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Guias de alfabetização de crianças indígenas são lançados na Argentina

O material deve servir de base para ensinar uma segunda língua (o espanhol ou qualquer outra) a meninos e meninos que têm como idioma materno algum dialeto indígena, inclusive no Brasil

Ana Paula Lisboa
postado em 26/03/2019 20:49
Córdoba, Argentina - A qualidade do ensino do português e do ensino do espanhol está no radar da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), que pretende também promover o ensino do idioma lusitano nos países hispanoparlantes e vice-versa. A começar pelas zonas de fronteira entre o Brasil e as nações da América Latina e entre Portugal e Espanha. ;Acabamos de iniciar um projeto para estimular o ensino do espanhol e do português nas escolas de fronteira, por meio de trocas;, indica Mariano Jabonero, secretário-geral da OEI.
As cartilhas Dany
A entidade tem se preocupado também com garantir um bom aprendizado e boa alfabetização nessas línguas em comunidades indígenas, em que as crianças, em muitos casos, aprendem a falar em idiomas nativos antes de dizer as primeiras palavras em português ou em espanhol. Por causa disso, a OEI, o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e o Conicet (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, em tradução livre) apoiaram, na Argentina, a elaboração e a publicação de uma série de guias com o objetivo de auxiliar professores que atuam em escolas onde os alunos têm outro idioma materno e que precisam aprender o espanhol como segunda língua.
[SAIBAMAIS]
São as cartilhas Dany, que contam com versões para os alunos, a serem usadas em sala de aula, e edições próprias para docentes, com orientações de como aplicar o material. A série de publicações foi apresentada nesta terça-feira (26) durante o Festival da Palavra, que ocorre na cidade argentina de Córdoba, entre os preparativos para a oitava edição do Congresso Internacional da Língua Espanhol (Cile), que começa nesta quarta-feira (27). A série Dany é uma proposta pedagógica que promove a educação intercultural bilíngue, voltada a docentes dos primeiros dois anos da educação básica e, claro, destinada a meninos e meninas cuja língua materna seja indígena. A constituição da Argentina garante aos povos originários o direito a uma educação bilíngue e intercultural.
Verona Batiuk, da OEI; Barbara Briscioli, do Unicef; e Gladys Ojea, do Conicet
Uma das responsáveis pela publicação é Gladys Ojea, doutora em filosofia e letras e pesquisadora do Conicet. Ela explica que a série foi elaborada sem palavras, seguindo a ambição de que os guias sirvam para promover a alfabetização em outras línguas além do espanhol. ;Temos a missão ou a ilusão de que o Dany possa ser usado para ensinar outros idiomas como segunda língua, por isso é um livro de imagens;, diz. Assim o material poderia ser usado por profissionais brasileiros que dão aulas para indígenas. ;Pode ser usado, mas, claro, com adaptações para o contexto;, aponta Verona Batiuk, especialista em educação infantil do escritório da OEI em Buenos Aires.


Imersão

O contexto das crianças indígenas da Argentina foi fundamental para a elaboração da série Dany, que foi toda produzida a partir da realidade de um menino indígena. ;O Dany é uma criança de verdade. Com autorização e ajuda da família, acompanhamos toda a rotina dele e foi com base nisso que elaboramos as ilustrações. A família ajudou a fazer o livro;, conta Gladys Ojea. ;Recuperamos o material cultural dessa criança, as lendas da comunidade, os costumes;, afirma.
Detalhes da cartilha 1
Gladys e o resto da equipe desenvolveram um trabalho ao longo de dois anos, com práticas em escolas em zonas rurais da Argentina, que contam com estudantes indígenas, para preparar o guia. ;Nesse tipo de colégio, é preciso ter uma educação, pelo menos, em duas línguas: a alfabetização na língua materna e o ensino da segunda língua;, afirma. Nesses locais, como explica Gladys, o nível de conhecimento dos estudantes em espanhol varia muito. ;Às vezes, os alunos não têm qualquer contato com essa segunda língua. Outras vezes, têm algum contato e conseguem inclusive entender, mas não falar. Em outros casos, conhecem bem. Então, temos que lidar com diferentes níveis na mesma sala de aula;, aponta.
Detalhes da cartilha 2
;Não é o mesmo trabalhar com crianças com as quais você consegue conversar e com as quais você não consegue;, compara. Para ajudar os professores a lidar com esse desafio da melhor maneira possível, os guias Dany foram elaborados de forma que sejam aplicáveis a estudantes em todas as etapas; com exercícios e atividades próprias para cada um dos três níveis: 1) nenhum conhecimento de espanhol; 2) algum conhecimento de espanhol; 3) bom conhecimento do espanhol. Um aspecto interessante é que, segundo Gladys, isso permite que o material seja benéfico, inclusive, para as crianças que já que falam espanhol.
Verona Batiuk, especialista em educação infantil do escritório da OEI em Buenos Aires, observa que há muitos aspectos específicos dessas escolas que atendem a indígenas. Por isso, conhecer o contexto dessas comunidades é tão importante. ;Havia escolas com salas que reuniam crianças de diferentes idades e de diferentes linguagens, com calendário de aula muito interrompido. Isso porque as chuvas definiam se essas escolas funcionariam ou não, tanto pela estrutura quanto pelas estradas para chegar ao colégio;, exemplifica.
Em geral, destaca Verona, as escolas indígenas são as que enfrentam as maiores precariedades em termos de materiais e de estrutura. A fim de pensar maneiras de melhorar a alfabetização na língua materna e na segunda língua é que se executou um projeto piloto na região do Chaco, na Argentina. Ali, as 300 escolas da área, por meio de 396 professores, atendem 1.800 crianças.
É interessante ressaltar que entre o total de educadores, 86 são ;docentes auxiliares aborígenes;, que são indígenas da comunidade convidados a auxiliar as atividades em sala de aula. Os outros 310 professores são profissionais da área da educação. ;Os governos fizeram um esforço para designar um número crescente de professores assistentes indígenas que, na maioria dos casos não têm formação;, diz Verona.

*A jornalista viajou a convite da OEI

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