Alan Rios
postado em 19/02/2019 06:00
Para 324 crianças e adolescentes da Estrutural, a educação não fica só dentro da escola nem serve apenas para tirar boas notas. O Observatório da Criança e do Adolescente (OCA), projeto da organização Coletivo da Cidade, oferece atividades pedagógicas no período contrário ao das aulas, buscando reflexões sobre a realidade em que eles vivem.
Quem entra no espaço vê o colorido das paredes grafitadas dialogar com o verde das árvores e dos quadros das salas de aula. A quadra esportiva permite uma boa recreação e a biblioteca, o contato com a literatura. Para modernizar o aprendizado, a mais nova instalação é um laboratório de informática dentro de um contêiner, com computadores doados pela União Europeia.
;Aprendi tanta coisa depois que entrei no projeto que não sei quem eu seria se não tivesse aqui;, resume Raquel Santos, 16 anos. Ela conheceu o observatório há quatro anos, quando sua família descobriu a organização. De 2015 para cá, perdeu a conta de quantos temas debateu e quantos amigos fez nessa junção de lazer e educação. ;Eu acho que se não fosse o coletivo, eu não teria a identidade que tenho hoje, não seria a mesma. As atividades aqui são muito educativas, a gente vai aprendendo e ensinando com os temas que tratamos.;
O coordenador do projeto, Walisson Lopes, 23, explica que as ações do OCA são centradas em temáticas específicas. ;Mensalmente, fazemos uma assembleia para escolher um tema que será discutido aqui. Em um mês, são as crianças e os adolescentes que escolhem. Em outro, são os educadores;, detalha. Tudo isso é tratado a partir de uma metodologia chamada de roda de aprendizagem, que tem como pilares os conceitos do saber, criar, cuidar, conviver e brincar.
Foi na roda que Raquel pôde debater aspectos das vivências dos jovens de uma forma transformadora. ;Dos temas que levantamos, os que eu mais gostei de discutir foram a homofobia e o racismo. Foi um pouco desgastante, porque nem todos os adolescentes pensam da mesma forma, mas a gente trabalhou isso. Há pessoas que não têm facilidade para entender certas coisas, porque foram criados de um jeito, mas, com essas conversas, a gente vê outras realidades, isso é muito bom;, relata.
O papel do educador
Em fevereiro, as atividades giram em torno da frase ;A escola ideal;. O assunto amplo gera tarefas que variam entre as idades. Enquanto crianças desenham o que para elas significa uma instituição dos sonhos, adolescentes vão mais a fundo e debatem lados positivos e negativos da educação militar, por exemplo.
A educadora Leonice do Nascimento, 25, relata que encontra ali diferentes formas de expressão dos menores. ;Os mais novos trazem muitas reflexões a partir dos desenhos. Agora, eles estão pintando como seria a escola dos sonhos e, depois, vamos ensinar a eles na roda do saber o que é a escola, qual o papel dela, de onde surgiram os pensamentos que a compõem e tudo o mais. De diversas maneiras, eles sempre trazem assuntos do convívio familiar e social deles. É bem intenso e comove muito, porque o nosso futuro são eles;, observa.
O resultado desses trabalhos sempre surpreende os professores do observatório. Em uma folha branca, uma criança de 10 anos usou tinta vermelha para pintar uma escola com grades altas, semelhante a uma prisão, e representar como vê o seu colégio. Ao lado, escolheu diferentes cores vibrantes para mostrar como queria que ela fosse: com árvores, área de lazer, salas espaçosas e fortemente iluminada pelos raios de sol.
É justamente assim que outra criança do observatório enxerga o OCA. Wadellen Souza, 11, já criou uma rotina. ;Eu saio da escola, almoço, fico uns 20 minutos em casa e venho para o coletivo. Aqui, eu sou acolhido, converso com os professores e vou para as atividades, recreação, meditação e lanche;, conta. O aluno se sente bem no espaço, onde vê suas curiosidades serem ouvidas, compreendidas e trabalhadas. ;Gosto muito daqui, sempre gostei. Eu me sinto feliz e brincalhão. E, com o que a gente faz aqui, a gente vê que pode promover mudanças;, descreve o menino.
A voz deles
A prática anda junto com a teoria. Uma prova é o jornal produzido e distribuído por crianças e adolescentes do coletivo. ;Dentro deste processo, nós criamos vários produtos, como o Voz da Quebrada, que é feito em aulas de educomunicação. Os adolescentes criam as pautas, escolhem as imagens e falam sobre coisas que eles acham interessantes;, detalha o coordenador Walisson Lopes. Em uma das edições do boletim, o assunto principal foi o brincar.
Além de colaborar com textos e desenhos, as crianças fizeram até um mapa mostrando pontos de lazer da Estrutural, com tópicos ilustrando o que cada lugar tem de bom e ruim. Um dos comentários negativos sobre um campo de futebol da cidade foi que lá ;tem muita gente usando drogas;. Assim que os educadores ouviram a reclamação, começaram a debater formas de mudar os cenários da criminalidade.