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Primeiro Dia Mundial da Língua Portuguesa é comemorado nesta terça (5/5)

Data foi instituída pela Unesco em 2019. Secretário-geral da OEI, Mariano Jabonero comenta a importância do idioma. Na avaliação dele, melhor desempenho na disciplina exige leitura

Correio Braziliense
postado em 04/05/2020 19:47
O Dia Mundial da Língua Portuguesa é nesta terça-feira (5). A data foi instituída pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e, em 2019, ratificada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Em 2020, celebra-se a ocasião mundialmente pela primeira vez: antes disso, o dia era considerado internacional, mas não global. O objetivo é destacar a importância do quinto idioma mais falado no mundo e o mais falado no hemisfério Sul, com 280 milhões de falantes. No entanto, a verdade é que, no Brasil, não há tanto assim a festejar. 

Para que tenham melhor desempenho em português, estudantes brasileiros precisam ser estimulados a ler desde cedo, começando pela família

 

A cada 10 brasileiros, três são analfabetos funcionais, tendo dificuldade de entender ou de se expressar por meio de letras no cotidiano. O dado é do Indicador do Alfabetismo Funcional (Inaf), que entrevistou mais de 2 mil jovens e adultos de 15 a 64 anos. A aplicação das conclusões do estudo à população total leva a crer que o problema atinge 38 milhões de pessoas. A deficiência no idioma não é exclusiva de quem não teve acesso a escola. O último resultado divulgado do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), de 2017, mostra que, a cada 10 estudantes do 3º ano do ensino médio, sete têm nível insuficiente em português; sendo que apenas 1,64% dos alunos têm proficiência adequada na disciplina. 

Na prática, a maior parte dos adolescentes não é capaz de achar informações explícitas em textos, por exemplo. O resultado da última edição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), divulgado em dezembro de 2019, aponta a estagnação dos alunos brasileiros em leitura: o país manteve a mesma posição que tinha em 2015 nesse quesito, mas ainda atrás de 50 nações. O teste avaliou 600 mil jovens de 15 anos em 80 países. No Brasil, 10,6 mil alunos fizeram a prova, e tiveram desempenho muito abaixo da média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), formada por países ricos.

O espanhol Mariano Jabonero é secretário-geral da OEI desde 2018Mariano Jabonero, secretário-geral da Organização dos Estados Ibero-americanos para Educação, Ciência e Cultura (OEI), observa que o baixo desempenho em linguagem no Pisa é um problema em comum entre os integrantes da organização que ele representa. A OEI é composta pelas nações falantes de português e espanhol da América Latina e da Península Ibérica, mais a Guiné Equatorial, na África. Jabonero falou ao Correio direto de Madri em espanhol, por um aplicativo de conversa. A performance insuficiente em linguagem, avalia Jabonero, “é reflexo de educação de baixa qualidade”. 

Ele, que defende aulas de português nas escolas de países cuja língua nativa é o espanhol e vice-versa, especialmente nas áreas de fronteira, pondera, no entanto, que o trabalho para mudar isso deve começar cedo, antes da vida escolar. A boa introdução ao aprendizado da língua demanda histórias e leitura já na primeira infância. As famílias têm um grande papel a desempenhar ao ler e contar contos para as crianças, o que é também um ato de amor, na visão dele. Isso é importante também para despertar a curiosidade e estimular o desenvolvimento de competências que serão a base para formar bons alunos no futuro.


O senhor está em Madri, na Espanha, onde um rigoroso lockdown foi imposto. Como a pandemia afetou o seu trabalho? E como a crise de Covid-19 afetou a atuação da OEI, que tem escritório em diferentes países?

