A proposta que mais despertou polêmica no primeiro semestre legislativo não tem relação com aumento de impostos ou de receitas do Executivo. O projeto de lei n; 1/2015, de autoria da deputada distrital Sandra Faraj (SD), cria o programa Escola sem Partido no Distrito Federal e proíbe a doutrinação política ou religiosa nas salas de aula. Os professores contrários à proposta alegam que a iniciativa representa censura aos colégios. A autora do PL afirma que os argumentos críticos deturpam a ideia original. ;Algumas pessoas utilizaran subterfúgios para não aparecer a verdade. O (programa) Escola sem Partido vem brigando pela democracia e pela liberdade de aprender;, alega Sandra Faraj (leia entrevista na Eixo Capital).
O PL n; 1/2015 está na Comissão de Educação da Câmara Legislativa, mas a tendência é que o tema seja debatido e aprovado em plenário antes do fim do semestre legislativo. O relator do projeto no colegiado, deputado Reginaldo Veras (PDT), fez parecer contrário. ;Essa proposta é insana, mas, infelizmente, diante do perfil conservador da atual legislatura, a expectativa é que ela seja aprovada. O projeto é inconstitucional porque fere a liberdade de expressão e de cátedra, e proíbe o professor de opinar;, alega Veras. ;Todos nós queremos uma escola apartidária, mas não é isso que a proposta traz;, acrescenta. O deputado Rafael Prudente (PMDB), também da comissão, apresentou um voto em separado pela aprovação do projeto.
Miguel Nagib, advogado e coordenador do Movimento Escola sem Partido, defende a proposta. ;Temos reunido materiais, provas e evidências de que o uso da escola para fins políticos e ideológicos é uma realidade na rede pública e na rede privada;, afirma. Segundo ele, o projeto não cria nenhuma obrigação para o professor. ;Independentemente da aprovação do projeto, nenhum professor pode abusar da inexperiência dos alunos para obter a adesão deles a determinada corrente político-partidária;, exemplifica. Ainda de acordo com Nagib, o PL se limita a obrigar as escolas a informar e a educar os estudantes sobre a existência desses deveres dos docentes.
O Sindicato dos Professores intensificou a ofensiva contra a proposta. Ontem, representantes da entidade passaram por vários gabinetes pedindo que deputados votem contra o PL n; 1/2015. Hoje, o sindicato fará pressão junto aos parlamentares durante a sessão itinerante da Câmara, em Brazlândia, e amanhã os professores vão trabalhar de branco, em protesto. Também haverá mobilização nas redes sociais. A diretora do sindicato Rosilene Corrêa diz que o projeto ;rotula a categoria;. ;Nosso parâmetro é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que dita tudo o que devemos trabalhar em termos de conteúdo;, explica.
;Esse projeto rotula os professores como militantes de esquerda em sala de aula, o que é absurdo. Há profissionais que militam, outros sem partido, há professores de direita e de esquerda. Isso não pode ser interpretado como um risco de influência em sala;, acrescenta Rosilene Corrêa. ;Defendemos uma escola plural, que incentive alunos a discutir os fatos da história e da atualidade, e, para isso, o debate não pode ser cerceado;, finaliza Rosilene.
Especialista em políticas educacionais e professor da Universidade de Brasília (UnB), Carlos Augusto de Medeiros classifica a proposta como ;absurda;. Para ele, se aprovado, o projeto comprometerá a diversidade dos debates nas escolas. ;O projeto supõe que não há profissionalismo, que falta ética aos professores. Sinto-me ofendido porque minha profissão caminha exatamente no sentido contrário: sou educador porque sou formador de cidadãos críticos, reflexivos e autônomos;, comenta o especialista. ;Não cumpro meu papel se meu estudante não for capaz de, com recursos próprios, tomar suas próprias decisões sem interferências de quem quer que seja;, acrescentou.
Já o sociólogo Bráulio Porto de Matos, professor da Faculdade de Educação da UnB, defende a proposta e nega que a ideia represente censura. ;O projeto, de maneira alguma, está dizendo que o professor vai ser censurado. O que a proposta traz é que o professor não tem o direito de liberdade de expressão dentro da sala de aula. Isso pode ser chocante à primeira vista, mas está na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação;, justifica o sociólogo. ;Eu li os documentos, tanto os do Sindicato dos Professores quanto os da deputada Sandra Faraj. O sindicato está totalmente errado.;
O programa
O que prevê o Projeto de lei n; 1/2015:
; Assegura, no sistema de ensino do DF, os princípios do programa Escola sem Partido.
