O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão colegiado composto por representantes do Estado e de organizações da sociedade civil, editou em que manifesta ;repúdio; a iniciativas de restrição da discussão sobre a vida política, nacional ou internacional, e também relativa a gênero e sexualidade nas escolas do país. O posicionamento foi aprovado por consenso pelos integrantes do Conselho, em reunião presencial realizada na última semana.
Com a medida, o CNDH estabelece um contraponto ao chamado movimento Escola sem Partido, que tem fomentado a aprovação de legislações em estados e municípios. Um dos exemplos dessa proposta é o Projeto de Lei (PL) 867, que tramita Câmara dos Deputados desde 2015. O texto propõe que sejam vedadas, em ;sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes;.
O movimento Escola sem Partido foi fundado em 2004 pelo . Em 2014, ganhou força quando se transformou no Projeto de Lei 2974/2014, apresentado na Assembleia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro (Alerj). O movimento é contrário ao que chama de ;doutrinação ideológica; nas escolas e disponibilizou modelos de projetos de lei, estadual e municipal, a fim de que a iniciativa fosse replicada em outros locais do país. Nos últimos anos, essa perspectiva, e gerou polêmica entre a comunidade escolar.
A posição do CNDH acompanha a da , que em abril deste ano recomendou que o governo brasileiro tome atitudes necessárias para conduzir uma revisão dos projetos de lei (PLs) que expressam as diretrizes do Escola sem Partido;. Baseado na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em outras regras, o CNDH aponta que o direito à educação deve ser assegurado e que o Estado deve buscar garantir o direito à igualdade e à não-discriminação.
Tendo em vista que é no período escolar escolar que muitas crianças e adolescentes começam a manifestar suas diversas formas de sexualidade, podendo sofrer preconceitos por isso, o silenciamento da escola sobre temas de gênero e sexualidade poderá gerar permanência da violência, em vez do combate à discriminação, avalia o órgão. Diante disso, ;a censura a assuntos relacionados à orientação sexual e à identidade de gênero constitui grave obstáculo ao direito fundamental de acesso e permanência de crianças e adolescentes na escola, pois contribui para um ambiente hostil no qual as diferenças não são respeitadas, dificultando o aprendizado e o processo de socialização;.
A resolução também demonstra a preocupação do conselho com a disponibilização, em sites na internet, de modelos de notificação extrajudicial que ameaçam processar diretores e professores que abordem conteúdos sobre gênero e sexualidade nas escolas. O órgão destaca que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) fixa que o ensino será ministrado com base em princípios como a ;liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;, o ;pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e o ;respeito à liberdade e apreço à tolerância;.
Entendimento do STF
A resolução do CNDH sugere ainda que o Conselho Nacional da Educação (CNE) ;efetivamente esclareça a todos os gestores e instituições pertencentes ao sistema" sobre a inconstitucionalidade de duas iniciativas que objeto de ações que trataram de leis aprovadas no estado de Alagoas e no município de Paranaguá (PR).
No primeiro caso, a lei criava o programa ;Escola Livre;, que vedava ;a prática de doutrinação política e ideológica, bem como quaisquer outras condutas por parte do corpo docente ou da administração escolar que imponham ou induzam aos alunos opiniões político-partidárias, religiosa ou filosófica;. No segundo, proibia o ensino sobre gênero e orientação sexual nas escolas de Paranaguá. Ambas as iniciativas foram analisadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que as considerou inconstitucionais. No caso da legislação alagoana, o STF destacou que a supressão de temas das salas de aula desfavorece o pleno desenvolvimento da pessoa, além de ir de encontro à proteção ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
Escola sem Partido
Para o fundador do movimento Escola sem Partido, o procurador de Justiça de São Paulo Miguel Nagib, ;a proposta do movimento Escola Sem Partido não restringe a discussão científica de nenhuma questão; até mesmo as questões de gênero podem e, na minha opinião, devem ser discutidas cientificamente;, por meio da apresentação de teorias diversas sobre o tema. O que o projeto busca evitar, segundo ele, é ;adotar dogmatismo; ou ;doutrinação;. "O que não se pode fazer, por exemplo, é vestir criança com roupa de menina, constranger menino a brincar de boneca. Isso não é ciência, é manipulação de comportamento;, opina. Na avaliação dele, crianças ainda não estão formadas para fazer uma leitura crítica de discussões controversas.
Nagib é também um dos autores dos exemplos de notificação extrajudicial citados na resolução do CNDH. Para ele, o instrumento possibilita que um pai que se sentir lesado pelo ensino ofertado ao filho na escola possa notificar o professor para que ele saiba que a conduta em sala de aula poderá resultar em processo. De acordo com o procurador, a proposta está baseada na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que tem peso de lei no Brasil. O artigo 12 da convenção dispõe que: ;os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções;.
Questionado sobre como compatibilizar perspectivas individuais em uma escola pública, por exemplo, onde há opiniões heterogêneas, ele aponta que, nesses casos, ;a única solução para o professor é se abster de tratar de convicções religiosas e morais, deixando esses assuntos a cargo da família;, defende.