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A chegada da BNCC ao CNE

Eu, Estudante
postado em 30/08/2019 18:53
Ivan Cláudio Pereira Siqueira*

A conflagração política que culminou com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016 teve repercussões não triviais na Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE). De modo inédito na história do CNE, em 28 de junho de 2016 foram revogadas as nomeações de sete conselheiros para a CEB, três das quais de reconduções. Na sequência, 13 dias depois, os novos conselheiros indicados tomaram posse sob uma pesadíssima atmosfera. Manifestantes esbracejavam dentro e fora do plenário, e com dificuldade os conselheiros conseguiram adentrar o recinto. Foi um dia triste.
A celeuma político-partidária que fez resplandecer a divisão na sociedade brasileira entre ;nós; e ;eles; adentrou o CNE. Quando o documento do Ministério da Educação (MEC) ali chegou em 6 de abril de 2017, seguramente não foi apreciado apenas em função das suas qualidades e temeridades, mas, como os corvus oculum corvi non eruit, as coisas foram se ajeitando e a discussão nacional dos problemas da Educação voltou ao cenário. Foi um tempo difícil e desafiador, porém de muito aprendizado, de procurar conexões entre a grandeza dos problemas do cotidiano escolar e o apequenamento de muitos dos acalorados embates travados ; ;farinha pouca, meu pirão primeiro;. Por outro lado, dedicação e seriedade nos melhores esforços de muitos educadores para a Educação do País. No entanto, a politização das questões dificultava o diálogo em busca de melhores formulações. De qualquer modo, ficou a impressão de que o Brasil tem mais inteligência do que conseguiu utilizar ao longo do processo.

Em meio a tudo isso, parece insofismável a nossa incapacidade de responder a desafios como os 2,5 milhões de alunos entre 4 e 17 anos fora da escola. Poderia a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ser uma espécie de embrião para um projeto de País em que a Educação se tornasse a base sólida de uma sociedade que reconhece as mazelas e as virtudes da sua história, mas que não se deixa imobilizar pelos seus desafios? Era essa a aposta!

Para mim, o processo de construção da BNCC no CNE desvelou outros muitos problemas que assolam a Educação Básica em nosso País. Há muitas dimensões possíveis para o traçado: mapa das desigualdades, mapa da violência, do encarceramento e do genocídio da juventude pobre e preta, mapa da desesperança e mapa do cinismo dos que professam crença diversa dos atos que regularmente praticam.

Mas há também a arquitetura dos sonhos e da esperança dos que trabalham para que não apenas seus filhos e filhas possam usufruir de uma Educação humanística que não descuide da cultura digital, da inteligência artificial, dos valores democráticos, da arte, do respeito e valorização das diferenças e do apreço pelo convívio fraterno entre humanos, outras espécies e a natureza.

Por acreditar que é possível corrigir os erros do passado e do presente em busca de um futuro melhor imaginado por muitos antecessores é que me mantive participante da BNCC até o fim, no limite e muito além das forças e das possibilidades utópicas das circunstâncias, mas sem esquecer, como ressaltava Martin Luther King, que os privilegiados não abrem mão voluntariamente de seus privilégios.

Ivan Cláudio Pereira Siqueira é presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CEB/ CNE), é doutor em letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e professor na Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP). Está lançando o livro ;BNCC: Educação infantil e ensino fundamental;, parceria entre a Fundação Santillana e o CNE.

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