Ana Isabel Mansur*
postado em 24/07/2019 06:00
Três estudantes do Centro de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e Técnica do Gama (Cemi Gama) criaram um aparelho que resfria bebidas em poucos minutos. Batizado de ColdStorm, o protótipo tem como base placas de Peltier e coolers de computador, extraídos de lixo eletrônico. Adrielle Dantas, 17 anos, Raffaella Gomes, 17, e Gabrielly Vilaça, 16, são alunas do 3; ano do ensino médio e fazem parte do projeto de iniciação científica.
Elas vêm amadurecendo o conceito do projeto desde 2017, quando cursavam o 1; ano. A ideia surgiu enquanto Adrielle almoçava. ;Eu tinha chegado da escola e fui comer. Percebi que minha comida estava fria e meu refrigerante, quente. Justamente o contrário;, conta a estudante. ;Aí, pensei: ;Por que não existe um aparelho que gela tão rápido quanto um micro-ondas esquenta?;. Foi o que precisava para a gente começar a trabalhar;, explica a adolescente.
O aparelho é um protótipo em fase de testes. Ele alcança o objetivo em seis minutos, mas as meninas querem reduzir o tempo para até um minuto. ;Faltam ajustes técnicos. Precisamos melhorar o isolamento, não pode haver contato do ambiente externo com o interno;, comenta Adrielle. ;O aparelho precisa estar totalmente isolado para chegar a baixas temperaturas mais rápido. Essa fase de testes também é de muitos estudos;, reflete a aluna.
Embora o ColdStorm tenha ficado conhecido como um tipo de ;micro-ondas ao contrário;, as jovens inventoras esclarecem que o aparelho não é literalmente isso. A diferença é notável por quem entende de ciência. ;O micro-ondas usa as ondas para agitar as partículas de água no alimento e esquentá-lo. O processo inverso seria justamente parar a partícula por completo;, comenta Adrielle.
Raffaella completa dizendo que elas partiram de alternativas possíveis, pois seriam necessários laboratórios melhor equipados e ferramentas adequadas para fazer o processo inverso. ;O zero absoluto, em Kelvin, já foi obtido em laboratórios específicos, com os materiais necessários. Se conseguirmos ter acesso a um, seria ótimo. Mas, por enquanto, as placas Peltier são o que está ao nosso alcance;, afirma a estudante.
Internacional
A montagem do aparelho foi feita em duas semanas, em 2018, para a feira interna da escola daquele ano, a 9; Exposição de Ciência e Tecnologia (ExpoCemi), em que as alunas receberam o convite para participar da 4; Exposição de Ciências, Engenharia, Tecnologia e Inovação (Expoceti), em Pernambuco.
O evento ocorreu entre 24 e 30 de junho, em São Lourenço, e reuniu 4 mil visitantes. Adrielle,
Raffaella e Gabrielly foram premiadas na exposição e, com isso, convidadas a participar da 12; Muestra Científica Latinoamericana (MCL), que será na cidade de Trujillo, no Peru, entre 9 e 14 de setembro.
;Foi tudo muito rápido. Da noite para o dia, surgiu muita gente interessada no projeto. Até agora ainda não caiu a ficha;, diz Adrielle. Por causa da oportunidade de ir ao Peru, as alunas abriram um financiamento coletivo on-line, para arrecadar R$ 22 mil. ;Com o dinheiro, além de custear a ida para o Peru, vamos aperfeiçoar o ColdStorm;, explica Raffaella.
Diferenciais
De acordo com o trio de inventoras, o tempo é um dos grandes diferenciais do ColdStorm. ;A gente sabe que há produtos que refrigeram bebidas, mas não no tempo que queremos;, justifica Raffaella. ;Sabemos de geladeiras que também usam partículas Peltier. Tem até um rapaz com vídeo no YouTube que gela a bebida em duas horas. É tempo demais;, continua a aluna. As estudantes destacam, ainda, o potencial portátil do Cold Storm, mas são autocríticas e estão em busca de melhorar.
