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Saudação nazista de alunos do Brasil não surpreende historiadora alemã

Pesquisadora da Universidade Técnica de Berlim lamenta o ocorrido, diz que casos de antissemitismo são observados em todo o mundo e dá orientações

Correio Braziliense
postado em 09/03/2020 16:35

Berlim — A foto de 11 alunos do Colégio Santa Maria, em Recife, fazendo a saudação nazista rodou o mundo e causou indignação entre a comunidade israelense e também entre todos que são contra discriminações ou perseguições de qualquer tipo. O gesto fazia parte da campanha de eleição de um dos estudantes para se tornar orador da turma. Os jovens, de 16 a 17 anos, foram suspensos pela escola, que é particular e publicou um pedido de desculpas pelo ocorrido. A imagem foi postada pelos próprios estudantes nas redes sociais na última semana, usando legenda que fazia referência ao nazismo.

 

Adolescentes de Recife (PE) fizeram saudação nazista em sala de aula na última quarta-feira (4/3)Pesquisadora do Centro de Pesquisa em Antissemitismo da Universidade Técnica de Berlim, a historiadora Juliane Wetzel conversou com a reportagem sobre o assunto. Apesar de lamentar o ocorrido, para ela, o caso dos estudantes brasileiros, que é considerado grave, não foi uma surpresa. “Não me surpreende porque, na Alemanha e ao redor do mundo, repetidamente vemos coisas do tipo. Acho que não existe uma única nação onde nunca tenhamos visto atividades antissemitas ou que façam referência ao nazismo por pura estupidez e ignorância ou como forma de provocação”, declara a doutora em história e história da arte pela Universidade Ludwig Maximilians, em Munique.

 

Ela pondera que não é expert no contexto brasileiro e não sabe os motivos que levaram alunos brasileiros a se portarem dessa maneira, mas sugere que eles, os colegas e outros alunos passem por um processo de conscientização sobre o assunto. “Eu não sei se era para fazer um tipo de provocação, se era para convencer alguém de algo... Independentemente das razões por trás desse gesto, é preciso sensibilizar esses estudantes para a história do nazismo, deixando claro que não é nenhuma piada, deixando claro que fazer esse tipo de gesto não é brincadeira”, alerta.

 

Juliane Wetzel trabalha no Centro de Pesquisa em Antissemitismo da Universidade Técnica de BerlimTemática ainda banalizada

“Em diversos países, repetidamente há pessoas, estudantes ou não, que usam gestos antissemitas para fazer algum tipo de provocação. Há alunos alemães que, às vezes, fazem alguma coisa para provocar os professores porque sabem que aqui há uma grande reação frente a algo assim”, diz. Na Europa, um exemplo recente de antissemitismo foi o do carnaval da cidade belga de Aalst. Pelo segundo ano consecutivo, foliões saíram às ruas com fantasias e carros alegóricos que satirizaram a comunidade judaica. Carnavalescos com uniformes nazistas e bonecos que representam estereótipos sobre judeus ortodoxos chamaram a atenção e causaram reações negativas. 

 

A Comissão Europeia afirmou que esse tipo de situação não deveria mais ser vista no continente 75 anos após o Holocausto. “E, há muitos anos, o próprio príncipe Harry (da Inglaterra) se fantasiou de oficial nazista para uma festa, o que é naturalmente estupidez”, aponta a professora Juliane Witzel. “Muito do que é feito acontece não por falta de sensibilidade, mas por ignorância e falta de conhecimento”, afirma. “Deve-se pensar no ponto de vista das vítimas, as pessoas devem pensar no que significa para as vítimas ver gente que faz piada desse assunto, que faz a saudação nazista ou que usa um uniforme desses. Para as vítimas, é uma situação péssima”, ressalta.

 

O Holocaust-Mahnmal, ou Memorial aos Judeus Mortos da Europa, em BerlimComo lidar com a situação no ambiente escolar?

