Mariana Santos, 16 anos, mora em Valparaíso (GO). Ela cursa o terceiro ano no Colégio Fernando Pessoa da Polícia Militar de Goiás e pretende fazer direito na Universidade de Brasília (UnB). Dedicada, diz que nunca ficou de recuperação nem pensou em abandonar a escola. E, nesse percurso, a ajuda dos pais conta muito. "Eles sempre me incentivam e dizem que estudar é o melhor caminho para ter uma vida melhor", completa. A adolescente trabalha à tarde na loja da mãe e tira pelo menos uma hora de estudo por dia depois do expediente. Na escola, não tem notas menores que 7. A estudante aumentará as estatísticas de alunos que terminam o ensino médio na idade recomendada.
O percentual de jovens de 16 anos que concluíram o ensino fundamental, e de 19 anos formados no ensino médio cresceu na última década, segundo levantamento divulgado ontem pelo movimento Todos pela Educação (TPE). O número de adolescentes que terminaram o ensino médio com até 19 anos cresceu 15,4%. Foram 509.485 concluintes a mais ; 1.951.586 em 2014 contra 1.442.101 em 2005. No nível fundamental, o crescimento foi de 14,7%, o que representou mais 489.902 adolescentes com até 16 anos formados no 9; ano. O levantamento usou como base os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com a economista e mestre em políticas públicas, Alejandra Velasco, superintendente do TPE, o relatório mostra dois grandes avanços: o crescimento histórico dos índices e a redução das desigualdades. É que o estudo observou também os dados de acordo com a raça/cor e renda da população e do local de moradia. Houve melhora dos indicadores no que se refere à equidade, ou seja, a diferença entre ricos e pobres, pretos e brancos, e moradores das áreas rurais e urbanas diminuíram. ;É a primeira vez que o país chega a esse patamar de formação. A distância entre ricos e pobres, brancos e negros, zona rural e urbana, caiu ao longo da última década. Mas combater essas disparidades continua sendo um desafio, pois elas ainda são muito grandes;, explica.
O TPE foi fundado em 2006 com o objetivo de garantir que 90% das crianças e jovens do Brasil tenham acesso a educação básica de qualidade até 2022. Para alcançar esse propósito, a Organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) estabeleceu e monitora cinco metas: toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; todo aluno com aprendizado adequado ao seu ano; todo jovem com ensino médio concluído até os 19 anos; e investimento em educação ampliado e bem gerido. Alejandra informa que os propósitos são complementares na busca pela qualidade no ensino.
Em relação à conclusão na idade certa, todas as regiões do país melhoraram, mas o progresso foi mais significativo no Norte, que avançou 5,2% entre 2013 e 2014, e no Nordeste, que cresceu 22,4% durante a década monitorada. A justificativa para a melhora nos índices engloba vários fatores, segundo Alejandra. ;Em todos os casos, não existe fórmula mágica para melhorar os resultados. É preciso diminuir os índices de reprovação, formar melhor os professores e repensar o ensino médio para que leve o aluno a índices adequados de aprendizado;, explica.
Entre 2007 (primeiro ano comparável) e 2014, as taxas de distorção idade-série, aprovação e reprovação apresentaram evoluções. O estado de Pernambuco, por exemplo, conseguiu reduzir a sua distorção idade-série em 27,1 pontos percentuais no período, enquanto no país todo a diminuição foi de 10%. O Distrito Federal (DF) é uma das unidades federativas que cumpriu a meta estipulada para 2014. Naquele ano 72,4% dos jovens brasilienses de até 19 anos concluíram o ensino médio, contra 58,4 en 2005, crescimento de 13,9%, abaixo da média nacional e da região Centro-Oeste, 17,4%.
Mesmo com muitos números positivos, a economista entende que os avanços ocorrem a passos lentos. ;É preciso fazer uma análise mais profunda e ver a situação de estados e municípios para entender porque o ritmo de crescimento não é maior. Mas sabemos que muitos lugares não conseguem alcançar as metas anuais;, argumenta. Duas saídas apontadas por Alejandra são melhorar as políticas de reforço escolar e aprimorar a implantação dos ciclos de ensino para que os estudantes não cheguem ao final sem compreender o conteúdo.
Desigualdade
Apesar de continuarem altas, as discrepâncias caíram em todos os fatores avaliados. Do ponto de vista das regiões, a diferença entre o número de concluintes do Sudeste, historicamente com os melhores resultados, e do Nordeste, região com os números mais baixos, caiu 13%.
Entre o um quarto mais pobre e o mais rico a diferença está menor em 14,3 pontos percentuais. O índice de formados na idade certa subiu de 18,1% em 2005 para 36,8% em 2014 entre os mais pobres e se manteve quase estável (passou de 80,4% para 84,9%) entre os mais ricos.
Quando a amostra foi dividida por cor da pele, o maior avanço ocorreu entre os pardos: 19,8% mais jovens fizeram o segundo grau na idade correta. Entre os pretos (termo usado pela classificação do IBGE), o aumento foi de 17,1% e 12,3% para os brancos. A diferença entre esses dois grupos caiu 4,9%.
Ensino Fundamental
Alejandra Velasco, superintendente do TPE, frisa que não tem como melhorar os índices do ensino médio sem que a base desde a educação infantil até o ensino fundamental esteja consolidada. O ideal é que os estudantes concluam o 9; ano até os 16 anos. Os indicadores desta etapa são quase iguais aos do nível médio, com aumento de quase 15 pontos percentuais, aumentando de 58,9% em 2005 para 73,7% em 2014. Destaque novamente para as regiões Norte e Nordeste, que evoluíram 23,3 e 18,7 pontos percentuais em número de concluintes respectivamente.
Para Douglas Cardoso de Oliveira, 13 anos, a escola não é um grande desafio. Bom aluno, ele nunca ficou em recuperação e conta que suas notas variam entre 8 e 10, mesmo nas matérias nas quais têm mais dificuldade: química e português. ;Não estudo nem muito nem pouco, apenas o suficiente. Tenho facilidade em aprender. Faço os deveres de casa todos os dias e reviso o que aprendi uma semana antes de cada prova;, completa. Douglas acabou de começar o 9; ano do ensino fundamental no Colégio La Salle e já tem muitos planos. ;Meu sonho mesmo é ser jogador de futebol. Meu pai acabou de me mudar para uma escolinha mais profissional. Também penso em fazer faculdade, mas estou na dúvida entre medicina, direito e educação física.;
Condição socioeconômica tem influência direta
De acordo com Ricardo Antunes, professor titular de sociologia do trabalho no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp/IFHC), a circunstância socioeconômica do estudante tem impacto direto no desempenho deles e nos números de evasão escolar. Para ele, os jovens mais vulneráveis socioeconomicamente tendem a abandonar os estudos sempre que precisam trabalhar pois o sistema de educação básica exige muita dedicação extraclasse do aluno e não é garantia de futuro.
;Nós dizemos que, quanto mais se qualificar, melhor emprego a pessoa conseguirá, mas isso não é verdade, porque tudo depende do contexto da economia ; tanto nacional quanto internacional. É claro que o jovem tem que estudar o máximo que puder. Contudo, isso não garante uma boa vaga no mercado de trabalho, que é o que o jovem busca. Especialmente por que o acesso ao conhecimento de qualidade é bastante limitado no caso dos mais pobres;, afirma.