;Queremos diminuir o peso dele e melhorar a questão estética. Como o aparelho usa placas de aço, pesa cerca de 3kg. O protótipo ainda é muito grosseiro;, avalia Adrielle, modesta. Outro diferencial do aparelho apontado pelas estudantes é a sustentabilidade. ;O ColdStorm tem baixo custo de energia;, diz Raffaella. ;E nós reaproveitamos lixo eletrônico daqui da escola mesmo. Pegamos coolers de sucatas de computadores do laboratório e combinamos com placas Peltier;, completa a jovem pesquisadora.
Por enquanto, as adolescentes não pensam na comercialização do produto. ;Estamos na fase de teste, mas é uma coisa a se pensar no futuro, sim;, diz Rafaella. A orientadora do projeto de Adrielle, Raffaella e Gabrielly é a professora de inglês Maria Zilma Conceição, que vai acompanhá-las na mostra peruana. ;Esse projeto de iniciação científica ocorre há 10 anos e tem dado muitos frutos. O intuito é despertar os alunos para a ciência e para a pesquisa, colocando a mão na massa seja em um produto, seja na área social, seja aprendendo outras disciplinas;, observa a docente.
Escola reconhecida
Esta não é a primeira vez que uma iniciativa de alunos da escola ganha destaque. ;Novos projetos surgem a cada ano. Já recebemos prêmios na Colômbia e no México. O intuito da iniciação científica é justamente esse de o aluno pesquisar, buscar uma coisa nova e chegar ao resultado prático;, afirma o diretor do Cemi Gama, o professor de matemática Lafaiete Formiga.
Um dos projetos do Cemi Gama que teve reconhecimento internacional recentemente foi o Dínamo, que converte energia mecânica em energia elétrica para reaproveitamento em esteiras de indústrias. Os estudantes responsáveis pela ideia foram premiados em março, no México. ;
Lafaiete Formiga cobra mais incentivo governamental para a pesquisa e a ciência na educação básica. ;Em outros lugares, o próprio governo da unidade federativa banca a participação dos estudantes em feiras e exposições. Aqui, no Distrito Federal, é uma dificuldade. Corremos atrás de emenda parlamentar, de editais e nada;, comenta. Adrielle conta que elas e a escola se viraram como puderam para levantar a quantia necessária para ir à Expoceti. ;A gente fez uma galinhada para arrecadar o dinheiro. Agora, para irmos ao Peru, estamos nos mobilizando porque não tem apoio nenhum do governo;, lamenta a estudante.
;Quando estávamos em Pernambuco, os alunos de lá comentavam ;nós viemos custeados pelo município;, ;ah, o estado pagou nossa viagem?; A gente falava ;viemos graças ao nosso diretor (que pagou do próprio bolso a passagem do professor que acompanhou as meninas na viagem) e às rifas e galinhada que fizemos;, conta a aluna. ;As pessoas não conseguiam acreditar e diziam: como assim vocês são da capital federal e não tem apoio?;, completa Raffaella.
*Estagiária sob supervisão de Ana Paula Lisboa
Ajude
Doe recursos para as estudantes pelo link www.vakinha.com.br/vaquinha/coldstorm-em-peruPastilhas termoelétricas
As placas de Peltier são pastilhas termoelétricas, normalmente de cerâmica, que usam tecnologia de matéria condensada para operarem como bombas de calor, dissipando-o. A operação é baseada no efeito Peltier, descoberto em 1834. Quando uma corrente é aplicada, o calor se move de um lado para o outro e deve ser removido com um dissipador. No caso do ColdStorm, o sistema de refrigeração usado para dispersar o calor é o cooler à base de ar, um ventilador que gira constantemente. Ao longo do corpo do ColdStorm, há diversos coolers em ventilação.