Em 2015, o Distrito Federal não cumpriu nenhuma das metas estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC) para o desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Brasília ficou entre as três unidades da Federação que não alcançaram sequer a meta para os anos iniciais do ensino fundamental ; faltou um décimo para que a capital alcançasse o patamar programado, de 6,1. Já nos anos finais, os estudantes brasilienses alcançaram uma média de 4,5 ; 0,6 ponto abaixo do esperado. No ensino médio, o indicador ficou meio ponto abaixo da meta, em 4 pontos. A escala vai de zero a 10.
[SAIBAMAIS] Questionado sobre os motivos do desempenho ruim, o secretário de Educação do DF, Júlio Gregório Filho, afirma que os resultados estavam abaixo das metas já em edições anteriores ; em 2013, o patamar ideal foi atingido na rede pública e, na média geral, apenas no 5; ano do ensino fundamental. ;As provas foram aplicadas em 2015, sem grandes possibilidades de transformação do sistema de ensino na nossa gestão, num período em que a rede pública estava em greve, o que prejudicou bastante, pois o clima não era de normalidade;, comenta. A Prova Brasil, cuja nota compõe um dos indicadores do Ideb, além de aprovação e evasão, foi aplicada em novembro de 2015. Os professores entraram em greve em 15 de outubro e saíram em 12 de novembro.
Cleber Ribeiro Soares, diretor de Imprensa do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro/DF), não comentou os resultados do Ideb, mas analisou as causas para a baixa performance das escolas locais. ;A greve não deve ser o único indicador considerado. É fundamental avaliar as condições oferecidas no processo de aprendizado. Se você não dá as condições ideais, não terá bons resultados;, diz, ao listar problemas da educação básica pública na capital, como falta de materiais e de locais apropriados para estudo, além de atrasos em repasses de recursos.
;Falta investimento e seriedade na educação pública, e a sociedade não suporta mais a distância entre o discurso de quem está no poder e a realidade, que é a falta de investimento e o cuidado. Nós temos um corpo de docentes extremamente comprometido com a educação pública, mas desvalorizado pelo Governo do Distrito Federal;, reclama o professor, que integra o quadro de profissionais da Secretaria de Educação há 23 anos.
Mudança estrutural
A proficiência dos estudantes do DF em português e em matemática é outro dado que preocupa. No ensino médio, 15% deles estão no nível 0 de capacidade nas duas disciplinas, em uma escala que vai até o nível 10. Quase 80% não chegaram à metade da escala em matemática ; estão entre os níveis 0 e 4. Nos anos finais do ensino fundamental, 77% dos estudantes que participaram da avaliação se encontram nesses mesmos níveis.
Para o secretário de Educação, Júlio Gregório, mais que estabelecer rankings, o Ideb deve servir para estimular uma reflexão com professores e coordenadores em prol de melhorias e buscando atender o interesse dos alunos. ;O sistema atual é defasado e agressivo para o estudante e para o professor, e eles não estão aguentando: o docente adoece, e os discentes não são atraídos pelo que é oferecido e saem ; daí a alta evasão;, avalia. Os percentuais de reprovação também são elevados. ;É preciso rever um sistema que produz mais de 30% de reprovados. Não é necessário facilitar ou diminuir o nível, mas pedir conhecimentos que gerem interesse e façam sentido para que as pessoas cheguem preparadas ao mercado de trabalho.;
A proposta de Júlio Gregório é condizente com a do ministro da Educação, Mendonça Filho, que defende uma grande reforma no ensino médio, para reverter o mau desempenho e a evasão escolar. Luis Claudio Megiorin, presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do Distrito Federal (Aspa-DF), se posiciona ceticamente quanto às mudanças propostas por Mendonça Filho. ;Eu sou favorável à reformulação, mas não é por aí. Se o ensino médio está ruim, é porque o ensino fundamental não é bom. É preciso mexer em toda a estrutura, alfabetizar a criança na idade certa;, observa. O topo do ranking das melhores escolas públicas do DF nos anos iniciais e finais do ensino fundamental ficou com colégios militares (veja o quadro). O sistema não gera lista de classificação para o ensino médio nem para colégios particulares.
