Marília Lima*, Neyrilene Costa*
postado em 03/08/2018 20:42
Criança estudiosa, quieta, educada, disciplinada e com boas notas. Aparentemente, essas são qualidades que não impediriam um estudante de adentrar uma escola, mas não foi o suficiente para Luís Phelipe Fernandes de Oliveira, 10 anos. O menino foi parado ao entrar entrar no Colégio Adventista de Planaltina (CEAP), onde cursa o 5; ano do ensino fundamental. O motivo da repreensão seria o tamanho do cabelo da criança, o que gerou constrangimento para ele e para a família. Embora não tenha sido impedido de entrar, ele se disse constrangido com a situação. ;Eu me senti triste e chateado;, relata Luís. Após uma segunda abordagem da escola pelo mesmo motivo, a mãe dele, a estudante de pedagogia Alessandra Fernandes, viu-se obrigada a transferir o estudante para uma escola pública, para evitar que ele perdesse o ano letivo.
Moradores de Planaltina (DF), Luís, a mãe e o pai, Francisco Oliveira Neto, foram surpreendidos na quinta (26) com o bloqueio da entrada do filho no colégio. ;Fui chamada na escola, porque disseram que ele só poderia entrar se cortasse o cabelo ou com minha presença;, conta a progenitora. Na ocasião, ela foi até a instituição às pressas e tentou negociar a entrada do menino. Naquele dia, conseguiu. Contudo, Alessandra não esperava que, logo no dia seguinte, Luís fosse parado novamente na entrada e questionado sobre o cabelo. ;Me humilhei para que ele pudesse estudar. Conversei com os diretores e até mostrei outras alternativas para mantê-lo na escola;, alega.
Cabelo comprido é para interpretar Jesus em peça
A mãe do estudante sugeriu diversas soluções para o problema, como amarrar o cabelo ou passar gel para colocá-lo para trás. Tudo para que não tivesse que cortar as madeixas. Tanto zelo pelos fios tem explicação: Luís foi personagem principal na Via Sacra das Crianças em Planaltina. Na encenação, ele interpretava Jesus Cristo e, por isso, necessitava do cabelo comprido, pois voltará a atuar no papel em 2019. O outro motivo é que a mãe, católica, fez uma promessa, que incluía não cortar o cabelo de Luís até que ele completasse 13 anos.
Segundo o menino, o primeiro constrangimento surgiu em junho, quando, durante uma gincana da escola, uma das monitoras o abordou e disse em tom de brincadeira: ;Aqui não pode ter o cabelo grande;. ;Eu fiquei muito mal depois que ela me disse isso;, confessa o estudante. Desde então, vários comentários foram feitos a respeito do tamanho das madeixas. Alessandra Fernandes foi notificada, por meio de um aplicativo da instituição. ;Me deram uma semana para tomar as providências e alegaram que o tamanho não estava de acordo com o regimento de escola;, diz a mãe do estudante.
O impasse levou a família a transferir o menino para a Escola Classe Vale do Sol, também em Planaltina. A mudança de instituição não agradou o estudante. ;Me senti triste, pois eu tinha vários amigos lá;, diz. Quando a assunto é o cabelo Luís é convicto no que sente. ;Eu gosto dele grande, mas estavam pegando no meu pé por conta disso;, explica chateado.
Família alega preconceito e danos morais
A mãe garante ter feito várias tentativas de diálogo com o colégio, todas sem resposta. Dessa forma, ela decidiu contratar um defensor para o caso. Carlos Henrique Gouveia, advogado da família, conta que eles entrarão com um processo, sob alegação de constrangimento legal e danos morais. ;Será levantado o prejuízo e danos que a criança teve por sair de escola no meio do ano letivo e ter que passar por todo esse mal-estar. O aluno foi ameaçado pela escola, nos termos ;ou você corta ou você não entra;. Eles foram negligentes;, afirma.
Segundo o advogado, todo contratempo da vida escolar deve ser comunicado primeiramente ao responsável. ;Um estudante não pode ouvir o que o professor tem a dizer sobre ele, até porque está na fase de formação de caráter e tudo pode gerar um incômodo;, explica. De acordo com Gouveia, não é proibido uma instituição ter regimentos internos, desde que sejam claros e dentro da lei.
Alessandra sente-se menosprezada pela instituição. ;Oferecemos soluções e eles simplesmente não se importaram, me ignoraram. Fui humilhada;, afirma. A indignação da mãe não é por ela, mas pelo filho. ;É difícil você ver uma criança ser constrangida assim. Acho que isso foi preconceito;, argumenta. ;Vi outros alunos com o cabelo maior do que o do meu filho e eles não foram barrados.;
Com o processo, a família busca justiça. ;Esperamos que a instituição seja punida e tome as medidas necessárias para que outras pessoas não passem por isso que meu filho passou;, finaliza Alessandra.
Escola defende-se com texto do regimento interno
Em nota, o Colégio Adventista de Planaltina afirmou que não é de interesse da instituição gerar qualquer desconforto pessoal aos alunos. ;Contudo, o código disciplinar, documento que é lido e assinado por todos os pais de alunos no ato da matrícula, é explícito ao estipular as regras sobre comportamento e aparência dos estudantes. Nesse regimento, consta como dever do aluno a abstenção de cabelo comprido para rapazes.;Alessandra Fernandes argumenta não se lembrar de ter assinado o documento e não ter a cópia deles. A mãe diz ter solicitado o documento, mas a escola alega que não pode fornecê-lo. A direção da escola afirma estar aberta para diálogo com a família.
*Estagiárias sob supervisão de Jairo Macedo - Especial para o Correio