É entre livros, cadernos e canetas que Sabrina Azevedo Filgueira, 10 anos, se sente bem. A menina sonha ser professora e se orgulha de saber um pouco de inglês. Muito para quem tem desafios como autismo em grau elevado e epilepsia. Ela é a primeira criança da capital federal a conseguir um parecer judicial que obriga a Secretaria de Saúde a comprar canabidiol (medicamento derivado da maconha). Agora, falta a inclusão escolar. A família da garota encontra dificuldades para encontrar uma vaga na rede pública de ensino.
A celeuma começou há cinco meses. Sabrina morava com os pais, a dona de casa Patrícia de Azevedo Filgueira, 36 anos, e o analista de licitações Fábio Filgueira Virgulino de Sousa, 37, em Ceilândia. Lá, a menina estava matriculada na Escola Classe 25, onde estudou por cinco anos. Agora, a família vive em um apartamento no Riacho Fundo 2. O novo endereço exigiu uma nova instituição de ensino. Em um primeiro momento, não haveria problema. A Escola Classe 1 fica a menos de 300 metros do condomínio onde reside a família. Uma faixa de pedestres separa os dois prédios. No entanto, a turma com monitor e quantidade reduzida de alunos está completa e não pode recebê-la.
Resultados positivos
Uma das alternativas oferecidas pela Secretaria de Educação é matriculá-la na Escola Rural. A vaga ainda é incerta e deve ser analisada no próximo dia 28. A instituição fica a mais de 15km de distância da casa de Sabrina. Apesar dos avanços com o tratamento do autismo e da epilepsia, a menina enfrenta dificuldades em atividades de rotina, como pegar ônibus. A mãe dela também tem epilepsia. Com isso, os transtornos aumentam. ;A escola é importante para a saúde dela. Dói ver algo que faz bem a ela ser arrancado dessa forma;, lamenta Patrícia, enxugando as lágrimas.
Os estudos trouxeram muitos benefícios a Sabrina. Além da boa socialização, diminuíram as crises convulsivas. Os ganhos são aliados ao uso de quatro medicamentos. ;Todo dia, ela pega o material escolar e pergunta se é dia de ir para colégio;, conta a mãe. Neste momento, a menina interrompe a entrevista para mostrar algumas tarefas no caderno. Os pais se emocionam. ;Queremos apenas a vaga perto de casa. A Patrícia, assim como a Sabrina, não podem se locomover por longas distâncias. Já houve ocasiões que ela (a mãe) convulsionou no caminho enquanto a Sabrina ia para escola;, explica o pai.
Fábio e Patrícia temem um novo processo depressivo, como, o que ocorreu quando Sabrina deu uma pausa nos estudos, em 2014, durante uma internção. ;Ela ficou deprimida, desaprendeu a falar e só ficava deitada no sofá. A escola faz parte do tratamento dela;, conclui o pai. Anotações das professoras no diário de classe ressaltam as melhoras. ;A aluna continuou demonstrando interesse em participar das aulas. Aprecia bastante as atividades em grupo. Apresenta maior desenvoltura e independência nas tarefas diárias;, destaca a avaliação do 3; bimestre de 2016.
Faltam remédios
A Secretaria de Educação garante que haverá uma vaga para Sabrina perto de casa. Subsecretário de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação da pasta, Fábio Pereira de Sousa disse, ontem, ter pedido que a Coordenação Regional de Ensino do Núcleo Bandeirante analise o caso com prioridade, amanhã. ;O atendimento está garantido e os estudos não serão interrompidos.Vamos avaliar por que foi negado o ingresso na escola próxima da família;, afirmou.
O drama familiar é acentuado pela dúvida no fornecimento dos medicamentos da menina. A Secretaria de Saúde, há quatro meses, não oferece o anti-epiléptico Keppra. As ampolas de Canabidiol ; asseguradas pela Justiça desde maio de 2013 ; também chegaram ao fim. Os R$ 2,5 mil de renda são insuficientes para custear o tratamento. Importar cada dose do remédio derivado da maconha, por exemplo, custa cerca de R$ 1,2 mil. ;O desespero está falando cada vez mais alto;, avisa Fábio.
Os medicamentos de Sabrina não são padronizados, ou seja, não compõem a lista daqueles comprados normalmente pela Secretaria de Saúde. Por isso, segundo a pasta, a aquisição ocorre só por meio de ordem judicial. ;No caso da paciente, o fornecimento é contínuo, mensal, e, ao receber a unidade prevista para um mês, uma nova entra em processo de aquisição. A compra prevê o uso mensal pelo período prescrito pelo médico;, detalha a pasta, em nota oficial. Ela nega falha no processo de compra.
O que diz a lei
Falta de vaga é crime
A recusa da matrícula do aluno com autismo é crime. O não atendimento fere a Constituição Federal, que assegura o direito à inclusão escolar, e também, a Lei n; 7.853/89, que destaca o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social. Recomenda-se que os responsáveis documentem tudo, com o pedido de matrícula e a recusa motivada. Depois, apresentarem a denúncia na Secretaria de Educação e no Ministério Público. Feito isso, haverá um procedimento de apuração. As penalidades previstas para o gestor ou autoridade competente que recusou a matrícula é de multa de três a 20 salários-mínimos.