Escala de proficiência
Os dados são da última edição do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), divulgados ontem. O cálculo da nota é feito a partir dos resultados da Prova Brasil e da Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb). Em cada etapa do ensino, ela é dividida em 10 níveis. Quanto maior o nível, melhor a proficiência do estudante naquela disciplina e maior o número de pontos que ele alcança ; no ensino médio, pode chegar a 425 em português e 475 em matemática.
Escolas privadas
As escolas particulares do Distrito Federal nunca atingiram metas estabelecidas pelo Ideb. No ensino médio, a performance foi um ponto abaixo do ideal, ficou em 5,6. Nos anos finais do ensino fundamental, a disparidade foi de 0,9 ponto. Nas séries iniciais do ensino fundamental, a diferença foi a menor: de 0,2, registrando uma média de 7,1. Luis Claudio Megiorin, presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do Distrito Federal (Aspa-DF), acredita que, entre as 482 escolas particulares registradas na Secretaria de Educação do DF, há cerca de 20 de grande porte e bom desempenho. ;O resto é um fiasco;, critica.
No entanto, ele analisa que a falta de transparência do MEC ao aplicar o Ideb na rede particular é um problema. ;É preciso que a avaliação seja feita de forma censitária, como nas escolas públicas. Se não, os pais investem nos colégios no escuro;, percebe. Nessa rede, a coleta de dados é feita por amostragem. ;O pensamento geral é o de que, se é escola particular, o ensino é bom, mas não é assim. Entre os destaques no Ideb, está uma escola pública em Sobral (CE), com pontuação 9,8. Sinceramente, não sei se teríamos alguma escola particular aqui com uma performance assim.;
Realidades distintas
Para o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Distrito Federal (Sinepe/DF), Álvaro Domingues, o fato de as escolas públicas terem alcançado metas do Ideb e as particulares nunca terem chegado lá não quer dizer que as primeiras sejam melhores. ;É complexo comparar escolas públicas e particulares, pois são amostras e realidades distintas. A escola privada tem um público e um modo de gestão diferentes, específica para cada gestor, o que torna a meta mais desafiadora. Não há uma unidade como na escola pública: cada escola é dirigida segundo o seu gestor;, afirma.
Ele acredita que o surgimento de escolas particulares de pequeno porte nos últimos 10 anos em áreas menos favorecidas, como Samambaia e Recanto das Emas, que oferecem uma estrutura menos eficiente, podem ter impactado o desempenho no Ideb. ;Essas instituições cobram pouco, o que sugere menor investimento no aluno. Algumas cobram R$ 450 por estudante, quase metade do que o estado paga por aluno, que é uma média de R$ 800;, compara.
Palavra de especialista - O que falta ao ensino
A evolução (no ensino fundamental) e a manutenção (no ensino médio) nos índices nacionais, mesmo sem cumprir metas, é resultado de um esforço contínuo do governo, que começou com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), depois com o ensino fundamental de nove anos e, em 2009, ganhou impulso com a obrigatoriedade de o Estado prover educação dos 4 aos 17 anos. No DF, houve uma priorização histórica do ensino fundamental em detrimento do ensino médio e, só agora, estão começando a direcionar os esforços. O orçamento da educação é maior na capital federal do que nos estados, por consequência, deveríamos ter os melhores índices de ensino. Então, temos que investigar a fundo e entender de onde vem essa discrepância. Agora, nós temos o Plano de Educação do Distrito Federal (PDE), que foi aprovado no ano passado. É preciso usá-lo como guia e buscar atingir as metas estipuladas. No que se refere à rede particular, os pais também devem ficar de olho no desempenho dos colégios. Apenas colocar o aluno em uma escola privada não garante sucesso: é preciso cobrar evolução.
Remi Castioni, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB), especialista em políticas públicas