Bruna Lima
postado em 16/05/2019 06:00
Mais de 21 mil crianças de 0 a 3 anos estão na fila para conseguir uma vaga nas creches do Distrito Federal. O número supera o total de atendidos hoje, de aproximadamente 15,8 mil. Para começar a mudar esse cenário, o governo pretende abrir 6 mil vagas imediatas nas unidades de ensino públicas da capital que oferecem o serviço, e garante ter verba e estruturas físicas prontas para isso.
O que impede de tirar essa promessa do papel é o fato ser necessário firmar acordos com as entidades conveniadas, responsáveis pela gestão de todas as 112 creches do DF. A falta de confiança dessas instituições nos repasses do governo ; sob a justificativa de constantes atrasos, quebras de acordo e falta de diálogo ao longo de décadas de parceria ; faz com que os gestores não se arrisquem a abrir novas matrículas.
A Secretaria de Educação afirma que reverter o quadro é uma prioridade para este semestre. Desde o início do ano, ocorreram mais de 10 reuniões entre representantes do Conselho de Entidades de Promoção e Assistência Social (Cepas) e do governo com o objetivo de aproximar a relação de parceria.
Enquanto o Executivo local garante que há recursos e que vai honrar os compromissos daqui para a frente, a diretora do conselho, Karla Valadares, afirma que é necessário, primeiramente, ver as mudanças acontecendo. ;Somos pressionados para abrir as vagas, mas como confiar que haverá continuidade nos pagamentos? Por diversas vezes ao longo dos anos cedemos a tratativas e fomos prejudicados. Não podemos ser irresponsáveis e acreditar apenas em promessas, correndo o risco de não receber e ter que paralisar ou atrasar os salários;, reclama.
Uma das urgências é a revisão do valor repassado pelo Executivo, que deveria ter sido alterado três anos atrás. Para garantir material, alimento, produtos de higiene e qualquer item necessário para cada aluno, as conveniadas recebem R$ 747 da secretaria, mas o valor deveria estar em R$ 780. ;Fazemos milagre para oferecer o serviço de qualidade que prestamos com apenas esse montante. Digo mais: sem o aumento, vamos parar, porque não temos condições de manter nossas entidades funcionando;, diz.
De acordo com o secretário de Educação, Rafael Parente, a demonstração de que a gestão está comprometida em reverter esse caso não se dá apenas pelo fortalecimento do diálogo, mas pelo cumprimento dos repasses. ;Não atrasamos nenhum dia o pagamento e não vamos atrasar;, garante. ;Queremos zerar a fila até o fim da gestão, e vamos trabalhar para isso;, completa.
O principal motivo para que o governo tenha como meta reconquistar a credibilidade com as entidades conveniadas é a relevância das parcerias para manter o serviço. No DF, todas as gestões das 112 creches são feitas por conveniadas, sendo que 60 prestam o serviço em prédio próprio e 52 nos Centros de Ensino de Primeira Infância (CEPIs) ; prédios do governo que ficam aos cuidados das entidades.
Entre as previsões de 2019 para suprir a demanda está, também, a inauguração de dois CEPIs no primeiro semestre deste ano, que atenderão aproximadamente 300 crianças. Outras quatro creches estão em construção e devem abrir as portas para mais mil meninos e meninas até o fim do ano.
;Aprendemos e nos desenvolvemos mais nos mil primeiros dias de vida do que pelo resto de nossos dias. A forma como alimentamos, estimulamos e nos comunicamos com os bebês definirá quão saudável a pessoa será na adolescência e na vida adulta, a qualidade de suas relações, e até mesmo a facilidade em aprender algo novo. Precisamos abandonar o conceito de creche como repositório de bebês e crianças e compreender que é ali que estamos formando o futuro da humanidade;, justifica o secretário.
Cuidado
Para muitos pais, ter o filho matriculado em uma creche é sinônimo de oportunizar qualidade de vida e desenvolvimento para a criança e todo o núcleo familiar. A auxiliar administrativa Aline Bezerra é uma das mães que há mais de dois anos batalha por uma vaga para o filho. ;Sou mãe solteira e preciso trabalhar para pagar o aluguel e as contas. Estou tirando dinheiro de onde não tenho para uma babá cuidar do meu filho, sendo que ele deveria ser assistido pelo Estado;, lamenta.
Já a dona de casa Simone Rodrigues Alves, 34 anos, conseguiu matricular a filha mais nova, Sthefany, 3. Antes disso, no entanto, precisou travar uma batalha que poderia ter custado a guarda dos filhos. No fim de 2017, Simone descobriu que a primeira dos quatro filhos estava com câncer. ;Precisava acompanhar a minha mais velha no tratamento e não tinha onde deixar a caçula. O dinheiro ia para remédios, fraldas, para as contas. Não tinha jeito de pagar alguém e eu tive que deixar os meus filhos de 8 e 10 anos revezando para cuidar da bebê;, confessa.
A atitude desesperada tomada por Simone não é rara, principalmente em caso de mães solteiras, que precisam da renda do trabalho para sustentar a família. A recorrência de casos como esse é um dos principais desafios dos conselhos tutelares do DF. ;Ficamos de coração cortado ao ver uma mãe desesperada indo buscar o filho e recebendo uma advertência. Entendemos a dificuldade, mas é nosso dever cumprir a lei e zelar pelas crianças. Precisamos de ferramentas para ajudar essas famílias, que são justamente as mais necessitadas;, reivindica o conselheiro tutelar do Riacho Fundo 2 Wallace de Oliveira Bill.
De acordo com a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um terço das crianças de 0 a 3 anos, pertencentes ao grupo dos 20 % mais pobres do país, está fora das creches por falta de vaga. Entre os 20% com renda mais alta, esse problema afeta 6,9% das crianças.
No Distrito Federal, a relação não é diferente. Apenas 16,2 % dos meninos e meninas até 3 anos das famílias com renda média de R$ 2,4 mil estão em instituições escolares, enquanto nas casas cuja média salarial é de R$ 15,6 mil, o índice sobe para 40,3%. No entanto, para os que podem arcar com as mensalidades e colocar os pequenos nas instituições privadas, sobram vagas, ao contrário do que ocorre na rede pública.
Para Hellen Louise Mota, gestora do Centro Comunitário da Criança, em Ceilândia, não garantir o acesso aos primeiros anos da educação infantil é um dos fatores que impossibilita que a população de baixa renda tenha ferramentas para mudar a própria realidade. ;Em linhas gerais, privar este atendimento nos primeiros anos de vida é o mesmo que não construir uma base sólida e, sem a estrutura necessária, esse indivíduo fica para trás profissionalmente, emocionalmente e psicologicamente.;
Para saber mais
Regras para matrícula
Para tentar uma vaga em creches no DF, é necessário que a família cadastre a criança ligando no 156. Têm prioridade os nomes que somarem mais pontos nos cinco critérios de vulnerabilidade: quando a mãe é trabalhadora, família de baixa renda, medida protetiva, risco nutricional e mãe adolescente. Informações pelo site: se.df.gov.br.