postado em 14/07/2016 19:09
A dificuldade de reconhecer as letras, de ler e de compreender o que está escrito no texto marca a trajetória escolar de pessoas com dislexia. Já no início do processo de alfabetização, é possível perceber que o desenvolvimento delas não condiz com o dos demais alunos, o que, por muitas vezes, é confundido com falta de capacidade de aprender ou preguiça. No entanto, não se trata de uma deficiência cognitiva. Algumas adaptações nas atividades em sala de aula podem ser suficientes para resolver o problema e ajudar na adaptação desses estudantes.
A fonoaudióloga e psicopedagoga Sônia Moojen explica que o disléxico mantém intacta a capacidade de aprender, apenas necessita de mais tempo para acessá-la. Ele não automatiza a leitura, por isso, precisa ler pausadamente, com muito esforço, e utilizar o contexto para entender o significado da palavra. A especialista em dislexia Sheila Leal acrescenta que o transtorno normalmente vem associado a outros, como a disortografia ; dificuldade na escrita das palavras ;, a disgrafia ; falta de coordenação motora na escrita ; e discalculia ; problema específico com cálculos de matemática.
Por isso, muitas dessas crianças apresentam não só dificuldade na leitura, mas têm também a letra feia, escrevem com a grafia errada, não compreendem o calendário e confundem a esquerda da direita, por exemplo. Os primeiros sinais começam a surgir durante a alfabetização, por volta dos 6 anos, mas o diagnóstico só pode ser fechado no fim do 2; ano do ensino fundamental. Ele deve ser dado em conjunto, por uma equipe de profissionais formada por fonoaudiólogo ou psicopedagogo, psicólogo e neurologista ou neuropediatra. A escola também deve participar do processo, sempre sendo informada para fazer as adaptações necessárias nas atividades (veja o quadro). ;Deve ser criada uma rede de ajuda envolvendo escola, família e profissionais;, afirma Sônia Moojen.
Foi esse auxílio que buscaram os pais de Ana Luiza, 10 anos, Janaína de Assis Duarte, 39, e Sérgio Bordalo Duarte, 43. Por volta dos 5 anos de idade, a professora da menina notou que ela tinha dificuldades de acompanhar os colegas e sugeriu que os pais procurassem especialistas. O primeiro diagnóstico foi o de Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Depois, veio a constatação de que ela tinha também dislexia. A pequena não conseguia memorizar as vogais e chegou a ser matriculada pelos pais em aulas de reforço. ;Ela sofreu muito. Não queria ir para a escola, não entendia as aulas, chorava;, conta a mãe.
Só depois que encontraram as orientações adequadas com os especialistas que os pais entenderam melhor as necessidades da filha e começaram o tratamento adequado. Hoje, ela estuda em um colégio público de Sobradinho e já consegue se adaptar bem à rotina escolar. Não precisa mais fazer as provas em uma sala separada, consegue ler as questões sozinha e no mesmo momento que os colegas. Segundo o pai, o que ajuda muito Ana Luiza é a atividade física. Ela faz ginástica rítmica no Centro de Iniciação Esportiva (CDI), da rede pública de ensino do DF.
Habilidades
Atualmente, estão sendo estudadas habilidades encontradas com frequência em pessoas com dislexia, como bom raciocínio espacial, tridimensional e habilidade mecânica; habilidade para perceber relações como analogias, metáforas, paradoxos, semelhanças e diferenças; e habilidade para lembrar experiências pessoais importantes e para entender informações abstratas. ;Muitas vezes, a escola não está preparada para ver isso;, avalia Sheila Leal. Atividades artísticas, como teatro e música, podem ajudar a desenvolver essas potencialidades. Os impactos podem ser vistos principalmente na autoestima da criança. Sem o apoio adequado, ela fica apreensiva, chora, sua, tem vontade de ir ao banheiro na hora de uma atividade com leitura em voz alta, por exemplo, o que pode gerar até mesmo problemas de comportamento na adolescência e na vida adulta. ;Com o trabalho no consultório, é possível amenizar muito tudo isso;, afirma a psicopedagoga.
