Patrícia Nadir - Especial para o Correio
postado em 20/03/2019 06:00
;Minha mãe, a mulher mais inspiradora da minha vida, nascida 49 anos após a Abolição da escravidão, sempre repetia uma frase para os filhos que eu levo para vida: ;Quando disserem que vocês não cabem em determinado lugar, é para lá que devem ir;;. Foi com essas palavras que a professora Gina Vieira Ponte, brasiliense criadora do projeto Mulheres Inspiradoras, começou seu discurso de agradecimento ao receber, ontem, a Medalha Mietta Santiago.
A condecoração, oferecida pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, tem como objetivo valorizar iniciativas relacionadas aos direitos das mulheres e é entregue anualmente em março, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, em uma Sessão Solene de Outorga no Plenário Ulysses Guimarães.
Desde que criou o Mulheres Inspiradoras, a professora Gina teve seu trabalho reconhecido por premiações nacionais e internacionais. O projeto promove estímulo à leitura e à escrita autoral e fortalecimento à interpretação de textos entre estudantes dos últimos anos da educação básica. A proposta consiste em trabalhar com os alunos obras escritas por mulheres e que abordam temas como violência, racismo, empoderamento, diversidade, igualdade de gênero e representação feminina.
;Receber a Medalha Mietta Santiago é gratificante. Quando contemplamos mulheres que ocupam lugares representativos, damos visibilidade a exemplos que meninas das novas gerações podem seguir. Precisamos permitir que elas visualizem novos horizontes, subvertam as regras;, defende Gina. O projeto é a primeira iniciativa aplicada em sala de aula e, posteriormente, incorporada pelo Governo do Distrito federal: tornou-se política pública em abril do ano passado.
Tudo começou em 2014, quando Gina aplicou o programa em cinco turmas para as quais lecionava língua portuguesa. No ano seguinte, deu continuidade à proposta, em sete turmas. A professora também solicitava aos adolescentes que produzissem uma redação falando sobre uma mulher inspiradora na vida deles. Em março de 2016, os relatos dos alunos do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 12 de Ceilândia foram transformados em livro. Para a docente, é hora de as meninas ocuparem os lugares que elas querem e novas Marielles florescerem no país.
Exemplos
Ao lado de Gina, que recebeu a medalha de prata, quatro outras mulheres foram prestigiadas. A viúva de Marielle Franco, Mônica Benício, recebeu a medalha de ouro em memória da mulher, vereadora do Rio de Janeiro pelo Psol assassinada a tiros em 14 de março de 2018. ;É importante ter essa diversidade de mulheres sendo reconhecidas pelos seus feitos;, disse Mônica. ;Marielle recebe essa homenagem em memória de reconhecimentos de muitas figuras femininas importantes. É fundamental a gente lembrar dessas mulheres ainda com vida, mas é importante reconhecer Marielle pelas suas lutas a favor de pessoas que são violentadas por simplesmente existirem;, completou.
Receberam a medalha de platina a cientista Gabriela Barreto Lemos e a doutora em bioquímica Débora Foguel. Gabriela desenvolveu estudos que permitem a captação de fotografias por meio da reprodução de pequenos feixes de partículas, possibilitando a construção de uma imagem que não é visível a olho nu, como um ferimento interno no corpo humano.
Em discurso, ela agradeceu pela indicação do nome na homenagem. ;Só poderemos ser livres quando não houver mais nenhuma mulher presa. Agradeço aos meus pais que nunca me deixaram duvidar que uma mulher poderia dominar a matemática e a física. É uma honra receber essa medalha ao lado de mulheres tão singulares.;
Investimento
Gabriela destacou que o governo deve investir em educação e ciência e lembrou da redução drástica de recursos para as universidades públicas nos últimos anos. ;Nossas lutas estão apenas começando. Não vamos parar até que toda menina curiosa possa estudar. Dedico essa medalha a todas as mulheres brasileiras com brilho nos olhos e inquietação no coração que não tiveram a oportunidade de estudar;, ressaltou.
Débora Foguel, por sua vez, se dedica ao estudo dos mecanismos responsáveis pelo desdobramento incorreto das proteínas, que levam à formação de agregados amiloides, responsáveis por doenças como Alzheimer, Parkinson e polineuropatia amiloidótica familiar. ;Não podemos nos dar ao luxo de perder um único cérebro nesse momento, por isso é importante o investimento pesquisa;, afirmou. Hoje, ela é professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A médica Beatriz Bohrer de Amaral, que trabalha pela promoção da saúde da mulher, no diagnóstico precoce do câncer de mama e da osteoporose, foi condecorada com a medalha de bronze. Ela é coordenadora do Projeto Mulher & Saúde, que dissemina informação às mulheres sobre hábitos e cuidados necessários à saúde da família. ;Estou muito emocionada e honrada com essa homenagem. Com essa medalha, assumo o compromisso de continuar trabalhando em defesa das mulheres. Não cheguei aqui sozinha, tive o apoio de inúmeras mulheres e uma linda família.;
Direito ao voto
Mietta Santiago é o pseudônimo de Maria Ernestina Carneiro Santiago Manso Pereira. Nascida em Varginha, Minas Gerais, em 1903, a advogada impetrou mandado de segurança em 1928 questionando a proibição do voto feminino no Brasil. Mietta afirmou que isso violava a Constituição então vigente, que não vetava o voto feminino. Ela conseguiu o direito de votar e de concorrer ao cargo de deputada federal. Mietta Santiago morreu em 1995.