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Alunos fazem mediação de conflitos em escola da capital paulista

postado em 02/12/2015 11:37

Mesmo tendo adotado, há 12 anos, um modelo pedagógico inovador, a Escola Municipal Presidente Campos Salles ainda tem de lidar com episódios de violência. Com cerca de mil alunos, o colégio fica em Heliópolis, comunidade da zona sul de São Paulo. Em um desses incidentes, o aluno do 4; ano Felipe Rodrigues presenciou um colega cuspir em uma professora.

Como parte de sua responsabilidade, coube ao jovem, de 11 anos, conversar com o agressor. ;Olha, pede desculpa à professora. Você tinha que pensar antes de fazer isso;, contou sobre o tom usado com o estudante indisciplinado.

Felipe faz parte da comissão mediadora de sua sala, um grupo de 10 a 15 alunos, eleito pela própria turma para cuidar dos problemas enfrentados ao longo do ano letivo. ;Há estudantes que têm dificuldade em matemática. Outros, na educação física. E há estudantes que têm dificuldade nas atitudes;, ressalta a coordenadora pedagógica da escola, Amélia Arrobal Fernandez.

As comissões fazem parte do projeto pedagógico adotado pela escola de ensino fundamental, que tem como base a integração com a comunidade e a gestão participativa. O modelo é inspirado na portuguesa Escola da Ponte. ;Os problemas da escola são os da comunidade. Os problemas da comunidade também são da escola;, diz Amélia. Em agosto deste ano, o projeto pedagógico foi aprovado oficialmente pelo Conselho Municipal de Educação de São Paulo. Com a deliberação, foi recomendada a divulgação da proposta para outras escolas da rede de ensino da capital.

Após a abordagem, o colega indisciplinado se sentiu mais à vontade para contar a Felipe um pouco de seus problemas pessoais. ;Ele até desabafou. Nós conversamos e falamos que o que ele precisasse, nós ajudaríamos. O jeito de ele se expressar é bater nas pessoas. O que ele sofre, desconta aqui;, diz em referência a outro jovem que relatou sofrer agressões do tio alcoólatra.

Esse tipo de trabalho, que parte dos estudantes, tende, segundo a coordenadora, a ter resultados mais efetivos do que atitudes tomadas diretamente pelos adultos. ;Por mais que professores, família e gestores interfiram, eles falam a mesma língua. As coisas têm o mesmo sentido e significado para eles. É diferente ouvir do próprio segmento;, acrescenta Amélia.

O projeto da Campos Salles aboliu a divisão do conteúdo por matérias e do tempo por aulas. Os alunos de diferentes idades estudam em grandes salões a partir de roteiros de estudos discutidos em assembleias. ;Aqui é uma escola que não tem aula. Não acreditamos em aula expositiva, onde o professor escolhe um conteúdo e algo a explicar que não partiu necessariamente do desejo ou da dúvida real do estudante", explica Amélia. O aprendizado vem por meio das leituras, pesquisas e discussões mediadas pelos professores.

A resolução de conflitos garante, de acordo com a coordenadora, as condições para que a proposta funcione. ;Se não houver uma convivência democrática e respeitosa, não existirá ambiente de estudo e aprendizagem. Porque a convivência é a base de tudo;.

Apesar de aumentar a responsabilidade dos jovens, que devem tomar decisões sobre os caminhos a seguir, a proposta também aumenta a sensação de liberdade. ;Minha irmã estudava em escola estadual. Ela me contava que lá era cheio de grades. Eu ia morrer sufocada. Aqui não tem grades;, comenta Ana Suellen Sousa da Silva, de 14 anos, que fez na escola todo o ensino fundamental.

Ao atuar ativamente na resolução de conflitos, a professora Valéria Vieira acredita que os alunos também começam a se preparar para os desafios da vida adulta. ;Principalmente quando ele entrar para o mercado de trabalho, quando terá que resolver problemas, se relacionar com outras pessoas;.

Novas atitudes

As mudanças de atitude, no entanto, já podem ser sentidas no cotidiano e nas relações pessoais dos estudantes. ;Às vezes, minha mãe chega estressada do trabalho e joga a culpa toda em cima de mim e do meu irmão. Eu chego e digo: ;Mãe, não é assim que você tem que fazer. Se você está estressada, deve conversar com quem te deixou raivosa. Você não tem que descontar em nós; ;, conta Felipe sobre como tenta resolver os conflitos dentro da própria casa.

;Eu acho que me ajudou. Porque antes eu era muito perdida em horário, hoje sou mais esperta;, afirma Ana Gabriela Cruz, de 14 anos, sobre os novos hábitos motivados pelo método pedagógico.

Além do crescimento pessoal, Gabriela gosta da troca de experiências proporcionada pelo projeto. ;Eu posso virar a professora da Ana Suellen, de matemática, ou ela pode virar a minha professora de português. Isso é legal pra caramba, a gente pode trocar uma ideia. Não aquele negócio de que não pode conversar, nem olhar para o colega. Aqui é totalmente ao contrário;, ressalta.

A participação ativa dos estudantes e a reavaliação do papel dos educadores foi, segundo Amélia, fundamental para dar coerência ao método. ;A cada 45 minutos entrava um novo professor na sala de aula. Cada professor que entrava tinha uma escola na sua cabeça, uma concepção e critérios de avaliação. Quando começava a se interessar por algo, chegava um novo professor, apagava a lousa;.

A carga de atribuições e responsabilidades não impede, entretanto, que mesmo os bons alunos se deem ao luxo de cometer algumas travessuras. ;Admito que também já fiz isso. É legal, você desce escorregando [no corrimão da escada];, diz Lauren Stephani Sales (10 anos). O deslize, porém, durou pouco. A jovem conta que logo foi lembrada que deveria dar exemplo aos demais. ;Um dia a professora viu e falou assim: você é da comissão;.

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