra do contexto econômico nada favorável, que trará ainda mais dificuldades ao socialista nos próximos anos. ;A União pode reduzir os investimentos nos estados. O quadro atual, com crescimento baixo, leva a crer que a arrecadação distrital se manterá estagnada;, opina. Dentro do próprio governo, porém, há estudos para tentar derrubar os ganhos salariais prometidos na gestão Agnelo Queiroz, inclusive do ponto de vista jurídico.

Desenvolvimento
Uma saída é aumentar a arrecadação ; não necessariamente subindo impostos. Nesse caso, o desafio de Rollemberg será criar condições que seduzam o empresário a se instalar no DF, com infraestrutura e logística que facilitem não só a produção, mas também o escoamento dos produtos. ;Brasília está em uma posição geograficamente estratégica. Temos um eixo de desenvolvimento entre Brasília, Goiânia e Anápolis. É um espaço que, se derem importância, se tiver aporte dos governo locais e da União, pode mudar esse cenário negativo;, afirma o professor José Mathias Pereira.

O secretário de Gestão Administrativa e Desburocratização, Antônio Paulo Vogel, acredita que a redução de investimentos é inevitável, mas informa que o GDF tem buscado financiamentos e recursos do governo federal para compensar. ;A conta é básica. Pense como se fosse sua casa: se você recebe R$ 1 mil e uma das despesas sobe, os outros gastos têm de diminuir automaticamente;, diz. Ele lembra das medidas de austeridade anunciadas, que economizarão recursos para sobrar mais verba em caixa.

Secretário de Fazenda e de Planejamento entre 1991 e 1994, Everardo Maciel demonstra preocupação com o transbordo. Ele conta que, quando soube o tamanho da parcela sob responsabilidade do GDF, ficou assustado. ;É impressionante como esse aumento (do transbordo) não cessa. E Brasília não tem uma indústria forte, uma boa base de arrecadação para compensar essa verba que não pode ser investida;, aponta.


Memória

Verba estendida

A Constituição Federal de 1988 determinou à União a ajuda financeira para o Distrito Federal. O texto previa, contudo, apenas o repasse de verbas para a área de Segurança Pública: ;Compete ao governo federal organizar e manter a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, bem como prestar assistência financeira para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;. O fundo só foi criado no final de 2002, com o incremento da ajuda também para as áreas de saúde e de educação.

Tema desconhecido


Muitos servidores que veem o salário cair na conta todo mês não sabem a origem do dinheiro. A professora da rede pública de ensino Regiane Cançado, 34 anos, reclama da falta de comunicação do Estado com o servidor. Ela nunca foi informada de onde sai o vencimento. ;Eu sei de onde vem porque sou um pouco mais envolvida e tenho muitos anos de funcionalismo público. Mas a maioria das minhas colegas não faz ideia do Fundo Constitucional;, conta.

Outro exemplo da falta de transparência, segundo Regiane, foi a ausência de um aviso oficial de que o salário em janeiro sairia atrasado. ;Por que não enviam um comunicado aos professores avisando disso, dando explicações suficientes da razão para isso acontecer? Apenas vão à imprensa e dizem que não têm dinheiro, mas não detalham, por exemplo, quanto está faltando;, critica.

Outro docente, Lucas de Sousa, 50 anos, dá aula em escola pública há 18 anos. Já foi diretor de colégio e coordenador de regional de ensino. Ele estima que pelo menos 90% dos colegas não sabem a origem do salário. ;Só quem está mais atento sabe dos detalhes. E mesmo a gente que acompanha mais de perto sabe de muito pouca coisa. Geralmente, somos pegos de surpresa. Não nos é avisada com antecedência a possibilidade de atrasos;.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação