Severino Francisco
postado em 08/02/2019 11:26
Nunca usei o passe livre nos meus tempos de estudante. Mas reconheço que ele é vital para uma legião de alunos que precisa tomar, em alguns casos, dois ou três ônibus para chegar até a escola. Ainda bem que o novo governo recuou na intenção inicial de eliminar, sumariamente, o passe estudantil. Era uma proposta injusta e absurda.
Penalizaria os mais desvalidos e afetaria o acesso à educação, instância crucial para a solução de todos os problemas do país. Só a cogitação da possibilidade de ser adotada medida tão drástica já foi suficiente para causar a comoção e a indignação. A questão do passe livre não pode ser avaliada apenas sob a perspectiva dos números secos do orçamento. Envolve milhares de jovens que têm na educação a única chance de ascender socialmente.
Depois da repercussão negativa do primeiro anúncio, o governador Ibaneis Rocha admitiu, em matéria publicada na edição de quarta-feira no caderno Cidades, negociar uma solução alternativa com os distritais. Mas, desde que seja mantida a previsão de cortes de gastos, estipulada em mais de R$ 100 milhões.
O governo alega que as dívidas estão aí e precisam ser pagas. ;Todo mundo cobra alguma coisa. Querem a terceira parcela do reajuste do funcionalismo, a paridade salarial (da Polícia Civil com a Polícia Militar), a melhoria do asfalto, a energia mais barata. Mas ninguém lembra que a conta é paga por alguém. Não existe almoço grátis.;
Em princípio, é natural que sejam efetuados os ajustes em tempos de crise. Mesmo drásticos, eles são necessários em determinadas circunstâncias. Mas, se o novo cenário econômico do país exige sacrifícios, que eles sejam partilhados também com as empresas de ônibus, que sempre reinaram soberanas, sem que nada lhes fosse cobrado.
Que me desculpem os especialistas, mas posso falar de cátedra sobre o tema da mobilidade, pois sou um usuário do transporte público. A cada dia, os passageiros são humilhados e ofendidos por um péssimo serviço, atrasos constantes, despreparo dos profissionais, motoristas que não param nos pontos, ônibus superlotados e tarifas altas. Faço a afirmação sem medo de incorrer em nenhum exagero.
É estranho que, apesar de todo um currículo de maus serviços prestados à comunidade, as empresas gozem de tantos privilégios e sejam isentadas de qualquer contribuição nos momentos de crise.
O governo alega que Brasília é a única cidade do Brasil onde a lei prevê a gratuidade irrestrita. Quem paga por isso é a sociedade. Com certeza. Mas a sociedade também paga por outras coisas menos aceitáveis, sem que ninguém se insurja. Paga gasolina cara para atender aos acionistas da Petrobras, paga impostos altos em troca de insegurança, sistema de saúde arrebentado e transporte público ruim.
Não considero estapafúrdio que toda a sociedade banque a mobilidade dos estudantes. Eles não precisam apenas de ir para a escola. Assistir a um show, ver uma peça de teatro, frequentar um museu também contribuem para a formação humanística dos nossos adolescentes. E as restrições ao passe livre dificultarão o acesso à cultura.
Em meio a marchas e contramarchas, chegou-se a uma proposta mais razoável. Os alunos de escolas públicas não pagam nada; os das escolas particulares pagam o preço normal da tarifa. O projeto ainda será submetido ao plenário da Câmara Legislativa do DF.
No entanto, esse processo foi muito desgastante para a imagem de um governo que se apresenta na condição de novo. Talvez tenha feito promessas muito ambiciosas, difíceis de serem cumpridas em um cenário de crise econômica grave.
Os estudantes não podem pagar a conta porque não construíram estádio bilionário para ser mero elefante branco, não dilapidaram o erário em negociatas escusas, não oferecem serviços sofríveis de mobilidade urbana, não se envolveram em especulações imobiliárias que prejudicam a qualidade de vida da cidade e não provocaram o desequilíbrio fiscal com decisões temerárias.
Impor restrições ao passe livre para os estudantes das escolas públicas é desestimular a educação e a cultura. É preciso cobrar sacrifícios de quem oferece serviços precários e se locupleta com o dinheiro público há várias décadas.