Emilly Behnke
postado em 16/12/2019 06:00
[FOTO1]O alimento no prato da merenda do aluno, além de fonte de nutrientes, pode ser fonte de aprendizado. Da semente plantada até a comida na mesa são inúmeras as possibilidades de ensino. É por meio dessa visão que escolas como o Jardim de Infância da 404 Norte trabalham desde cedo a importância do plantio saudável de alimentos. A iniciativa não é um caso isolado. Outras escolas da rede pública do Distrito Federal também cultivam hortas ou têm projetos voltados para o consumo de orgânicos e a sustentabilidade.De acordo com a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF), existem 127 hortas escolares na rede pública do DF, conforme o levantamento mais recente, feito no ano passado. A pasta informou que, no ensino infantil, a prática é estimulada com intuito de integrar pedagogicamente a escola com a horta e promover a educação alimentar e ambiental.
Os vegetais plantados são utilizados na merenda das unidades escolares. Assim, o aluno desde cedo aprende de onde vem o alimento que está no seu prato. Para a diretora de Alimentação Escolar da Secretaria, Kelen Pedrollo, a melhor estratégia para propagar os ideais da alimentação equilibrada e nutritiva é investir em ações na educação infantil, de 0 a 5 anos. ;É com essa clientela que trabalhamos melhor a ressignificação da alimentação. Eles estão mais predispostos a acolher essas ideias e criam um senso crítico para experimentar coisas novas;, explicou.
Trabalhar com os pequenos permite ganhos a longo prazo. ;O objetivo é que se tornem adolescentes e adultos saudáveis, com uma alimentação que reflita em qualidade de vida;, ressaltou. São promovidas semanas temáticas ao longo do ano para conscientizar os alunos. Além disso, cada regional de ensino tem autonomia para aplicar projetos paralelos voltados para a alimentação.
Semeando educação
No Jardim de Infância da 404 Norte, o projeto Por um mundo melhor vai além da educação alimentar e aborda as ideias de reúso e reciclagem da água, dos materiais e dos alimentos. ;Desde 2003, trabalhamos em diversas áreas da alimentação saudável e do cuidado com a natureza;, contou Rosiara Moreschi, 53, diretora da escola.
Todo ano, a instituição acrescenta uma nova atividade ao projeto. ;Agora, começamos com o reúso da água, porque, na época em que teve a crise hídrica, a regional de ensino pediu para suspender a horta para não gastar tanta água;, disse a educadora. Rosimara comenta que os alunos, de idade entre 4 e 5 anos, têm grande apego pela atividade, e, por isso, a escola buscou alternativas para não suspendê-la.
;Por dia, jogamos fora 5 mil litros de água só onde eles (os alunos) lavam as mãozinhas e escovam os dentes. Corremos atrás e agora temos um sistema de tubulação com filtragem que leva a água para a horta;, relatou. Para a instalação do sistema de reciclagem de água, a escola contou com a parceria da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF) e com doações de pais dos alunos.
A unidade tem uma compositeira para adubar a horta e a criação de abelhas jataí para a produção de mel. Segundo a diretora, os alunos se envolvem em todas as etapas de cuidado e manutenção. ;Ensinamos tudo que envolve o plantio, crescimento, colheita e consumo dos alimentos. Plantamos o que eles gostam e tentamos reutilizar tudo, inclusive as cascas;, completou.
Dos produtos da horta, a alface é o preferido de Bernardo César Gomes Soares, 6 anos, um dos 180 alunos do Jardim de Infância. ;Acho a horta muito legal para a alimentação da gente. Eu gosto de alface porque não é nem mole, nem duro;, contou. Já para Lorenzo Meireles Ribeiro, 5 anos, o mais interessante é a prática do plantio. ;Verde é minha cor preferida, e eu gosto muito de achar as minhocas na terra.;
Plantio diferente
Alface, alho-poró, salsa, coentro, cebolinha e morango. Esses são alguns dos alimentos plantados na horta da Escola Parque da 313/314 Sul. A diferença é que eles são cultivados na água e nutridos pela matéria orgânica de peixes. O sistema de aquaponia foi implementado em 2018 e conta com o apoio da Emater-DF e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A iniciativa busca promover o contato com a natureza e a aprendizagem integrada de conteúdos curriculares. A instituição existe desde 1977 e é destinada a promover atividades que complementam o currículo escolar das Escolas Classe. ;Trabalhamos com a parte da promoção da saúde, e a gente queria alguma coisa que pudesse trazer uma diferença no aprendizado das crianças;, informou o professor Renato Moraes, 41, responsável pelo projeto.
Composto por cerca de 180 peixes de oito espécies, o sistema combina, em um ambiente de troca de água, o cultivo de plantas com a criação dos animais. ;Temos a produção de alimentos, que os meninos consomem, e a parte dos peixes, que ainda não conseguimos fornecer para eles por conta da afetividade desenvolvida com os animais;, destacou Renato.
