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Diversidade na hora de avaliar

Especialistas defendem a adoção de instrumentos complementares à prova no momento de determinar o desempenho dos estudantes

postado em 12/02/2015 10:41
A professora Kaelly Ornelas com os alunos Lucca, 9, e Ana Sofia, 10: avaliações individuais são substituídas por trabalhos em grupoPara evitar a ansiedade de aguardar o dia da prova e os momentos de tensão a cada exercício que precisa ser resolvido, muitas escolas adotam instrumentos de avaliação alternativos, como trabalhos em grupo e montagem de portfólio. Especialistas destacam que essa é a melhor forma de garantir o aprendizado e esses instrumentos devem ser aliados ao modelo tradicional, que prepara o estudante para os processos seletivos a serem enfrentados na vida adulta.

;As provas e os exames são procedimentos atrelados a uma perspectiva mais tradicional, conservadora e autoritária. É preciso achar formas (de avaliação) que superem essa visão, que é mais passadista;, defende o professor Odilon Carlos Nunes, do Departamento de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Segundo ele, essa maneira de medir os conhecimentos adquiridos pelo aluno favorece a memorização e é mais burocrática. Por isso, deve ser usada em conjunto com uma avaliação processual, que privilegie o desenvolvimento do aluno ao longo do tempo.

Entre os benefícios dessa combinação, ele lista a autonomia, a habilidade de enfrentar problemas e o fomento de uma posição menos individualista. Também é um modelo mais justo, segundo ele, que categoriza menos o aluno, além de estimulá-lo. ;Provas e exames, quando existirem, devem ser encarados como medidas numéricas, e não mais do que isso;, destaca.

Álvaro Domingues, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinepe/DF), lembra que é importante levar em consideração também a função de cada avaliação. Se o intuito é que o estudante adquira habilidades e competências dentro de um contexto que não é eliminatório, é opcional que se dê uma nota para o desempenho dele. Se o objetivo é prepará-lo para um concurso ou para o vestibular, torna-se necessária uma avaliação quantitativa. ;Sempre vai existir a competição, pois é preciso selecionar as pessoas;, avalia.

Ensino diferente
No Colégio Arvense, que recebe alunos até o 5; ano do ensino fundamental, as avaliações são variadas, incluem trabalhos em grupo e a montagem de portfólios, prova oral e o registro individual do aluno, que reúne comentários do professor sobre cada um dos estudantes. ;Cada indivíduo tem uma forma única de aprendizagem, e o professor não pode delimitar o que o aluno vai aprender;, explica a diretora Educacional do colégio, Margareth Nogueira.

As provas não são tratadas da maneira tradicional, ganham até outro nome: momento privilegiado de estudo (MPE). Os alunos resolvem os exercícios em grupo e podem consultar o material. Todas tratam um tema único para, a partir dele, abordar os conteúdos ensinados em sala de aula. A professora do 5; ano Kaelly Ornelas afirma que o método é diferente dos demais, mas muito eficiente. ;Desperta na criança a habilidade crítica e ela se torna mais autônoma;, observa.

[SAIBAMAIS]Os alunos Ana Sofia Brandão Souza, 10 anos, e Lucca Schoen, 9, relatam que não sentem muita ansiedade na hora de fazer a avaliação. ;Se for uma matéria que eu não entendo bem, eu fico só um pouquinho nervoso;, revela Lucca. Ana Sofia lembra que as autoavaliações, feitas a cada três meses, também contribuem para o desenvolvimento escolar. ;A gente pensa no que já fez de bom e no que pode melhorar. Ajuda bastante no próximo ano;, diz.

A mãe de Lucca, a servidora pública Tábatha Schoen, 37 anos, gosta do método de ensino que foge do tradicional, pois acredita que o filho é muito novo para enfrentar esse tipo de pressão. ;Acho que o mais importante para ele agora é a formação como cidadão. Se você está preparado para a vida, o resto ; Enem, Sisu, vestibular ; vai tirar de letra;, afirma. ;E isso não quer dizer que tenha menos conteúdo, às vezes, numa simples brincadeira, ele está aprendendo valores muito mais importantes;, completa.

Qualidade
A legislação brasileira já determina que a avaliação qualitativa se sobreponha à quantitativa, como uma forma de evitar o rigor aritmético na hora de avaliar o estudante (leia O que diz a lei). ;Mas essa avaliação processual, mais individualizada, que respeita a capacidade do aluno, requer um trabalho muito mais especializado e capacitação dos professores;, destaca o presidente do Sinepe/DF, Álvaro Domingues. Ele diz que o processo de formação de professores no Brasil deixa a desejar em muitos aspectos e um deles é a forma de avaliação.

A pesquisadora Cacia Rehem, professora do Departamento de Ciências Humanas e Letras da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), explica que, além dessa lacuna na formação dos professores, eles acabam por reproduzir em sala de aula a forma como foram avaliados durante a própria vida escolar e acadêmica, que é a prova.

Cacia desenvolveu um modelo de avaliação processual e o implantou nas séries iniciais do ensino fundamental de uma escola particular da Bahia, em 2011. Os resultados já podem ser percebidos. ;A autoestima das mães e dos alunos aumenta. Elas vão buscar o relatório (do professor) para saber o que está sendo discutido, e a criança não é mais tratada como incapaz, mas sempre como um aluno que está crescendo.;

No Instituto Natural de Desenvolvimento Infantil (Indi), as formas de mensurar o aprendizado do aluno incluem seminário, assembleia, discussão em grupo, provas surpresa e oral, avaliação do professor e autoavaliação. A diretora geral e Pedagógica, Júlia Passarinho, explica que são usados pelo menos cinco instrumentos avaliativos até o 5; ano do ensino fundamental e três a partir do 6; ano. Além disso, nos anos iniciais dessa etapa do ensino, não são aplicadas provas, apenas exercícios.

Segundo a diretora, a metodologia de avaliação adotada preza também pelos conteúdos de formação do sujeito, como ética e respeito, o que contribui, na opinião dela, para que o aluno saiba buscar soluções e se torne mais perspicaz, características que ajudam em avaliações futuras. ;O aluno se sai muito melhor numa redação, porque tem mais capacidade argumentativa;, detalha.

A Escola Politeia, de São Paulo, adota um modelo mais radical e não aplica provas aos alunos. Lá, pratica-se a educação democrática, com foco na autonomia e na emancipação dos estudantes. Do 1; ao 9; ano do ensino fundamental, os alunos desenvolvem pesquisas com grupos de estudo que se reúnem, durante dois meses, baseados em um tema de interesse ; não se segue um formato de aula. De acordo com o educador Osvaldo Souza, a intenção é que cada um aprenda no próprio tempo. ;Não faria sentido trabalhar com o conceito de prova, pois ela equaliza os estudantes;, afirma.

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