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Sindicatos podem recorrer à Justiça e MP para barrar volta às aulas

Isso se o GDF precipitar a reabertura das escolas. Ação conjunta do MPDT, do MPF e do MPT pede suspensão de atividades não emergenciais no DF e cita iniciativa do Sinpro-DF contra a retomada

Correio Braziliense
postado em 28/04/2020 22:11
Slides que indicam planos de volta às aulas na rede pública em 18 de maio para o ensino médio e em 1º de junho para o restante dos alunos repercutiram entre professores, estudantes e familiares. Vários integrantes das comunidades escolares manifestaram preocupação com a possibilidade de reabertura das escolas, ainda que isso não tenha sido confirmado pelo Governo do Distrito Federal (GDF).
 
Sindicatos, pais e professores defendem que escolas continuem fechadas 
Segundo dados da Codeplan, somando as redes particular e pública, o DF tem mais de 657 mil alunos de educação básica, além de mais de 206 mil no ensino superior. Sindicatos e associações ainda avaliam medidas a tomar caso o projeto de volta às aulas se torne realidade. Rosilene Corrêa Lima, diretora de Finanças do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), não acredita que o GDF vá, de fato, determinar a reabertura das escolas seguindo os planos que acabaram vazando. 

No entanto, se isso ocorrer realmente, o sindicato recorrerá à Justiça e ao Ministério Público para barrar esse retorno.  A retomada, defende Rosilene, deve ser feita “com tranquilidade e sem colocar vidas em risco”. Ela acredita que a possível “precipitação do governo ameaça muitas vidas”. O retorno das atividades na rede pública não impacta apenas as cerca de 500 mil pessoas que estudam ou trabalham nela, pois cada um terá contato com outras pessoas em casa. “Aí, você poderia jogar facilmente 2 milhões de pessoas participando dessa roda viva.”

O Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinproep-DF), também contrário à volta às aulas, se reuniu com o GDF e o Ministério Público do Trabalho, nesta terça-feira (28/4), para debater a integração na comissão de análise da reabertura das escolas. Representantes do sindicato ouviram do governo que não há, por enquanto, nenhuma data definida.

O Sinproep discorda de qualquer medida do governo ou da Secretaria de Educação em relação ao retorno às aulas, ainda mais levando-se em consideração que, ao que indicam levantamentos, os números de contaminação e mortes que estão sendo divulgados estão subnotificados. No entendimento do sindicato, as escolas devem ser as últimas a reabrir.


O documento relata que o sindicato “convocou a população a rejeitar a pretensão do Governador do Distrito Federal de reabrir a rede pública de ensino”, tendo como base até ações de outros países, que não apressaram a reabertura das escolas. “Com as salas de aulas lotadas e sem nenhuma condição de manter as pessoas afastadas e protegidas da contaminação, esse passo em falso, se for dado, irá expor mais de meio milhão de pessoas da comunidade escolar à mortandade provocada pela pandemia”, reforça a citação do Sinpro-DF incluída na ação conjunta dos MPs.
 
"Interromper o movimento da população permite ganhar tempo e reduz a pressão nos sistemas de saúde", justifica a ação. O documento cinta ainda resoluçaõ da OMS (Organização Mundial da Saúde), que reforçou que “a última coisa que um país precisa é abrir escolas e empresas, e ser forçado a fechá-las novamente por causa de um ressurgimento do surto.”

Preocupação não é só com professores

Rosilene Corrêa Lima, diretora do Sinpro-DF 

“Nós tivemos uma reunião ontem (27/4) com representante do gabinete do secretário de Educação e, como não estava programada a liberação dessa nota técnica, esse assunto realmente não foi tratado”, conta Rosilene Corrêa Lima, diretora do Sinpro-DF. “Mas, no encontro, reafirmamos nosso posicionamento de desacordo com a possibilidade de volta às aulas no momento”, informa Rosilene. 

“Isso se dá pelos dados. O Brasil não atingiu o pico da doença ainda. Devido às medidas de isolamento do DF, estamos numa situação menos complicada do que a de alguns estados, mas isso não dá garantia de que colocar meio milhão de pessoas nas escolas, ainda que de forma gradativa, não vá comprometer todo o esforço feito até aqui”, pondera.  Ela reconhece que, em algum momento, “a vida terá de voltar ao normal”, mas avalia que esta não é a hora, pois o GDF também não está pronto para garantir a segurança das pessoas ao reabrir as unidades de ensino. 

“As turmas são cheias, não há escolas para distribuir os alunos em dois turnos. Ainda que começássemos só pelo ensino médio, há colégios com 2.500 estudantes. Quantas máscaras teríamos que disponibilizar considerando que elas devem ser trocadas a cada duas horas?”, questiona. “Apenas fazendo cálculos rápidos é possível ver a dificuldade de oferecer as condições de segurança e saúde. Insistimos que este não é o momento de precipitação por parte do governador, que iniciou tomando medidas acertadas”, sugere.
 

Saiba Mais

 

Rosilene observa que reabrir os colégios seria “retomar a normalidade” num momento não apropriado, ainda mais considerando que estudantes costumam ter muito contato físico uns com os outros e até com professores. Na educação infantil, por exemplo, educadores precisam dar colo às crianças. Nos níveis finais, adolescentes costumam ficar muito próximos.  “Vai ser necessário reaprender muita coisa, não basta colocar dentro de uma sala pessoas que estavam habitadas a certo tipo de convívio que não poderá mais acontecer.”
 
