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MEC encontra irregularidades e suspende contratos de consultores

Apesar de suspeita, ainda não é possível indicar dolo ou culpa. A pasta anulou acordo de assistência técnica firmado com OEI. Desde 2008, o ministério repassou R$ 178 milhões para a entidade a partir de contratos considerados suspeitos

Ana Isabel Mansur*, Beatriz Roscoe*
postado em 04/07/2019 15:17

O ministro, Abraham Weintraub, com servidores do MECEm entrevista coletiva nesta quinta-feira (4), o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou que foram identificados indícios de irregulares em prestações de consultoria técnica no MEC (Ministério da Educação). Todos os contratos suspeitos foram anulados e os consultores, desligados, como publicado no Diário Oficial da União de 10 de junho.

De acordo com o ministro, são contratos derivados de um acordo ativo desde 2008 e somam R$ 178 milhões em valores nominais. Segundo o órgão, 89 consultores, que trabalhavam como colaboradores da pasta, foram desligados do MEC, dos quais 50 eram da área de TI (tecnologia da informação). No entanto, havia colaboradores com contratos irregulares em todas as áreas do órgão, segundo a secretária-executiva substituta da pasta, Maria Fernanda Bittencourt.

Os salários dos consultores ; que não tinham vínculo empregatício com o MEC ;variavam entre R$ 6 mil e R$ 12 mil. A cada ano o acordo era renovado, o que não ocorreu em 2019. "Os contratos, na nossa visão, eram irregulares a ponto de justificar a anulação", disse o ministro. "A primeira decisão foi suspender tudo que pudesse estar errado", aponta.

Todos os contratos problemáticos tinham relação com a OEI (Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura): o MEC passava um montante financeiro para a OEI que contratava as consultorias e fornecia a mão de obra. Os trabalhadores eram pagos pela OEI, mas escolhidos e selecionados pelo MEC. O acordo difere do padrão jurídico adotado pelo governo federal.

;Ainda não dá para identificar de cara alguma irregularidade além de vícios formais;, afirmou o consultor jurídico do MEC, Rodrigo Pirajá. ;Ainda não temos elementos suficientes para concluir outras irregularidades além das irregularidades de processos formais dos acordos. O que precisamos saber é se os produtos entregues estão em acordo com o prometido;, explica Pirajá.

Agora será apurada a responsabilidade da questão. ;Pode ser uma mera irregularidade sem punição a ninguém, ou pode descambar em uma improbidade administrativa;, explica Pirajá. O pente-fino nos contratos do MEC começou quando Ricardo Vélez Rodríguez ainda era ministro da Educação, quando ele deu início à "lava-jato da educação".

Faltou cumprimento de formalidades

Segundo Pirajá, acordos desse tipo são comuns e regulares, desde que obedeçam o Decreto n; 5.151/2004, que determina a exigência de uma série de procedimentos e formalidades. O acordo específico não passou por esses processos.

Abraham Weintraub: Os órgãos de controle foram acionados e as irregularidades detectadas foram repassadas, nesta quinta-feira (4) ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Ministério Público Federal (MPF). Outros contratos e acordos estão sendo analisados.

;Não estou acusando ninguém de roubo, não estou acusando ninguém de dolo. Quem vai definir isso são os órgãos responsáveis;, afirmou o ministro Weintraub. De acordo com o MEC, este tipo de prática aumentou ao longo do tempo. Somente neste acordo com a OEI, foram repassados R$ 4,4 milhões à OEI em 2008.

Em 2018, o valor foi de R$ 37,4 milhões. O último repasse foi feito em 2018. Não houve repasse este ano. O Ministério da Educação tem outros acordos parecidos, inclusive com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). ;Mas não foram encontradas outras irregularidades em outros acordos;, pondera Weintraub.

"Não é possível apontar um culpado"

Por enquanto, de acordo com o ministro Weintraub, não é possível apontar um culpado. "Não necessariamente há irregularidade no mérito. Não se pode concluir sem prévia apuração de responsabilidade", afirmou Rodrigo Pirajá, consultor jurídico da pasta.

"Os valores eram gastos com funcionários, mas não necessariamente correspondiam à totalidade dos salários", afirmou a secretária-executiva substituta da pasta, Maria Fernanda Bittencourt. De acordo com o ministro, não houve prejuízo para a continuidade de atividades do MEC. "Não somos órgão para julgar. Encaminhamos para o MPF, CGU e TCU, eles vão dizer o quão errado foi."