Professor de artes visuais, Renato busca envolver as atividades da aquaponia com os conteúdos artísticos, além de toda a ciência envolvida no sistema, como os conceitos de biologia, química e botânica. ;Os alunos fazem tudo e sabem tudo. Entendem todo o processo.; E a diversão é garantida em todas as etapas, especialmente em dias de colheita. ;Se deixar eles vão comendo tudo enquanto a gente colhe e não dá nem tempo de levar para o refeitório;, brincou.
Crianças de 9 a 11 anos participam das atividades de aquaponia. Uma delas é Sofia Noleto Pereira, 11 anos, aluna que acompanhou a implementação do projeto. ;Eu gosto do processo de reutilização da água e da filtragem, porque é o que alimenta as plantas;, comentou. A estudante também gosta de comer o que é plantado. ;Tudo é gostoso. Adoro cebolinha, tomate, manjericão no macarrão e morango, que é minha fruta preferida.;
O que também agrada os alunos da escola é a interatividade com os peixes do tanque. Para Beatriz Ferreira Cavalcante, 11 anos, essa é a melhor parte de todo o processo e a que mais contribui para o aprendizado. ;Minha tia fez uma aquaponia, e eu cuidei de um peixe que estava machucado, porque eu aprendi como fazer aqui;, explicou. A aluna destaca que sente orgulho pelo projeto desenvolvido, pois o acompanhou desde o início e até desenvolveu um semelhante na própria casa, em menor proporção, com a ajuda dos pais.
Cor no prato
A descoberta de novos sabores é um dos pilares para desenvolver a consciência alimentar nas crianças desde cedo. É assim que o projeto Colorindo a alimentação busca ensinar crianças de 4 a 5 anos, em dois colégios no Guará. A Escola Classe 7 da região é uma das unidades a receber a iniciativa, que começou neste semestre.
Para Fernando Gabriel de Vasconcelos, 62, diretor da escola, o colégio é privilegiado por ser participante das iniciativas nutricionais promovidas pela regional. ;A educação (alimentar) é fundamental na formação das nossas crianças. Fico feliz de termos esse acompanhamento, porque essa área é considerada uma área vulnerável e de estruturação familiar indefinida;, afirmou.
A instituição também recebe o projeto Escola saudável, iniciado em 2017 e voltado para alunos do ensino fundamental. As duas iniciativas ocorrem por meio de encontros, que incluem oficina culinária e oficina de horta. Cerca de 2 mil alunos foram atingidos pelas ações. A nutricionista da Regional de Ensino do Guará, Lívia Bacharini, 37, é uma das profissionais responsáveis pelos projetos.
;Nosso objetivo é que os alunos extrapolem essa barreira da alimentação saudável para a vida deles para conseguir ter escolhas alimentares corretas, com autonomia de saber o que é saudável e o que não é;, esclareceu Lívia. Os projetos surgiram de um importante diagnóstico: ;Vimos que nossas Escolas Classes apresentavam a maior taxa de sobrepeso e obesidade, cerca de 28 a 30% dos alunos. Então começamos a trabalhar com elas;.
Mas o trabalho só dá certo de verdade se tiver o auxílio dos pais. Por isso, a nutricionista realiza reuniões com os responsáveis toda vez que um novo ciclo do projeto se inicia em uma escola. ;Muitos pais ainda mandam lanche e percebemos que é uma quantidade exagerada de alimentos ultraprocessados, por isso buscamos a participação deles;, comentou.
Para desenvolver o projeto, a nutricionista conta com a ajuda de estudantes do programa de estágio obrigatório do curso de nutrição do Centro Universitário Unieuro, além de uma professora da instituição. A parceria é a única contribuição recebida, pois não há disponibilidade de verba, e tudo sai do bolso de Lívia, dos ajudantes e das próprias escolas.
Ana Carolina Ferreira, 24, é uma das estagiárias do projeto. Ela conta que de todos os estágios por que passou, esse é um dos que mais gostou. ;Nós transitamos pelas escolas, e eu adoro a parte da educação infantil. É superdivertido. Eles não têm muito conhecimento e, às vezes, não conhecem o que apresentamos, então tem muita interação;, comentou.
As ações de educação alimentar contam, ainda, com importantes aliadas: as merendeiras, que também recebem capacitação. Edilza Lima, 49, é uma delas. Há 18 anos ela é carinhosamente chamada de ;tia do lanche; ou ;tia da cantina;. Na escola do Guará, já são 7 anos de trabalho. ;Eles amam o lanche. Perguntam sobre tudo e têm interesse. Tem mãe que até reclama que a criança não come salada em casa, mas aqui come;, disse.
A boa aceitação da comida, contudo, é resultado de um processo integrado, que vai desde as oficinas de nutrição até o carinho e a paciência das merendeiras: ;No início do ano, os pequenininhos recusam um pouco o lanche, mas depois a gente vai ensinando, e eles pegam o passo. É todo um trabalho que fazemos;, completou Edilza, orgulhosa.