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Um problema de duas faces

Adolescentes e jovens que sofrem bullying precisam de acompanhamento em casa e na escola. O ambiente pouco acolhedor e a baixa autoestima do agressor são fatores que devem ser levados em consideração no momento de lidar com o problema

Ana Carolina Alves*
postado em 01/05/2017 16:15
Adolescentes e jovens que sofrem bullying precisam de acompanhamento em casa e na escola. O ambiente pouco acolhedor e a baixa autoestima do agressor são fatores que devem ser levados em consideração no momento de lidar com o problemaAnsiedade, angústia, depressão e transtornos alimentares são algumas das sequelas que podem ser deixadas pelo bullying. Adolescentes e jovens tímidos e reservados são os alvos mais comuns desse tipo de assédio no ambiente escolar. A baixa autoestima que costumar resultar das agressões, no entanto, pode ser também o motivo para o início das ofensas. Por isso, tanto a vítima quanto o agressor devem receber apoio na instituição de ensino e em casa.


;Eu praticava bullying porque, na maior parte do ambiente escolar, se você não zoar as pessoas, acaba se tornando o motivo da zoação;, relata um estudante de 18 anos que preferiu não se identificar. O alvo das ofensas era um colega da escola que tinha deficit de atenção e hiperatividade. ;Ele era muito diferente, e, com o tempo, começaram a surgir apelidos. Qualquer atividade realizada por ele era considerada fora do normal;, conta. A professora Renata Mendes dá aulas há 24 anos e percebe que situações mais graves começam na adolescência. ;As crianças pequenas se adaptam bem às atividades de prevenção. Os problemas geralmente acontecem com os mais velhos;, detalha.


No caso do estudante de enfermagem David Borges, 29 anos, o que o ajudou a superar o assédio dos colegas foi a mudança de cidade. No início da adolescência, ela estava acima do peso, característica debochada pelos colegas do ensino fundamental. A situação só melhorou quando ele veio para Brasília e viu na mudança uma oportunidade de transformação: emagreceu, fez novos amigos e começou a namorar. Ao falar da época que sofria bullying, no entanto, a tristeza reaparece. ;Na escola, se você se destoa, é zoado. Eu sempre fui aguentando e, por isso, virei uma pessoa insegura;, afirma. Conta ainda que sofreu com um transtorno alimentar.


A ação chegou ao extremo da violência física com a filha do adestrador de cães Vilmar José de Oliveira, 46 anos. ;Ela tinha um problema de estrabismo e as crianças ficavam zombando dela por causa disso. A primeira agressão física aconteceu 15 dias depois de ela fazer a cirurgia de correção, quando ela levou um soco no olho. A escola falou que não era nada demais. Mas a gota d;água foi quando a direção nos chamou para buscá-la, pois estava toda ensanguentada;, detalha. À época, a menina tinha 7 anos. Vilmar procurou a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), mas saiu de lá com a resposta de que nada poderia ser feito, pois ela era menor de 9 anos. ;Minha filha não foi amparada por ninguém;, indigna-se.


Os estudantes têm amparo legal nessas situações e os pais podem recorrer, além da Polícia Civil, ao Conselho Tutelar e à Secretaria de Educação (veja Passo a passo). A presidente do Conselho Regional de Psicologia do DF, Vanuza Sales, coordenadora da Comissão Especial de Psicologia da Educação, destaca, no entanto, que a relação de parceria entre escola e família é a forma mais eficiente de prevenir a prática. Vilmar José, que viu a filha sofrer agressões no colégio, ressalta que não teve o amparo da direção e que esse foi o maior erro da instituição. ;Se a escola tiver uma boa gestão, que colabore com os pais, é impossível dar algo errado;, reforça ele. Hoje, a menina está com 9 anos, matriculada em outro centro de ensino e, segundo o pai, feliz e entrosada com os novos colegas.


Para o presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino (Aspa-DF), Luis Cláudio Megiorin, a participação dos pais é essencial. ;As leis sobrecarregam a escola, alegando que é responsabilidade do colégio criar o ambiente contra o bullying;, analisa, fazendo referência às leis nacional e distrital de combate ao bullying (leia O que diz a lei). Já Álvaro Domingues, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinepe-DF), observa que a prática sempre existiu e foi combatida nas escolas particulares, mesmo antes de se tornar norma prevista em legislação. ;Passou a ser uma formalidade legal, porque o tema ganhou visibilidade, mas uma escola bem gerida sempre combateu essa humilhação;, analisa.

