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;A tia fez um escondidinho de carne suína e purê de mandioca. Tem cenourinha, que faz bem para as unhas e o cabelo e deixa a pele maravilhosa.; É com este tom carinho que a merendeira Nuap dos Santos, 35 anos, anuncia um dos pratos que serve para as crianças da escola em que trabalha na Cidade Ocidental, distante 46km do Plano Piloto. A iguaria, além de ser servida no Centro Municipal de Ensino Infantil Benedito Antônio, onde ela trabalha há um ano e meio, levou Nuap à fase nacional da segunda edição do concurso Melhores Receitas da Alimentação Escolar, que seleciona pratos bem-sucedidos servidos em colégios públicos de todo o país. A iniciativa recebeu mais de 2 mil inscrições e, após provas eliminatórias municipais e estaduais, selecionou 15 finalistas. As mulheres provaram as habilidades culinárias ontem, numa prova de fogo na Cozinha Experimental do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) em Taguatinga.
Divididas em duas turmas, elas se revezaram no comando dos fogões: cada uma tinha 15 minutos para provar a que veio perante os jurados. Hoje, serão conhecidas as cinco vencedoras, uma de cada região do país. Cada uma levará para casa R$ 6 mil e ainda terá a chance de fazer uma viagem internacional. Nuap conta com a torcida de cerca de 250 crianças para ganhar o prêmio. O colégio onde a goianiense trabalha, no Entorno do DF, tem apenas duas pessoas na equipe da cozinha: além de Nuap, o assistente Alejandro Pimentel, 29, atua no local. ;É muito mais que a preparação de um prato em uma cerimônia. É uma forma de reconhecer, de valorizar e de falar para mim mesma que meu envolvimento e meu compromisso valem a pena;, relatou a merendeira pouco após apresentar o escondidinho de purê de mandioca com legumes e carne suína ao júri. ;Eu não estou na escola para oferecer só o alimento. A gente oferece carinho e afeto. Eu não queria chorar;, disse, já desfeita em lágrimas.
Uma vida cozinhando
A bem articulada moça, que hoje prepara merendas para crianças de 4 a 6 anos da rede pública, outrora, ainda pequena, alimentava os irmãos menores quando a mãe estava fora. Aos 12, uma tragédia fez com que a cozinha se tornasse profissão. ;Minha mãe foi assassinada e fui trabalhar como empregada doméstica;, conta Nuap. As experiências adquiridas nas casas dos patrões e como assistente em lanchonetes e restaurantes serviu de bagagem para que ela trabalhasse na cantina da escola sem nunca ter feito curso de culinária. ;Quem é curiosa como eu acaba aprendendo muita coisa;, comenta ela, que diz gostar de brincar na cozinha. Nada que Nuap insere numa receita é à toa. ;Penso na consistência do alimento, na crocância, na combinação. Tudo tem um porquê. Isso foi adquirido na minha experiência de vida, sem nenhum conhecimento acadêmico na área.; Jeito para cozinha ela já tinha, mas a vocação para dar de comer a crianças foi aprimorada com a maternidade: ;Isso surgiu quando nasceu a mãe em mim;.
A notícia da gravidez fez com que Nuap prestasse o concurso municipal para ser merendeira. Na época, ela morava em Águas Lindas (GO) e estava desempregada, por isso a seleção da prefeitura apareceu como grande oportunidade. ;Grávida não arruma emprego;, explica ela, que é mãe de um menino. O serviço público deu a ela renda fixa, algo que fez falta no passado: Nuap precisou interromper o curso de história, que fazia na Universidade Católica de Goiás, em Goiânia, por não ter como arcar com as mensalidades. Falta apenas um semestre para que ela termine a graduação e os períodos cursados foram feitos com muito esforço: ela realizava trabalhos voluntários para reduzir o valor das prestações. Mas não era suficiente. ;Eu ainda precisava trabalhar para comer;, lembrar. O sonho dela é quitar a dívida e se formar. Depois disso, a próxima meta é estudar nutrição. ;Todas as áreas que estiverem ligadas à cozinha eu quero fazer;, planeja. A razão da escolha, é claro, veio com experiência como merendeira. ;Estou muito envolvida com a alimentação infantil;, completa.
Jurados de peso
A estrela na bancada do juri foi a estudante Sofia Marinho, 12 anos, aluna do 6; ano do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 104 Norte ; afinal, num concurso de merendeiras, a opinião de estudantes é a mais importante. A felizarda, que adora merendas da própria escola, foi eleita para provar e avaliar os pratos vindos de todo canto. A jovem aprovou as receitas que experimentou na competição: ;todas maravilhosas;. Para Sofia, essa competição é necessária para ;valorizar as próprias merendeiras e os pratos feitos por elas;. Outros avaliadores foram o chef do restaurante Bloco C, Marcelo Petrarca; Mariana Rocha, representante do Centro de Excelência Contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos da ONU; Lorena Medeiros, do Conselho Regional de Nutrição (CRN), em Brasília; e Alda Oliveira, presidente do Conselho de Alimentação Escolar de Roraima.
A organização da seleção de merendeiras envolve o Ministério da Educação (MEC), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Centro de Excelência contra Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP). Entre os pratos preparados estão caldo de bode, rocambole de baru, panqueca de polenta e muitos outros. No entanto, o concurso não leva em consideração apenas o talento na cozinha: para participar, era preciso inscrever uma atividade de educação alimentar e nutricional promovida pela merendeira em parceria com um nutricionista da região ligado ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Inspiração
;Eu fazia o tão odiado arroz com sardinha;, conta Nuap, sobre o início como merendeira. De lá pra cá, a escola deixou de receber o peixe e passou a ser abastecida com mais vegetais. Ela se refere, orgulhosa, aos legumes provenientes da agricultura familiar. ;Pimenta-de-cheiro, cheiro-verde, couve-flor, agrião, batata, beterraba cenoura, quase todas as verduras.; Foi essa variedade que inspirou a merendeira a preparar uma nova receita. ;Se tenho todo esse material, eu me sinto estimulada a criar, fazer coisas diferentes.;
Quando uma amiga sugeriu que ela participasse do concurso, Nuap decidiu fazer a receita do escondidinho do zero. ;Queria montar um prato completo, que atendesse as necessidades das crianças porque é a única refeição que muitas têm durante todo o dia.; Levou um fim de semana para bolar o prato. ;Dei uma olhada nos ingrediente, nas possibilidade e pensei: carne suína com purê de mandioca é tudo de bom."
*Estagiário sob a supervisão de Ana Paula Lisboa
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