"Está sendo verificado se os valores eram corretos, se houve desvio de funções. Eles entregavam produtos, de acordo com plano de trabalho. Não é mão de obra em si. O relevante é se os produtos estavam alinhados com o plano de trabalho", afirmou Rodrigo Pirajá.

Entenda algumas das irregularidades encontradas pela equipe jurídica do MEC:

  • O MEC não elaborou um projeto básico da proposta. Foi a OEI que apresentou um programa de assistência técnica.
  • Não houve prévia aprovação pela Agência Brasileira de Cooperação, do Ministério das Relações Exteriores.
  • Houve ausência de envio dos autos e das minutas de acordo para análise pela consultoria jurídica do MEC.
  • Faltou a publicação do termo de acordo no Diário Oficial da União.

Encontro marcado com a imprensa

O Ministério da Educação convidou jornalistas para entrevista coletiva do ministro, Abraham Weintraub, nesta quinta-feira (4), às 15h. A pasta não informou o assunto da conversa até que a imprensa chegasse ao local, quando se descobriu que o objetivo do encontro era anunciar contratos irregulares de consultores que atuavam no MEC.

Confira, na íntegra, nota enviada pela OEI sobre o assunto:

"A Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), é um organismo intergovernamental de cooperação internacional com 70 anos de trajetória, presença e atividade nos 23 países membros da Organização.

A OEI tomou conhecimento, com surpresa, da recente decisão do Ministério da Educação do Brasil de decretar nulidade do um acordo firmado em fevereiro de 2018. Uma decisão unilateral da atual gestão do MEC, uma vez que a OEI não foi convidada para ser ouvida, em nenhum momento, no decurso do processo, nem ao menos foi solicitado qualquer aporte de informação complementar ou para esclarecimento.

A Organização ressalta seu total compromisso com a transparência e garante a regularidade de todos seus contratos. A OEI desconhece qualquer irregularidade ou falta de lisura, tanto que se colocou à disposição da atual gestão do MEC para oferecer esclarecimentos e sanar eventuais dúvidas.

Insistimos que em 2019, a Organização dos Estados Ibero-americanos completa 70 anos de trabalho em benefício da população Ibero-americana e de seus 23 Estados-Membros, sempre marcado pelo compromisso inconteste com a melhoria da qualidade da educação e do desenvolvimento científico e cultural da região. E é por isso que a Organização detém tanta presença e atividade na região, graças à confiança que é oferecida pelos países que a integram.

Atuando no Brasil desde 2001, a OEI guarda larga e profunda experiência de atuação junto ao Estado brasileiro, em parceria com os órgãos da administração pública direta e indireta, incluindo o Ministério da Educação.

A OEI, assim como outros organismos internacionais, contribui para o desenvolvimento de projetos relacionados às suas atribuições, contando para isso com o apoio técnico e financeiro dos países no desenvolvimento de estratégias para promover a construção de uma agenda regional ibero-americana.

São exemplos de ações no campo da educação o Programa de Bilinguismo com foco no fortalecimento da língua portuguesa, incluindo a atuação junto a escolas de fronteira, o Programa Primeira Infância e Educação, o Programa Ibero-americano de Educação em Direitos Humanos, Democracia e Cidadania, do Programa de Mobilidade ; aprovados na Cimeira Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo, entre tantas outras ações desenvolvidas a partir do apoio dos estados membros da OEI, sem o qual esses programas tornam-se inviáveis.

De mais a mais, não se pode deixar de esclarecer que cooperações similares vêm sendo celebradas, há muitos anos, inclusive neste ano de 2019, por diversos outros órgãos do Governo brasileiro e com diferentes organizações internacionais, inclusive com aquelas das quais a República Federativa do Brasil não é Estado-membro ou com as quais não celebrou acordos-quadro de cooperação.

Enquanto um organismo internacional intergovernamental, do qual o Brasil é membro integrante, a OEI entende a importância da cooperação interacional para o desenvolvimento e aprimoramento das políticas educacionais brasileiras, motivo pelo qual mantém total interesse na continuidade da parceria com o Ministério da Educação, razão pela qual aguarda mais informações sobre o processo para que possa se posicionar adequadamente a respeito do tema, prestando os esclarecimentos que se façam necessários.

Ainda assim, indicamos que a OEI é auditada anualmente por auditoria externa independente, por auditoria interna e pela União Europeia. Por sermos pautados pela transparência, já oferecemos ao Ministério da Educação todas as informações e até o presente momento não recebemos nenhuma resposta. Indicamos, da mesma forma que tentamos realizar reunião com o Ministro da Educação há meses.

Esperamos poder esclarecer quaisquer dúvidas ou questionamentos e, para tanto, seguimos à disposição."

*Estagiárias sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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