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O tratado do sono

Cientistas americanos definem as condições que caracterizam uma verdadeira noite de descanso. Demorar mais de uma hora para dormir depois de se deitar, por exemplo, é sinal de alerta para pessoas de todas as idades

Paloma Oliveto
postado em 30/01/2017 19:42 / atualizado em 19/10/2020 12:12

Os cachorros de Paula Leon a ajudam a dormir: %u201CFecho o olho, mas minha mente não para%u201D

Um adulto passa, em média, um terço do dia na cama. A ciência já mostrou a importância de esse tempo ser bem aproveitado: dormir mal afeta o sistema imunológico, pode influenciar no peso, altera o humor e aumenta os riscos de doenças, como diabetes, problemas cardiovasculares e de memória, entre outros. A qualidade do sono, porém, nem sem- pre é um conceito objetivo. Para definilo melhor e, consequentemente, fornecer informações mais precisas à população, a Fun dação Nacional do Sono dos Estados Unidos avaliou 277 estudos sobre o tema e lançou o primeiro consenso de recomendações. O resultado foi publicado na revista Sleep Health

Depois de discutir os artigos, o painel formado por 19 especialistas concluiu que há quatro variáveis apropriadas para medir a qualidade do sono: latência, eficiência, quantidade de vezes que a pessoa acorda depois de começar a dormir e, nesse caso, em que momento desperta. “Para fazermos campanhas educativas e tomarmos inciativas na área de saúde pública sobre a boa qualidade do sono, precisamos de componentes objetivos. Milhões de pessoas estão usando dispositivos vendidos no comércio que dizem medir a qualidade e a quantidade do sono. Há uma ne cessidade de definir esses conceitos usando as melhores evidências científicas disponíveis”, diz o epidemiologista do sono Maurice O hayon, pesquisador da Universidade de Stanford e organizador do painel.

A estudante Mariana Mühl fica acordada até as 3h30: exercícios físicos e remédios não ajudam

Para medir a continuidade do sono, os especialistas escolheram, em primeiro lugar, a latên- cia, ou o tempo necessário para haver a transição da vigília ao so- no pesado. Para todos os grupos etários avaliados — de bebês a idosos —, a quantidade ideal são 15 minutos. Segundo Ohayon, le- var de 16 minutos a meia hora para dormir é aceitável. Porém, um intervalo de 45 minutos a uma hora já indica baixa qualida- de do sono (exceto para idosos) e acima de uma hora é sinônimo de sono ruim, independente- mente da idade.

Outro indicador da continuidade é a eficiência do sono, ou seja, o tempo que se passa de fato dormindo depois de se deitar. De acordo com os especialistas, para se ter qualidade, é necessário que essa eficiência seja maior ou igual a 85%. Abaixo de 74%, o sono é de má qualidade para todos os grupos etários, exceto os idosos. Entre os mais , dormir menos de 64% do tempo passado na cama é sinal de que o sono está ruim.

A fotógrafa Paula Leon, 27 anos, já chegou a “rolar na cama” por mais de duas horas antes de pregar os olhos. Desde criança, ela tem dificuldade para dormir, um problema que a incomodou muito na infância e na adolescência. Hoje, diz estar acostumada, mas reconhece que é aflitivo fechar os olhos e não conseguir dormir. “Já tentei tomar remédio, tomei leite quente e fiz exercícios de respiração”, enumera.

Nenhuma estratégia funcionou. As cápsulas de melanina, substância que ela comprou nos Estados Unidos, onde a venda é liberada (no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ainda não autorizou a comercialização), fizeram a jovem dormir, mas a deixaram aérea no dia seguinte. “Eu fecho o olho, mas minha mente não para. É como se eu fizesse um resumo do dia”, afirma.

Cientistas americanos definem as condições que caracterizam uma verdadeira noite de descanso. Demorar mais de uma hora para dormir depois de se deitar, por exemplo, é sinal de alerta para pessoas de todas as idades

 

O marido de Paula dorme cedo, o que provocou pequenas crises quando eles se casaram. “Eu queria ficar acordada e ele queria dormir”, conta. Nos últimos tempos, porém, a fotógrafa passou a dormir melhor. Ela atribui esse feito a Milk, o cãozinho que adotou em 2015. “Eu durmo bem melhor quando estou ‘agarrada’, mas meu marido tem problema de coluna e não pode dormir de lado. O Milk geralmente dorme no pé, mas, de vez em quando, ele me deixa agarrálo. Eu passei a dormir milhões de vezes mais rápido”, comemora

Já para a universitária Mariana Mühl, 20 anos, não há nada que a faça dormir antes de três e meia da manhã.“Nem quando eu fazia exercício físico para cansar eu conseguia antes. Comecei a tomar um remédio que minha mãe usa, tomei floral, tentei fazer meditação com um aplicativo, mas não funcionou”, diz. A falta de sono afeta os estudos da jovem. “Acaba me prejudicando, eu me sinto muito cansada durante o dia, fico bem abatida. Na faculdade, tento pegar aulas só do turno da noite e tenho medo de, quando começar a trabalhar, não conseguir acordar de manhã. Acordo muito indisposta.” Enquanto o sono não vem, Mariana usa o tempo para assistir a séries e ou- vir música. “Antes, eu dormia bem ouvindo música, agora, nem isso”, lamenta.

Interrupções
Não é só a demora para dormir que contribui para a má qualida- de do sono, porém. Despertar desde adormecer também é um indicativo. Acordar até uma vez por noite — duas, no caso de ido- sos — não é problema. A partir disso, já significa uma noite ruimde sono. Acima de cinco vezes, os especialistas consideram total- mente inadequado. O tempo quando a vigília ocorre também determina a qualidade. Para todos os grupos etários, de pré-escolares a idosos, caso se desperte em menos de 20 minutos depois que se começou a dormir, não há influência sobre o sono. Quando se acorda após 51 minutos, esse é um sintoma de que algo vai mal

“Recentemente, um estudo da Fundação Nacional do Sono re- velou que 27% das pessoas levam mais de 30 minutos para dormir. que, com recomen- dações consensuais, podemos ajudálas a melhorar a qualidade do sono”, diz Max Hirshowitz, presidente da instituição e pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de Stan-ford. “Também precisamos res- saltar que, durante a avaliação dos artigos, identificamos que ainda é preciso mais pesquisa pa- ra se chegar a conclusões robustas a respeito de outras questões associadas ao sono”, destaca. Entre elas, se cochilos ajudam a dormir melhor ou significam que não se está dormindo bem à noite, as diferenças nas necessida- des de sono de mulheres e homens e uma categorização melhor da qualidade, de acordo com as faixas etárias

 
Milhões de pessoas estão usando dispositivos vendidos no comércio que dizem medir a qualidade e a quantidade do sono. Há uma necessidade de definir esses conceitos usando as melhores evidências científicas disponíveis”


Maurice Ohayon,

pesquisador da Universidade de Stanford e organizador do consenso

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