Iniciado na segunda-feira (27) no Rio de Janeiro, o segundo Diálogo Elas nas Exatas promove debates sobre a promoção da equidade de gênero e raça nas escolas e termina nesta terça-feira (28). No primeiro dia do evento, as cerca de 30 representantes dos 10 projetos apoiados pelo edital de 2015 do Elas - Fundo de Investimento Social aplicados em escolas públicas - acompanhados por professores ou gestores dos colégios beneficiados - se juntaram a 18 mulheres palestrantes com interessantes pontos de vista a compartilhar sobre desigualdades de gênero e os motivos para dabater a temática em âmbito escolar.
Foram apresentados os objetivos e os resultados alcançados com os projetos financiados pelo Elas - Fundo de Investimento Social, desde o início deste ano, que incentivam a familiaridade de meninas com ciências exatas, além de promoverem conscientazação sobre questões de gênero. Cada iniciativa receberá R$ 30 mil ao longo deste ano para viabilizar e ampliar o escopo de atuação. Metade do montante foi entregue numa primeira parcela, e a segunda deve ser disponibilizada neste segundo semestre. As ações são aplicadas em escolas públicas de nove estados: Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo.
Nesta terça-feira, a programação prevê conversas com o objetivo de trocar ideias e fortalecer os projetos.
Jovens e engajadas
Bárbara Soares, 23 anos, e Bárbara Carvalho, 22, se destacam pelo protagonismo: elas estão entre as idealizadoras do projeto Mulheres na engenharia, proposta pelo grupo Fórmula SAE, da Universidade Federal de São João del Rey (UFSJ). Estudantes de engenharia da produção, respectivamente, do novo e do sétimo semestres, as alunas de Minas Gerais criaram a iniciativa em 2014 sem contar com apoio de nenhum professor da universidade que, segundo elas, tem poucas docentes mulheres nas engenharias. "Inicialmente, nos inscrevemos num edital de iniciação científica do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que só nos permitia beneficar duas alunas de ensino médio. Era muito pouco, e queríamos achar uma maneira de atingir mais meninas", recorda Bárbara Soares.
Graças ao benefício do Elas, o número de garotas impactadas passou para 50, apesar de, inicialmente, terem sido procuradas por 118 interessadas. A parceria foi firmada com a Escola Estadual São João dos Santos, e as participantes, sob a gestão de 12 universitárias da UFSJ responsáveis pelo projeto, durante encontros semanais às sextas-feiras no contraturno escolar, acompanham e colocam a mão na massa para montar um veículo para competição, desde o projeto, passando pelo desenvolvimento até chegar ao produto final. "A procura foi tão grande que recebemos reclamações dos meninos que também queriam participar. Mas a gente não tinha nem como atender todas as meninas, então não tinha como abrir", relata Bárbara Carvalho, que diz sempre ter gostado de matemática.
O fato de o projeto ser muito prático tem vantagens. "Mostramos que, num curso na área, não se fica só na teoria", elogia Bárbara Soares. A colega, de 22 anos, destaca outra importante função da iniciativa. "Desmistificamos a ideia de que matemática e física são difíceis e de que não é para elas. O problema é que, nas escolas, as estudantes não aprendem essas matérias, só decoram e não veem viabilidade prática; o que muda com o projeto", complementa Bárbara Carvalho. "Faltam professores estimulados na educação básica - eles já não ganham muito e não têm interesse - e, às vezes, condições - de mostrar as disciplinas exatas de outro jeito", acrescenta Bárbara Soares.
[SAIBAMAIS]Apesar das atividades do projeto, ambas as estudantes de engenharia de produção esclarecem que o objetivo não é fazer com que as meninas decidam seguir carreira nas áreas de exatas, mas, sim, mostrar que elas podem fazer essa escolha. Rafaela Martins, 29, professora de física em turmas de primeiro e terceiro anos de ensino médio na Escola Estadual São João dos Santos, beneficiada pelo projeto, é só elogios para a iniciativa. "Muitas delas não vão cursar engenharia, mas é inegável que o entusiasmo pelas matérias de exatas aumentou", arremata.
Apesar de jovens, as gestoras do projeto são cobradas como quaisquer outras e precisam prestar contas do orçamento investido nas ações com o financiamento do Elas - Fundo de Investimento Social.
Feminista do ensino médio
Entre os rostos jovens que chamaram atenção no evento, estava o de Giovana Hau, 18 anos. Quando estava no ensino médio no tradicional colégio da rede pública federal fluminense Pedro II, ela integrou o coletivo Feminismo de 3/4, nome que é uma referência ao cumprimento das meias do uniforme das alunas da instituição. Mesmo depois de ter finalizado a educação secundária, em 2014, ela continua acompanhando a iniciativa, enquanto faz um cursinho pré-vestibular mirando uma vaga de vestibular para cursar medicina.
"Estudei na unidade do Pedro II em Engenho Novo, e alunas da unidade de Niterói nos apresentaram o coletivo, que tinha nascido lá. No começo, não teve muito apelo entre as meninas, mas, aos poucos, foi ganhando força. Não sem encontrar resistência: até hoje, cartazes feitos por integrandes do coletivo são retirados, pichados ou alterados com ;brincadeirinhas; dos alunos", revela. Para ela, uma grande função da ação foi fazer as estudantes entenderem o movimento feminista. "Tinha várias coisas que eu já pensava, mas que eu não sabia que era feminismo que, na minha visão, tinha a ver apenas com as mulheres terem conquistado o direito ao voto e de trabalhar, como os homens."
O maior resultado, no entanto, foi a união feminina. "Com as mulheres unidas, tínhamos força para responder a qualquer ;gracinha; de aluno ou comentário indevido de professor", conta. Além disso, as estudantes passaram a se defender e apoiar. "Quando uma menina ficou grávida e quando outra teve imagens íntimas vazadas na internet, por exemplo, as garotas rebatiam os que falassem sobre elas nos corredores e davam um abraço nas afetadas pelos casos. Era formada uma irmandade", descreve.
Na opinião de Giovana, a diferença entre uma escola em que o feminismo é trabalhado e uma que não conta com nenhuma atividade nesse sentido é gritante. "Agora, estou num cursinho particular, em que não tenho voz ou força para debater com um professor, por exemplo, porque outras meninas não me apoiariam", contrasta.
Saiba mais
O Diálogo Elas nas Exatas é fruto de parceria entre o Instituto Unibanco, o Fundo Elas, e a Fundação Carlos Chagas (FCC) e vai até esta terça-feira (28). O primeiro, fundado há 30 anos, é uma das instituições responsáveis pelo investimento social privado do conglomerado Itaú-Unibanco e busca contribuir para a melhoria da qualidade da educação, especialmente com foco em gestão escolar a fim de alavancar o ensino médio; o segundo, em 15 anos de experiência, apoiou mais de 330 grupos de mulheres por meio de 19 concursos de projetos que distribuíram R$ 22,5 milhões para iniciativas voltadas à promoção de direitos de mulheres; por fim, a FCC, iniciada há 50 anos, é dedicada à pesquisa em educação e avaliação de competências cognitivas ou profissinais.
Os editais do Elas - Fundo de Investimento Social costumam ser lançados no segundo semestre de cada ano, normalmente em setembro. Interessados podem acompanhar pelo site.
* A jornalista viajou a convite do Instituto Unibanco