Alice Sumihara, especialista pela Associação Brasileira de Dislexia (ABD), destaca que há diferentes graus do transtorno. A maioria tem o mais leve, poucos têm o moderado e são ainda mais raros os casos graves do distúrbio. ;Todos os graus de dislexia têm tratamento;, reforça, ;e quanto mais cedo começar, melhor, e com profissionais qualificados;. Ela explica que, quando o tratamento começa prematuramente, uma criança com dislexia moderada poderá crescer e se tornar um adolescente com dislexia leve.
;Ele nunca vai deixar de ter dislexia;, alerta a especialista. ;Mas vai saber lidar com o transtorno e encontrar caminhos alternativos para a leitura e para a escrita;, completa. Alice reforça que, mais importante que o diagnóstico, é que o professor ofereça atividades diversificadas, o que beneficiará os alunos independentemente de eles terem dislexia ou não.
Orientações para pais e professores
Confira dicas de profissionais sobre como perceber os sinais de dislexia e incentivar o desenvolvimento desde a infância
O que fazer na escola
Informação
O professor precisa saber que o problema não está relacionado à falta de motivação ou preguiça do aluno. É preciso dar atenção especial a ele, motivá-lo e perguntar se ele tem dúvidas. É recomendado que ele sente mais perto do docente.
Leitura
O material oferecido para estudo deve ser compatível com o nível leitor do estudante, que não será o mesmo dos outros colegas. Deve-se evitar que ele tenha de ler em público e aceitar que ele se distrai com mais facilidade durante a leitura.
Estudo
Ensine a resumir anotações que sintetizem o conteúdo de uma explicação; permita o uso de meios eletrônicos, de corretores ortográficos, de gravações e de calculadoras. Use figuras, gráficos e ilustrações para acompanhar o texto impresso.
Avaliação
Diminua a quantidade de deveres de casa e, sempre que possível, faça a avaliação de forma oral ; orientação válida inclusive para o ensino superior ; e com instruções breves. É importante ainda prever tempo extra e evitar testes de múltipla escolha.
O que fazer em casa
Música
Comece a cantar e incentive a criança a completar a música, especialmente aquelas de 4 a 5 anos. Observe se ela conseguirá completar a canção sozinha ou se pedirá ajuda.
Desenhos
Deixe a criança desenhar no chão, no papel ou numa cartolina e observe se ela tem dificuldade de pegar o lápis ou em fazer formas simples, como círculos e quadrados. Essa atividade permite avaliar a coordenação motora dos pequenos com 4 anos de idade.
Brincadeiras
Na faixa etária de 4 a 5 anos, elas já devem ser capazes de contar até cinco. Observe se a memorização dos números ocorre com facilidade ou não. Com crianças de 6 a 8 anos, jogos como os de forca e de rima são indicados. Veja se elas sempre repetem a mesma letra ou se ficam chutando qualquer palavra.
Tarefas
Faça uma lista de supermercado com desenhos ou com as primeiras letras dos itens que devem ser adquiridos. Na hora da compra, peça que a criança ; de 6 a 8 anos ; ajude a encontrar cada um.
Fontes: Sônia Moojen e Sheila Leal
Superaram o distúrbio
Albert Einstein
O ganhador do Prêmio Nobel de Física, responsável por desenvolver a Teoria da Relatividade, tinha dificuldades na escola. Ele só foi alfabetizado aos 9 anos de idade.
Agatha Christie
A autora de romances policiais, conhecida pelas histórias intrigantes do detetive Hercule Poirot, não escrevia os livros, ela ditava as tramas para um assistente ou usava gravador.
Quentin Tarantino
O premiado diretor de Pulp Fiction e de Os Oito Odiados deixou a escola, em Los Angeles, no 9; ano. Ele tem dificuldade na grafia de algumas palavras.
Tom Cruise
O ator revelou que, apesar de se concentrar no que estava lendo, ele não conseguia se lembrar mais ao fim da frase. Disse que se sentia ansioso, nervoso, aborrecido, frustrado e burro.
Keira Knightley
A atriz disse que conseguiu vencer o distúrbio ao ler o roteiro do filme Razão e sensibilidade. Mais tarde, ela interpretou um papel em outro filme baseado na obra de Jane Austen, Orgulho e preconceito.