Sugiro ao governador que repense
;Eu acho que o Brasil tem muitos problemas na educação. E, muitas vezes, as pessoas pensam que, por conta de uma certa indisciplina, que é típica da juventude de hoje e da dificuldade da escola de lidar com isso, que isso poderia ser resolvido numa gestão partilhada entre Educação e a Polícia Militar ou os bombeiros. É verdade que, no curto prazo, nas experiências que vêm acontecendo, isso tem trazido um impacto positivo no desempenho escolar. Mas é importante lembrar também que não é essa a disciplina de que nós precisamos no século 21, em que o trabalho humano tende a ser substituído por robôs. Não é robotizando as crianças que a gente assegura um desempenho educacional de longo prazo, especialmente um desempenho para o século 21. Quando começaram as experiências, eu falei: eu não tenho nada contra a se fazer experiências com gestão partilhada, sem a fantasia de que isso se transformará nas escolas militares, próprias do Ministério da Defesa, que aí é uma outra lógica, voltada para os filhos da família militar e mais alguns que passam num concurso para isso. O que nós precisamos é que essas experiências, onde elas acontecerem, sejam de acordo com a vontade da comunidade escolar. Então, se a comunidade escolar não quer esse experimento, por que impor à força? Começa errado, aí já não é mais um experimento, começa a ser uma imposição. Eu sugeriria ao governador que repense essa decisão.;
Claudia Costin, fundadora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe), ex-diretora sênior para Educação do Banco Mundial e ex-secretária de Educação da cidade do Rio de Janeiro
Defendemos gestão democrática
A comunidade tem que querer
"A primeira coisa que é importante reconhecer é que existem desafios de indisciplina, de desordem, às vezes, de violência, que têm de ser enfrentados. São problemas que não devem ser jogados para debaixo do tapete. Mas acho que existem experiências no Brasil, no mundo e na literatura que dizem que medidas como essa, que têm a ver com militarização, pode até ser que dêem resultados em curto prazo, como sensação de segurança, mas não são sustentáveis, não criam a base para uma mudança estrutural que implica compartilhamento de visões, engajamento dos professores, dos estudantes e das famílias na mesma direção. Em geral, quando você consegue ir nessa direção, de uma gestão que tem escuta atenta, mas que tem firmeza, você muda os parâmetros que estavam gerando situações de desordem, de indisciplina. Você cria confiança, não fica uma relação de ;nós contra eles;, mas uma relação que permite ser reflexivo, ser crítico.
[SAIBAMAIS]A comunidade tem que querer a militarização. Quando a comunidade quer a militarização, é outra história. Mas, mesmo quando querem, é preciso pensar nos impactos de médio e longo prazo. É mais grave quando a comunidade escolar não quer uma solução desse tipo.A questão chave em qualquer ambiente de ensino e aprendizagem é você criar relações de confiança sólidas. Para lidar com indisciplina, violência e desordem, os caminhos que dão certo, em regra geral, passam pelo processo de escuta atenta, processo de entendimento do que está acontecendo naquele território para que a escola seja um espaço de troca e de tolerância. Então, você não pode desconsiderar os problemas, mas precisa manter o foco no estudante, que não se dá pelo controle, pela vigia, pela revista; O foco no estudante se dá por redefinição desse ambiente a partir da construção de uma relação de confiança. Para fazer as mudanças do clima escolar que gerem relações de respeito e ordem, com valorização do professor e do estudante, você precisa criar um clima de confiança entre os vários atores dessa escola, entre os pais, os alunos, os professores e, sem dúvidas, medidas mais rígidas e autoritárias que não procurem o diálogo não vão ao encontro de criar esse clima de confiança. Os protestos (contra a decisão do governador de impor o modelo de gestão compartilhada contra a vontade da comunidade escolar) são um efeito secundário decorrente disso. E o principal, que é o clima da escola, desse jeito, só piora. Se os atores dessa escola, os pais, os alunos, não compartilham dessa solução, você cria mais tensão. A variável chave é que você precisa distensionar, você tem que criar um ambiente saudável de aprendizagem."
Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, economista, ex-secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação
Por que impor?