Os alunos de Recife que fizeram a saudação nazista foram suspensos temporariamente, e a escola pediu desculpas publicamente. Quais seriam as consequências se um caso desses acontecesse na Alemanha? Integrante da comissão alemã da International Holocaust Remembrance Alliance (IHRA), Juliane Wetzel explica que as circunstâncias precisaram ser investigadas para avaliar as melhores opções. Levar os alunos para visitar um antigo campo de concentração, a fim de mostrar o que aconteceu e conscientizá-los, é sempre uma alternativa. 

 

“Algo muito importante, que às vezes aqui também não é bem implementado, é compartilhar conhecimento sobre o tema nas escolas, não como reação a um evento problemático, mas como forma de prevenção”, declara a pesquisa, cujos principais temas de estudo incluem judeus sob perseguição nazista, história judaica do pós-guerra, extremismo de direita e formas atuais de antissemitismo na Alemanha e na Europa e antissemitismo na internet. Ao tratar do assunto, a conselheira do Instituto Wiener Wiesenthal de Estudos do Holocausto diz que “é preciso levar em consideração a visão das vítimas ou de seus descendentes, não só a visão dos ofensores, como muitas vezes acontece”.

 

Essa orientação é válida tanto para ambientes escolas, mas também para todas as situações que tratarem do assunto. Afinal, as escolas não devem ser o único espaço a falar da temática. As redes sociais e a imprensa podem ser importantes ferramentas de transmissão de conhecimento e sensibilização, mostrando também a perspectiva das vítimas do holocausto. “A mídia deve oferecer reportagens, entrevistas bons documentos e filmes (como A Lista de Schindler e O pianista) para dar às pessoas a oportunidade de se informar”, recomenda. 

 

Confira o trailer do filme A Lista de Schindler, que pode ser usado para ensinar e conscientizar sobre os acontecimentos do nazismo 

 

 

 

No momento atual, em que a extrema direita se fortalece em diversos países, compartilhar conhecimento e promover conscientização sobre os horrores do nazismo se torna ainda mais relevante, segundo Juliane Wetzel. “Isso é muito importante em todo o mundo, mas especialmente nas nações onde o populismo de direita tem assumido um grande papel.” Não necessariamente, os movimentos políticos ao qual ela se refere são ou se intitulam de extrema direita, mas têm uma ligação com a extrema direita, favorecendo a radicalização de grupos. Ela também pede bom senso e respeito de autoridades e agentes públicos ao tratar da temática do nazismo. “É preciso também que os políticos tratem do tema com sensibilidade.”

 

Como o tema é ensinado na Alemanha?

Nas escolas alemãs, o modo de abordar o nazismo varia de acordo com a instituição, o professor, a série e a idade dos alunos. Formalmente, o assunto costuma ser tratado mais para a frente, quando os estudantes têm a partir de 12 anos. Bem antes disso, porém, a temática pode ser introduzida por meio de livros, vídeos e filmes que retratem exclusões, não só de judeus, mas dos mais diferentes povos e grupos sociais. Uma iniciativa interessante é o projeto Meet a Jew (Conheça um judeu, em tradução livre), do Conselho Central de Judeus da Alemanha.

 

Por meio do programa, financiado pelo Ministério alemão de Família, Idosos, Mulheres e Jovens, escolas podem receber visitas de judeus que conversam com os estudantes, contam a própria história, explicam sobre sua religião e muito mais. “Eles também relatam discriminações que vivenciaram na Alemanha. No contexto de uma sociedade multicultural, com imigração de povos de diversos lugares, incluindo o mundo árabe, é muito importante que as pessoas aprendam a ter união e relacionamento um a um com os judeus”, aponta Juliana Wetzel. 

 

Educadores podem acessar recomendações da Aliança Internacional para a Rememoração do Holocausto

 

 

Como recomendação para professores e escolas brasileiras na hora de ensinar sobre o assunto, a pesquisadora reforça a importância de transmitir a verdade dos fatos tendo em conta visão das vítimas, dos sobreviventes. “Há muita literatura de pessoas que contaram suas experiências, há vídeos e entrevistas com sobreviventes. Há muita opção de material”, sugere. O site da International Holocaust Remembrance Alliance oferece uma série de conteúdos, disponíveis em inglês, a fim de orientar professores. Acesse aqui.

 

 

 

 

 

 

*A jornalista é bolsista do Internationale Journalisten-Programme (IJP) 

 

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