Ela admite os prejuízos educacionais de deixar alunos sem aulas, mas o Sinpro avalia que é possível recuperar isso depois, num momento menos extremo da pandemia. “É só o governo querer, e as famílias colaborarem, pois nós estamos a disposição. Agora tem pai que prefere que o filho perca o ano do que voltar às escolas correndo riscos”, afirma. “E o governo não pode fazer um movimento que afaste os alunos das escolas.”

Ela defende que o discurso atual do Sinpro-DF não representa apenas o dos professores, mas também pais e alunos. “Não estamos fazendo nenhuma reivindicação corporativista ou de reajuste. É um debate no sentido de preservar as nossas vidas e as dos nossos alunos. Quando o Sinpro diz que não há condições de volta, estamos transmitindo o que pensam os pais e alunos. A voz do sinpro se torna a voz de meio milhão”, argumenta.

‘A economia você pode recuperar; a vida, não’, declara professor 

A retomada do funcionamento das unidades escolares é considerada precipitada por muitas pessoas, por poder colocar em risco a vida de estudantes, pais de alunos, professores e servidores. O advogado Frederico Borges, 43 anos, é padrasto de um aluno do 2° ano do ensino médio no Centro de Ensino Médio Setor Oeste (Cemso). O enteado é asmático e faz parte do grupo de risco, por isso, uma possível volta às aulas preocupa a família. “O retorno depende muito mais do olhar da Secretaria de Saúde do que uma visão pura e simples da Secretaria de Educação”, comenta Borges. 

Para Lucélio Fernandes, 49, professor de física do Cemso, a escola é um local propenso à contaminação. “As salas são pequenas, as turmas são cheias, de 38 a 45 alunos por turma”. Ele questiona como seria a redução de turmas. “Terá alguns alunos estudando, outros não?”  A mulher de Lucélio é asmática, por isso, ele se preocupa também com o que essa retomada geraria na família. “Imagina eu em contato com mais de 40 alunos em cada turma... Se eu pego esse vírus, contamino meus filhos, minha esposa.”

Jacy Braga, diretor do CemsoO professor entende que a maior preocupação, neste momento, é a vida. “A economia você pode recuperar; a vida, não. Sou totalmente contra a volta agora, nem países que já passaram pelo pico retomaram as atividades em sua plenitude. Aqui no Distrito Federal só não chegou o pico porque estamos mantendo o confinamento”, aponta. Jacy Braga, diretor do Cemso, relata apreensão e queixas por partes de responsáveis dos alunos. 

“Vários pais ficaram surpresos com a notícia e declararam que, caso as atividades sejam mesmo retomadas, os filhos não voltarão para escola. Eles querem só a garantia de que o aluno continuará matriculado para o próximo ano”, informa. Para ele, a volta antecipada não tem embasamento claro. “Se existe um decreto dizendo que as aulas estão suspensas até 31 de maio, o que é que mudou efetivamente no quadro para justificar uma antecipação para 18 de maio? O que temos visto é uma escalada no número de infectados e mortos.”

O diretor prefere perder o ano letivo a perder servidores, professores e alunos. “A Secretaria de Educação deveria abrir um debate com quem efetivamente está na ponta do sistema”, sugere. “O que vimos é que essas coisas são estruturadas e organizadas a nível do gabinete. Quando vaza, não somos consultados pra nada e, assim, não podemos responder pela comunidade escolar”, queixa-se.

“Na discussão que tenho com professores, achamos melhor esticar o ano letivo para o próximo ano do que ficar preocupado em encerrar o ano em 2020”, afirma. “Se o GDF quer que as atividades voltem ao normal, por que não começa com as áreas administrativas? O Buriti, o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional… Por que começar logo com os nossos alunos?”, questiona.

Paulo Ribeiro, diretor da Escola Classe 410 de SamambaiaPaulo Ribeiro, 48, diretor da Escola Classe 410 de Samambaia, acredita que não existe condição para o retorno. “Eu acho que a questão principal é o que está sendo feito para preparar essa volta? No momento, nada efetivo, apenas conversas”, diz. Ele pondera a falta de logística para controle dos alunos. “Como evitar aglomeração de crianças? Que atitude tomar para manter o distanciamento dentro da sala de aula sendo que não tem espaço pra isso?”, questiona.

Especialista comenta

O professor de epidemiologia e membro do Comitê Gestor do Plano de Contingência da Covid-19 (COES) da Universidade de Brasília (UnB), Wildo Navegantes de Araújo não considera a possibilidade de reabertura dos colégios prudente. “É necessário que o GDF esclareça qual é a base científica que está levando em conta para cogitar essa reabertura de escolas”, cobra.

Além disso, o professor de epidemiologia da UnB esclarece, que por mais que crianças e adolescentes não estejam no grupo de risco, existe uma equipe de profissionais para o funcionamento da rotina escolar. “O efeito não vai ser sentido de imediato, pode demorar até 14 dias para vermos os impactos dessa medida de reabertura. Mas não tenho dúvidas de que, caso as aulas voltem, haverá aumento no número de casos de Covid-19 no DF”, afirma o especialista.

Para se pensar na possibilidade de retorno às aulas, Wildo Navegantes de Araújo diz que é preciso que as escolas estejam preparadas com equipamentos para evitar a disseminação do vírus. Além disso, enfatiza que é imprescindível que haja também uma melhor estrutura nos hospitais para atender mais casos de pessoas infectadas, já que ampliação do contágio pode ser uma das consequências da reabertura das escolas.

 
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa 

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