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Projetos voltados à formação cidadã são saídas para transformar a educação

Iniciativas em escolas do DF auxiliam no desenvolvimento da autonomia de estudantes da infância à adolescência

Jéssica Eufrásio
postado em 22/02/2019 06:00
Comunidade de Aprendizagem do Paranoá: sem paredes para delimitar salas e com livros, computadores e materiais coletivos ao alcance de todos
Encontrar modelos de sucesso para resolver os problemas do ensino e da aprendizagem na rede pública é, há muitos anos, foco do trabalho de pesquisadores, educadores e do Poder Executivo. Enquanto diferentes governos adotam medidas uniformes na tentativa de melhorar o setor, integrantes da comunidade escolar levam à sala de aula iniciativas desenvolvidas com base na realidade dos alunos. Criar um ambiente de educação com foco na cidadania, na autonomia, no empoderamento e na coletividade está entre as principais propostas de quatro projetos implementados em colégios do Distrito Federal.

O Meninas.Comp é um deles. Criado em 2010, o programa surgiu para mostrar a estudantes do sexo feminino que o mundo da tecnologia também é para elas. Os trabalhos, coordenados por Aletéia Patrícia Favacho, doutora em ciências da computação e professora da Universidade de Brasília (UnB), ocorrem em cinco escolas públicas do DF e têm 350 participantes. O principal objetivo é despertar o interesse de alunas dos ensinos fundamental e médio por cursos superiores na área da computação.

Nos encontros semanais, as estudantes aprendem robótica, programação e a trabalhar com plataformas de prototipagem eletrônica. Aletéia conta que, no início do projeto, realizou uma pesquisa com cerca de 4 mil entrevistadas. O levantamento revelou que a falta de apoio da família e no meio social são os fatores que mais influenciam no baixo número de meninas nos cursos universitários tecnológicos. ;Muitos parentes acham que é ;coisa de menino;. E a sociedade também não investe, não apoia mulheres fazendo tecnologia. Apesar disso, cada vez mais, grandes empresas têm mudado esse cenário e colocado mulheres em destaque;, ressalta a professora.

Quem descobriu a vocação por meio do projeto extraclasse reconhece a importância dele. Aluna do quarto semestre de ciências da computação na UnB, Kailany Rocha, 19 anos, participou do Meninas.Comp em 2014. ;Mudou a minha vida. Antes do projeto, eu não tinha quase nenhum contato com tecnologia. Quando tive, aquele novo mundo foi muito encantador para mim. Ali, surgiu a minha vontade de entrar para a área;, lembra. Hoje, Kailany é uma das colaboradoras da iniciativa. ;Sempre ajudo no que posso, e queremos expandir a ideia para termos mais mulheres na área de T.I. (tecnologia da informação);, completa.

Literatura

A igualdade de oportunidades para homens e mulheres, além de outras questões inerentes à vida em sociedade, são alguns dos temas discutidos em mais um projeto: o clube Calangos Leitores. Cerca de 120 estudantes de quatro escolas do DF participam da iniciativa, que os coloca em contato com trabalhos de nomes clássicos e modernos da literatura, como Emily Bront;, George Orwell, Johann Wolfgang von Goethe e Lygia Fagundes Telles.

Uma vez por mês, alunos de 13 a 18 anos debatem as obras desses e de outros autores em encontros no turno contrário ao das aulas. Quem participa, ganha o livro da vez e, ao mesmo tempo, uma nova visão do mundo. ;Eu não tinha o hábito de ler. Antes do clube, lia, no máximo, cinco livros por ano. No projeto, passei a ganhar novos e a ficar sempre na expectativa de conversar sobre eles nas reuniões;, conta Iasminy Fernandes, 18. Estudante do 3; ano do ensino médio no Centro Educacional do Lago Norte (Cedlan), ela participa do projeto desde o início, em 2016.

Colega de turma de Iasminy, Rebeca Carvalho Vieira, 17, também integra o grupo do Cedlan. No caso dela, a paixão pela leitura surgiu por volta dos 10 anos. ;Minha mãe é empregada doméstica. Há alguns anos, a patroa dela me deu o livro Minha Vida Fora de Série, que tem 408 páginas. No início, eu não gostava de ler; então deixei a obra de lado por um ano. Quando decidi pegá-lo, terminei a leitura em dois dias;, relata, animada. ;Alguns dias depois, compramos o segundo volume da série, que também terminei muito rápido. A paixão pelos livros surgiu aí;, acrescenta a estudante.

