Inconformado com as notas dos alunos em leitura e produção de texto, o professor transformou-se em um desses heróis comuns, que não usam capas e nem disfarces, mas têm como superpoder a obstinação de que podem fazer algo para melhorar a qualidade da educação. Com esforço e otimismo, Cléssio Pereira Bastos, 31 anos, professor de português e língua inglesa, imprimiu criatividade em projeto pedagógico, que chamou de Alimente Heróis com Livros, e tem conseguido estimular os alunos do sétimo ao nono ano da Escola Municipal José Carlos Pimenta, na periferia de Goiânia, a ler livros e a escrever melhor, bem como a exercer a cidadania enquanto críticos de situações de injustiça social.
Interdisciplinar, o projeto, que resultou no sucesso da escola da comunidade rural de Vila Rica, a 25 quilômetros de Goiânia, foi iniciado em 2015. No início do ano letivo, 3,5 era a nota média em leitura e escrita das turmas dos anos finais do ensino fundamental. No fim do ano, a menor nota foi 8,5. ;Eles vivem numa comunidade carente, não recebem muitos incentivos nos estudos, e era urgente uma ação no sentido de inspirá-los com exemplos de superação a partir do conhecimento;, diz o professor, que tem mestrado em crítica literária. ;Eles estão inseridos em uma cultura de não leitores e só veem livros na escola; por isso, o trabalho tem de ser muito bem focado para que aprendam a gostar de ler.;
O livro escolhido para iniciar o projeto foi Eu sou Malala, biografia da jovem paquistanesa Malala Yousafzai, prêmio Nobel da Paz de 2014, baleada pelo Talibã (movimento nacionalista que atua no Afeganistão e no Paquistão) por defender seu direito à educação. A obra foi escrita em parceria com a jornalista inglesa Christina Lamb.
Como a escola funciona em tempo integral, a leitura dividiu-se em dois turnos, cada um com uma hora de duração. Os alunos sensibilizaram-se com a história e despertaram para a leitura. ;O livro da Malala foi escolhido porque os alunos não gostavam muito de estudar por se acharem obrigados a ir à escola;, afirma o professor. ;Então, fui atrás do exemplo de uma menina, da idade deles, que quase morreu por querer estudar.;
Doações ; Como não havia um exemplar para cada aluno, uma versão impressa do livro ficava à disposição dos estudantes, enquanto o trecho lido era projetado na parede da sala de aula. Alunos e professores de outras disciplinas revezavam-se na leitura e acabaram por trabalhar informações sobre a geografia, a história e a cultura do Paquistão, país islâmico do sul da Ásia. Ao final da leitura do livro, os alunos decidiram colaborar com doações para a Fundação Malala, que investe para garantir o mínimo de 12 anos de educação para jovens de países periféricos. ;Na vila onde moram, cercada por mato e onde existem apenas quatro ruas, meus alunos conseguiram arrecadar o equivalente a US$ 100, que foram depositados no Fundo Malala;, conta o professor.
Diante do sucesso do projeto no ano passado foi um dos finalistas do Prêmio Viva Leitura de 2016 , o professor Cléssio decidiu aprimorá-lo este ano para que tenha a participação de toda a escola, da comunidade e das famílias. Para 2016, além da biografia de Malala, os alunos terão dois títulos para ler: o Diário de Anne Frank, obra sobre Annelies Marie Frank, adolescente alemã de origem judaica, vítima do Holocausto, e a biografia de Ben Carson, neurocirurgião, psicólogo e escritor norte-americano. ;Fizemos uma rifa para a aquisição desses títulos;, explica o professor.
Daniele Rodrigues de Morais, 13 anos, aluna do sétimo ano, ajudou a vender as rifas para arrecadar o dinheiro. Com o professor e 60 colegas, ela foi a Goiânia e, pela primeira vez, entrou numa livraria. No total, conseguiram comprar 200 livros. ;Já sei a história da Malala, mas agora quero ler a história da Anne Frank;, diz a estudante.
Marcelo Rosa da Silva Jesus, 14 anos, até se esqueceu da timidez para falar dos livros que começou a ler. ;Eu não dava muita importância para a leitura, mas depois que comecei a participar do projeto estou lendo mais porque melhora o texto e tenho mais ideias para escrever;, afirma.
Comunidade Após a leitura dos títulos, os alunos terão de produzir uma ação na comunidade com base nas histórias. ;Meus alunos são heróis com livros;, diz o professor Cléssio, que mantém uma página na internet, a , para dividir as experiências em sala de aula e atrair parcerias para projetos de promoção da leitura e cidadania. O professor espera que, no fim deste ano, os livros lidos pelos alunos sigam para outras escolas e estimulem a formação de novos leitores.
Otimista com os resultados ; os alunos vêm apresentando melhoras no rendimento escolar após o projeto ;, Cléssio planeja ampliar a ação na escola e em outras unidades de ensino da região, com intercâmbio de leitura presencial ou por videoconferências. ;Sem leitura não há aprendizado. Não adianta ensino de gramática sem vivência com a língua em sua forma escrita e não adiantam trabalhos voltados para o social sem a humanização que a leitura promove;, afirma. ;E também não adianta entregar livros nas mãos dos alunos sem que haja um trabalho de motivação para uma leitura de qualidade. Eu digo sempre que todo projeto é simplesmente uma desculpa para levar meu aluno a ler.;