Marcado para hoje, com duas semanas de atraso em relação ao primeiro calendário letivo anunciado, o início das aulas na rede pública de ensino segue incerto. O impasse entre o Governo do Distrito Federal e os professores deve tumultuar as atividades escolares dos 470 mil estudantes. A começar por esta segunda-feira, quando os alunos podem até comparecer ao colégio, mas não terão professor em sala. O Sinpro-DF, sindicato dos docentes, convocou uma assembleia para as 10h, a fim de decidir se aceita a proposta do GDF de parcelamento dos benefícios atrasados ou se declara greve. A tendência, até a noite de ontem, era de paralisação, como forma de pressionar o Palácio do Buriti a atender a categoria. Ou, pelo menos, deliberar um indicativo de greve e marcar um segundo encontro.
A dívida do Estado com os professores é de R$ 120 milhões, entre 13; salário para os nascidos em dezembro (uma parcela do benefício é paga no mês do aniversário do servidor) e rescisão contratual de 6 mil temporários. O imbróglio começou no fim do ano passado (veja Linha do tempo). O ex-governador Agnelo Queiroz (PT) não pagou os benefícios e deixou o débito para o sucessor, Rodrigo Rollemberg (PSB). O Sinpro-DF exige o quitamento à vista da dívida. O socialista, no entanto, assumiu o Executivo local garantindo ter um deficit de R$ 3,5 bilhões no caixa. Por isso, alega, não tem dinheiro para saldar os atrasos de uma só vez.
O sindicato se mostra insatisfeito com a solução encontrada pelo GDF e acompanha de perto as finanças do Palácio do Buriti. ;Tem recursos entrando, recolhimento de impostos funcionando normalmente. Queremos uma data certa para a quitação da dívida, não o parcelamento;, afirma Washington Dourado, um dos diretores do Sinpro-DF. Segundo ele, o sindicato está aberto ao diálogo, mas, diante de respostas que não agradem à categoria, o caminho mais provável será o da paralisação. ;Não tendo solução, vamos definir a linha de enfrentamento. Tudo pode acontecer, inclusive a greve.;
Nos bastidores, outros integrantes do sindicato admitem que o mais provável é pressionar o GDF por meio de uma greve total, caso o governo continue insistindo no parcelamento. A proposta, contudo, não é declarar uma paralisação por tempo indeterminado. Mas, sim, atrasar um pouco mais o início do ano letivo para continuar a negociação. Rosilene Corrêa, outra diretora da entidade, diz que a reunião da categoria hoje de manhã será fundamental para os rumos da educação no DF: ;Nossa instância máxima é a assembleia. E ela é democrática. Acataremos o que a maioria decidir. Não temos como adivinhar qual será o resultado;, ressalta.
Antecipação de receita
O secretário de Educação, Julio Gregório, afirma ser impossível alterar o cronograma de pagamento dos atrasados. ;Esse calendário foi feito observando o fluxo de caixa do GDF, caso consigamos antecipar um volume de recurso que não estamos esperando. Faremos o adiantamento, mas não temos como garantir;, explica. Sobre a assembleia de hoje, ele afirma confiar no ;bom senso; dos docentes. ;Com certeza, eles estão acompanhando a grave situação financeira que vivemos e entenderão nossos motivos para os atrasos.;
Gregório lembra da tentativa de Antecipação de Receita Orçamentária (ARO) de R$ 400 milhões como saída para resolver o problema. A ideia foi sugerida pelo Sinpro-DF. O GDF cedeu ao pedido para tentar acalmar os docentes. O projeto da ARO passou pela Câmara Legislativa semana passada, mas precisa do aval da Secretaria do Tesouro Nacional e de intermédio do Banco Central. Uma definição, porém, só deve ocorrer em abril, mais de um mês após o começo das atividades escolares.
O negócio é oneroso para o GDF, pois é um empréstimo. Caso se concretize, o Executivo local terá R$ 400 milhões de imediato no caixa. Os juros nesse tipo de negociação, no entanto, não passam de 15%. Assim, o Palácio do Buriti conseguiria a verba, mas teria de pagar ao credor, até o fim do ano, R$ 460 milhões ; deixando R$ 60 milhões pelo caminho. ;Só teremos como pagar à vista se a ARO se viabilizar;, reforça Gregório.
Apreensão dos pais
Enquanto governo e professores não se entendem, quem sofre são os alunos e as suas famílias. A corretora de seguros Luiza Cardoso, 43 anos, mãe de Gustavo, aluno do 5; ano da Escola Classe 403 Norte, critica o fato de até agora não saber como será a rotina da família nesta semana. ;Causa uma insegurança. É muito desagradável não poder se planejar;, reclama.
Ela conta que tem um local fixo de trabalho, mas também pode despachar da residência em que mora. Por isso, quando há paralisação, consegue ficar em casa com o filho. ;Agradeço por ter essa vantagem. Mas conheço muitas mães que, em tempo de greve, não têm onde deixar a criança. Imagina o desespero? Tudo isso por falta de responsabilidade do Estado. Entendo a posição dos professores, que estão com pagamentos atrasados do governo anterior. Mas quem sofre é a população;, ressalta.
Desde o início do ano, ela vem tendo dores de cabeça por conta do calendário escolar. Todos os anos, a família viaja em junho. Desta vez, devido às alterações anunciadas em janeiro, teve de mudar os planos. ;Sempre me ausento do trabalho no mesmo período, mas esse ano tive de mudar;, lamenta a mãe.
Linha do tempo
2014
22 de dezembro
Pelo menos 300 professores e funcionários de empresas terceirizadas do DF fecham as seis faixas do Eixo Monumental. Os professores alegam erro no depósito do 13; salário para quem fez aniversário até setembro e pedem a correção e o pagamento integral.
26 de dezembro
Com pagamentos atrasados, os professores da rede pública passam a tarde reunidos com o então secretário de Administração Pública, Wilmar Lacerda, para cobrar os benefícios atrasados.
2015
7 de janeiro
Em mais uma manifestação em frente ao Palácio do Buriti, professores ouvem de representantes do governo que não há dinheiro em caixa para arcar com os atrasados.
8 de janeiro
Em meio à crise financeira, o GDF adia o início do ano letivo para 23 de fevereiro ; as aulas seriam retomadas em 9 de fevereiro. O calendário é alterado em razão das condições das escolas da rede pública. Apesar do adiamento, o secretário de Educação admite que 148 unidades de ensino, do total de 657, não passaram por reformas.
19 de janeiro
Em reunião no Palácio do Buriti, professores e representantes do GDF não entram em acordo. Os profissionais da Educação rejeitam o parcelamento dos benefícios atrasados, entre eles 13; salário e abono de férias.
20 de janeiro
Em mais uma reunião entre governo e professores, o chefe da Casa Civil, Hélio Doyle, anuncia o envio do projeto para Antecipação de Receita Orçamentária (ARO) à Câmara Legislativa, para tentar quitar os débitos.