Coordenadora da iniciativa ; que ficou entre as finalistas do Prêmio Jabuti na categoria Formação de Leitores ;, a escritora e dramaturga Claudine Duarte acredita que a literatura possibilita a humanização. ;O clube de leitura do qual participo sentiu a necessidade de levar nossa experiência de amadurecimento, como leitores e como pessoas, para adolescentes de escolas públicas. O prazer de ler é incrementado a cada mês, principalmente com a diversidade de gêneros que o projeto proporciona;, ressalta Claudine.
Alunos e professores do Centro Educacional do Lago Norte participam do clube Calangos Leitores

Interação

Modelo piloto no DF, a Comunidade de Aprendizagem do Paranoá (CAP) surgiu em maio. O diferencial da instituição de ensino se revela desde a estrutura física e se estende para a abordagem pedagógica adotada. Sem paredes para delimitar salas de aula e com estantes de livros, computadores e materiais coletivos ao alcance de todos, o espaço atende crianças do 2; período da educação infantil ao 4; ano do ensino fundamental. Os alunos desenvolvem-se incentivados pelo senso de coletividade e são divididos com base na fase de aprendizagem em que estão, individualmente.

Os professores deixam de ser o centro do processo educacional e instigam a autonomia das crianças. Em todos os encontros, elas têm espaço para sugerir o que gostariam de descobrir. Essas propostas são associadas ao conteúdo previsto na Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e trabalhadas durante as aulas. O diferencial do colégio é observado pelas crianças. ;Tudo aqui é na base da conversa. Eu, por exemplo, faço parte do grupo da organização. Ajudamos a arrumar a escola para não dar trabalho para a equipe da limpeza;, conta Ruth Caroline Sousa, 11 anos, aluna do 4; ano.

Cada estudante da turma dela recebeu uma responsabilidade associada à rotina escolar. Todas as oito foram estabelecidas em conjunto. Jociely Soares, 9, faz parte do grupo que cuida das atividades das aulas. Uma das missões dela é auxiliar a professora, Natália Oliveira, com o registro de quem recebeu e entregou as tarefas. ;Levo para casa o que aprendi aqui. Uma das coisas que faço é levantar a mão quando preciso pedir atenção e silêncio, ou o dedo, quando quero pedir a palavra. Minha mãe já sabe;, diz Jociely, que está na CAP desde o ano passado.

O projeto nasceu do desejo de um coletivo de professores da Secretaria de Educação e conta com apoio do educador português José Pacheco, criador da Escola da Ponte, experiência de sucesso em Portugal há 40 anos. ;Aqui, trabalhamos a expansão da prática para além dos muros do colégio. A ideia é desenvolvermos projetos que dialoguem para mudar a realidade da comunidade escolar;, afirma a diretora da CAP, Renata Resende. A expectativa dos idealizadores da proposta é de que o modelo seja levado para outras escolas do DF.

Sensação de pertencimento

Transformações coletivas e, consequentemente, individuais, também são possíveis por meio do projeto Re(vi)vendo Êxodos. Há 18 anos, a iniciativa visa despertar, entre outras capacidades, a sensação de pertencimento.

Os estudantes do 3; ano do Centro de Ensino Médio (CEM) Setor Leste desenvolvem, dentro e fora de sala, a relação com a própria identidade, o patrimônio e o meio ambiente. As atividades ocorrem ao longo de quatro bimestres e, em cada um deles, os grupos de alunos formados nas 14 turmas escolhem uma região administrativa do DF para estudar de forma mais aprofundada.

Identidade

Coordenador dos trabalhos desde 2002, o professor de história Luis Guilherme Baptista conta que a proposta é fazer com que os estudantes conheçam o ambiente que os cerca. ;Os alunos se dividem em grupos e produzem os materiais, em forma de portfólio, com folders, vídeos, painéis, cartazes;, detalha. O educador acrescenta que os 70 grupos percorrem as cidades e analisam-nas pelos vieses do patrimônio, meio ambiente e da identidade. ;O projeto é multidisciplinar. A avaliação ocorre em diversas matérias. Pedimos para que percebam o crescimento das cidades e como se inserem neste mundo. Os estudantes transformando-se em protagonistas da história;, pontua Luis Guilherme.

Cidades de Goiás e de Minas Gerais importantes para a história do DF entraram no roteiro das aulas e de pesquisas de campo. A iniciativa deu tão certo que ex-alunos, agora universitários, tornaram-se monitores do projeto. É o caso de Pedro Igor Mendes, 20, estudante de design gráfico. ;Falamos de nossa experiência, dos ganhos que tivemos. Na escola pública, é importante mostrar que alunos da rede têm sucesso sem depender de outros meios de formação. Outros colégios não procuram trabalhar desta forma, nem têm um papel voltado para criar um cidadão ou tratar o aluno como um agente social;, destaca.

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