Conflito
Os choques nas relações sociais, como é o caso do bullying, são inevitáveis, conforme destaca o historiador e professor de antropologia do Centro Universitário de Brasília (UniCeub) Frederico Tomé. ;Trabalhar com a inevitabilidade do bullying é melhor do que trabalhar com a ideia de eliminação dele;, afirma. Ele analisa que o problema começa quando a vítima não sabe se defender. ;A situação pode ganhar uma proporção muito grande e a pessoa não consegue lidar com o fardo. Por isso o diálogo é tão importante. Se a adversidade existe, é necessário ter o enfrentamento.;


O estudante Táiro Gomes, 25 anos, esteve nas duas situações. Ele praticou bullying durante o ensino médio. Em um dos casos, o pai de uma aluna denunciou uma situação de ciberbullying. A garota havia pedido ajuda da turma para ajudar pagar o álbum de 15 anos. Ele e os amigos não contribuíram e ainda fizeram piada com o fato nas redes sociais. Táiro não foi à direção, pois apagou o comentário a tempo, mas os colegas dele foram conversar com a psicóloga da escola.


Quando estava no ensino fundamental, Táiro também sofreu bullying. Era chamado de ;lacraia;, por ser magro, alto e negro, e os meninos mais velhos implicavam com ele no futebol. Hoje, o jovem acredita que a experiência o fez mais forte, mas admite que passou a ser um agressor após mudar de escola e ver nisso uma nova chance de buscar respeito. ;E isso aconteceu porque passei a implicar com as pessoas. Eu não achava que era errado para mim, era a continuação de um ciclo.;


A psicóloga Vanuza Sales alerta que os ofensores, apesar de passarem a impressão de superioridade, muitas vezes, também têm problemas de autoestima, algo que precisa ser observado com atenção. A vítima, por sua vez, costuma expressar sentimentos negativos, em discursos de desqualificação pessoal, como ;eu não presto; ou ;eu não acerto nada;. ;É importante não ignorar essas falas e os primeiros sinais, porque a vítima pode não se abrir mais e se isolar;, adverte.

Passo a passo

Saiba o que configura a intimidação sistemática e como lidar com a situação

O que é bullying e cyberbullying


A intimidação sistemática, ou bullying, ocorre quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação. Pode ocorrer ainda na rede mundial de computadores (cyberbullying), para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais, com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.

Como identificar a vítima
Pessoas que têm sido alvo de bullying apresentam baixo rendimento escolar, fingem estar doentes para faltar à aula ou sentem-se mal perto da hora de sair de casa. Também demonstram alterações extremas de humor.

Como identificar o agressor
Apresentam atitude hostil e desafiante com os pais e os irmãos. São convincentes ao tentar sair de situações difíceis e sempre tentam exercer a autoridade sobre alguém.

Como e onde denunciar
De acordo com a legislação distrital, é preciso formalizar a denúncia e guardar o protocolo, pois é a prova de que o pai notificou a escola. O agressor pode responder por ato infracional ; que vai desde a advertência até a internação ; ou medidas protetivas ; quando a criança tem menos de 12 anos. Os pais da vítima ainda podem pedir indenização à escola ou ao Estado, em caso de escola pública, e aos pais do agressor. Conselho Tutelar, Secretaria de Educação e Ministério Público podem ser acionados. Se o assédio partir para itens tipificados como crime ou por atos infracionais dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a ocorrência pode ser registrada na Polícia Civil.

O que diz a lei

Intimidação sistemática
A Lei Federal n; 13.185, de 2015, institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), em todo o país. Foi a primeira norma de abrangência nacional com foco na prevenção e no combate à prática. Já a Lei Distrital n; 4.837, de 2012, prevê medidas no âmbito do Distrito Federal, instituindo a política de conscientização, prevenção e combate ao bullying em escolas públicas e particulares. As escolas devem desenvolver ações para impedir humilhações, formar grupos de segurança escolar com a participação de pais e alunos, além de registrar formalmente os casos ocorridos na instituição. A legislação não prevê punições aos centros de ensino ou aos responsáveis.

* Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer

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