Se fosse um estudante, a educação básica brasileira teria levado uma nota C em 2019. A conclusão é do Todos Pela Educação, que avaliou o desempenho da política educacional brasileira em sete pilares considerados fundamentais para o avanço da educação básica e constata que o ensino brasileiro andou de lado no ano passado, muito em função do Ministério da Educação (MEC).
Diretor de políticas educacionais do Todos Pela Educação, Olavo Nogueira Filho explica que o MEC puxou para baixo a nota da educação brasileira por conta de políticas que não atacam o real problema nacional e do comportamento polêmico do ministro Abraham Weintraub. Coube a outros atores políticos, portanto, a responsabilidade pelos destaques positivos da educação brasileira em 2019. "O que permite dar essa nota intermediária não foi o MEC, mas o protagonismo e a atuação de outros atores, em especial os estados e os municípios brasileiros, o Conselho Nacional de Educação e o Congresso Nacional", conta Filho.
Na lista de destaques positivos da educação brasileira em 2019 do Todos pela Educação, estão as seguintes iniciativas: a aprovação das novas diretrizes curriculares para a formação inicial de professores pelo Conselho Nacional de Educação; a continuidade da implementação da Base Nacional Comum Curricular nos estados e municípios brasileiros; a replicação do bem-sucedido programa de alfabetização do Ceará nos estados do Espírito Santo, Paraná, Pernambuco, Sergipe e Amapá; a disseminação do modelo pernambucano de ensino médio em tempo integral em outros estados; e o acompanhamento do Congresso Nacional das atividades do MEC.
"O Congresso teve uma atuação importante frente a uma série de medidas e movimentos perigosos que foram ensaiados pelo MEC", afirma Filho, dizendo que, apesar de ter dado continuidade a programas importantes para a educação brasileira, o Ministério da Educação "travou o desenvolvimento" de outras políticas fundamentais para a melhoria do ensino nacional em 2019.
"O ano do governo federal foi marcado pela inoperância e pelo diversionismo. Inoperância porque a incapacidade do ministro em conduzir uma agenda federativa ficou nítida. E diversionismo porque as iniciativas lançadas têm pouca aderência com o que de fato é preciso fazer. O governo optou por avançar em pautas como as escolas cívico-militares, que vão na contramão do que o mundo vem fazendo para tornar as escolas mais atrativas e fazer com que os alunos aprendam mais, do que tocar no real problema da educação", lamenta Filho.
Crianças fora da escola
E não são poucos os problemas, como mostra um relatório que será publicado, nesta segunda-feira (9/3), pelo Todos pela Educação e foi obtido pelo Correio. Segundo o estudo, 329 mil crianças entre 4 e 5 anos de idade estão fora da escola no Brasil. E o motivo apontado pelos pais de 45% dessas crianças para a não frequência escolar é o fato de que não há escola ou vaga para os seus filhos. Entre os jovens de 15 e 17 anos, são 783 mil brasileiros fora da escola. E as principais justificativas desses jovens são desinteresse (45%), trabalho (15%), gravidez (13%) e cuidados domésticos (7%).
Há problemas mesmo em quem escapou dessas situações e está na escola. Ainda de acordo com o Todos pela Educação, três em cada dez matriculados do Ensino Médio estão em situação de atraso de dois ou mais anos na trajetória escolar. Nos anos finais do Ensino Fundamental, essa taxa é de 24,7%.
"Os altos índices de atraso escolar contribuem para os percentuais ainda baixos de crianças e jovens que concluem o Ensino Fundamental e Médio em idade adequada", pontua o documento, contando que "apenas 78% dos jovens brasileiros de 16 anos haviam concluído o Ensino Fundamental e 65% dos jovens de 19 anos haviam concluído o Ensino Médio, em 2019".
E nem todos esses jovens saíram da escola prontos para entrarem na faculdade. “Apenas 9% dos jovens que concluem o Ensino Médio possuem aprendizado adequado em Matemática e 29% em Língua Portuguesa. Não por acaso, o Brasil segue nas últimas colocações na avaliação internacional de desempenho escolar do Pisa, promovido pela OCDE (57º em Leitura, 70º em Matemática e 64º em Ciências, dos 79 países e regiões participantes)”, revela o estudo do Todos pela Educação.
“Os dados apresentados reforçam a urgência de avanços a nível nacional na Educação Básica brasileira. Se o País conseguiu, nas últimas décadas, praticamente universalizar o acesso escolar, os estudantes ainda não progridem entre as séries de forma apropriada, não concluem os estudos na idade adequada e, o mais grave, pouquíssimos aprendem o que deveriam”, avalia o instituto.
Apesar disso, frisa Olavo Nogueira Filho, não se pode dizer que o ano de 2019 foi totalmente negativo para a educação brasileira, vide os destaques positivos citados acima. "A despeito de um Ministério da Educação absolutamente ausente e muito errático, ao longo de 2019, a educação básica brasileira não parou. Pelo contrário, caminhou para a frente, em que pese de maneira bem mais lenta do que o cenário exige", avaliou o diretor do Todos Pela Educação, concluindo que o cenário "não é de terra arrasada, tampouco de comemoração".
Ele explicou ainda que o C reflete a média ponderada das notas recebidas pelas políticas de ensino brasileiras nos seguintes indicadores: reestruturação das regras de governança e melhoria da gestão (C), financiamento mais redistributivo e indutor de qualidade (C), efetivação da Base Nacional Comum Curricular nas redes de ensino (B), profissionalização da carreira e formação docente (B), primeira Infância como agenda intersetorial (C), alfabetização em regime de colaboração (B) e nova proposta de escola no Ensino Médio (C).
Desafios para 2020
A avaliação das políticas educacionais brasileiras em 2019 inaugura o Relatório Anual de Acompanhamento do Educação Já, que será elaborado anualmente pelo Todos pela Educação a partir de agora. Para este ano de 2020, por sinal, as expectativas são grandes. Afinal, o Brasil precisa aprovar até o fim do ano o Novo Fundeb, para que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) continue em funcionamento no país. A questão está em discussão no Congresso Nacional, mas tem andado com dificuldade porque o governo federal não tem aceitado ampliar de 10% para 20%, como propuseram os parlamentares, a complementação da União no Fundeb.
O percentual proposto pelos deputados é contestado desde o ano passado pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, que chegou até a dizer que iria apresentar a proposta do governo para o Congresso. Como os deputados disseram que não aceitariam essa proposta, contudo, o assunto agora está sendo encabeçado pelo Ministério da Educação.
"O comportamento do ministro, truculento e desrespeitoso, não permitiu que ele assumisse o papel de articulador e coordenador da política nacional brasileira. Ele perdeu a legitimidade e afastou os atores implementadores dessa política. Por isso, está ausente da discussão da pauta mais importante da educação brasileira neste anol, que é a pauta do Novo Fundeb. É uma vergonha para o MEC, que exemplifica a incapacidade dessa gestão em conseguir contribuir de fato com a melhoria da educação básica", criticou o diretor do Todos Pela Educação.
O Ministério da Economia, contudo, contudo, também tem se mostrado resistente à proposta do Congresso para o Novo Fundeb. A equipe econômica tem defendido é um aumento gradual da participação da União no Fundeb, mas diz ser complicado chegar aos 20% sugeridos pelos parlamentares. E, por isso, defende um aumento mais tímido dessa complementação.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.