; A iniciativa prevê neutralidade política, pluralismo de ideias, liberdade de aprendizado, liberdade de crença, reconhecimento da vulnerabilidade do aluno como parte mais fraca, e assegura o direito dos pais a que seus filhos não recebam educação moral que conflite com suas convicções.
; A proposta veda a doutrinação política e ideológica em sala de aula.
; O projeto prevê que a escola não abusará da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos com o objetivo de cooptá-los para alguma corrente político-partidária; não favorecerá ou prejudicará estudantes por conta de suas convicções; não fará propaganda política em sala de aula nem incitará estudantes a participarem de atos públicos.
; O PL n; 1/2015 determina que os professores não poderão introduzir, em disciplinas obrigatórias, conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais ou religiosas dos estudantes.
; A iniciativa obriga escolas a afixar nas escolas cartazes com o conteúdo da lei.
Doutrinação em debate
Um desses especialistas é Bráulio Porto de Matos. Na visão dele, ao incluir a militância política como parte do processo de alfabetização, o método Paulo Freire prejudica a função mais técnica desse processo. ;A ideia que Paulo Freire sustenta é de que a alfabetização vai ser tanto mais rápida e profunda quanto mais conscientização política venha com a mecânica de ensinar a ler e a escrever;, diz o professor. ;Esse engajamento do alfabetizador no embate político favorece muito que o professor adepto dessa abordagem passe a conferir muito mais tempo ao processo da chamada conscientização política do que ao processo da alfabetização stricto sensu;, complementa.
Sônia Couto, educadora e coordenadora do Centro de Referência Paulo Freire, defende o pensador. Ela destaca que a obra dele teve como base textos de pensadores como Hegel, Gramsci e Marx. No entanto, apesar de adotar preceitos do pensamento marxista, Freire também era cristão e seguia fundamentos religiosos. ;Ele não era um radical. O que ele trazia era o pensamento marxista original, de entender que todas as pessoas têm direito de acesso aos bens com igualdade;, explica Sônia. ;Não dá para rotulá-lo como marxista, tampouco como socialista. Ele era uma pessoa que transitava bem por todo e qualquer pensamento, que colocava o ser humano na posição de um ser de direitos. Se tivesse que rotulá-lo, eu diria que ele era um humanista;, resume.
Ela lembra ainda que o método Paulo Freire constitui uma concepção de educação e não uma metodologia, uma vez que a parte mais importante desse método é priorizar a conscientização do alfabetizando. ;Ele não era uma pessoa engajada num movimento de revolução. Ele queria uma revolução das mentes. Paulo Freire nunca ofereceu um perigo à sociedade brasileira;, reforça.
Na prática
;O método Paulo Freire é completamente adequado para EJA (educação de jovens e adultos) e para o ensino noturno. Ele permite a reflexão sobre o conteúdo. É levado em conta o seu mundo, o seu universo, a sua realidade;, destaca o professor Flávio Castro, 55 anos. Ele dá aulas para jovens e adultos no Centro Educacional do Lago e é colega de Cláudia Bullos, 48. Apesar de terem posições políticas distintas, ambos conseguem usar as orientações trazidas na obra de Paulo Freire. ;Quando se alfabetiza o aluno desconectado da realidade, ele vai aprender, mas não vai refletir criticamente e, para mim, ele não estará alfabetizado;, afirma Cláudia. ;Alfabetização não é apenas saber ler e escrever. Tem que ler e entender o que ele está lendo. Há uma diferença bem grande;, completa.
A coordenadora de Educação da Unesco no Brasil, Rebeca Otero, afirma que a visão de Paulo Freire vai ao encontro dos preceitos defendidos pela instituição, com uma pedagogia intimamente ligada à questão dos direitos humanos. Na avaliação dela, o principal problema é a dificuldade que os professores no Brasil têm de levar esse conhecimento para a sala de aula e conseguir relacionar o ensino à realidade dos alunos. ;Muitas vezes, o excesso de carga horária ou mesmo a estrutura das escolas ou algum projeto pedagógico mais amarrado podem atrapalhar que isso seja colocado em prática;, avalia.