Aqui na Espanha estamos em lockdown há quase dois meses e faltam cerca de três semanas para que parte das estruturas de trabalho seja reaberta. Ontem pude sair por algumas horas pela primeira vez para caminhar na rua. Quando a pandemia começou, diferentes países reagiram de diferentes maneiras. Nós mandamos todos os nossos empregados para casa e seguimos trabalhando em home office, muito intensamente. Em alguns casos, as pessoas trabalham até mais em casa do que no escritório. Foi muito satisfatória a reação dos nossos colaboradores e serviu para nos mostrar que podemos trabalhar de outras maneiras. Trabalhamos em prol da colaboração entre os países só que agora ao lado de nossos familiares.
 

Vídeo mostra os aprendizados que a pandemia trouxe para diversos integrantes da OEI em diferentes países, incluindo Jabonero. Confira:


Para a educação, quais são os grandes impactos negativos do distanciamento social que exige o fechamento das escolas? Como isso aconteceu nos diferentes países da OEI?
A principal mensagem em todos os países é que é preciso, primeiro, cuidar da saúde das pessoas. Alguns países adotaram quarentena mais cedo e outros mais tarde; em alguns isso acontece com mais intensidade e, em outros, com menos. O que é importante é prevenir a pandemia, mas, no lado educativo, isso significa que 180 milhões de meninos e jovens deixaram de ir à escola ou à universidade nos 24 estados-membros da OEI. Se os alunos estão em casa, temos de achar maneiras de apoiá-los em casa. Nossos sistemas educacionais são muito desiguais, mas podemos usar conteúdos digitais para dar suporte aos estudantes, fundamentalmente nas zonas urbanas, onde eles têm acesso a internet. Em geral, os colégios que conseguem oferecer material digital são os que atendem alunos de famílias de renda média a alta. O desafio é muito claro: temos de digitalizar todos os sistemas educativos daqui para frente e rapidamente. Isto não pode continuar como está. 

Escolas e universidades fecharam as portas por causa da pandemia. Nas regiões da OEI, 180 milhões estão sem aulas
A Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEE-DF) iniciou um programa de teleaulas, transmitidas pela televisão e pela internet. Há muita preocupação com os alunos que não conseguem acessar nem uma nem outra, e educadores avaliam formas de levar conhecimento a eles, se preciso, por exemplo, por meio de materiais impressos. Há alguma recomendação de como as escolas e governos podem apoiar esses estudantes?
Para os que não têm internet, a recomendação é levar material físico. Para fazer isso, é preciso começar logo. Fornecer um sistema digital leva tempo, é algo lento. Fornecer outros materiais alternativos também não é algo que se faz em dois dias. E não basta fornecer algo: é preciso oferecer um apoio que realmente seja apropriado para ajudar essas crianças em suas casas. Porque outro fator importante a ter em conta é que essas crianças (que porventura não tenham acesso a TV ou internet) provêm de famílias sem muitos recursos culturais e educativos.
 

Saiba Mais

Qual o valor de existir um dia mundial para celebrar a língua portuguesa?
É algo quase simbólico, mas é bom ter um dia para nos lembrar da importância dessa língua. A Ibero-América não é bilíngue, é multilíngue. Quase 8 mil idiomas são falados na região. Mas o espanhol e o português têm um valor fundamental, são hoje línguas oficiais para a OEI e amplamente faladas. Juntas, essas duas línguas, que se comunicam entre si, formam a maior comunidade bilíngue do mundo, com 800 milhões de homens e mulheres que falamos, pensamos, sentimos e amamos em espanhol e em português. São os idiomas de uso mais crescente e que têm privilégio absoluto de diálogo na internet.

Português é a quinta língua mais falada no mundo, com 280 milhões de usuários
Em março do ano passado, no Festival da Palavra, em Córdoba, Argentina, o senhor me afirmou, durante entrevista, que é importante que os falantes de português aprendam espanhol e vice-versa. Ou pelo menos que isso aconteça nas áreas de fronteira entre o Brasil e países da América Latina e nas cidades fronteiriças entre Portugal e Espanha. Houve algum progresso nesse sentido desde então?
Uma ideia que defendi em Córdoba e que sempre defendi é que se deve procurar evitar a instalação de uma “língua” que não corresponde, que é o portunhol, tanto entre os falantes de português quanto entre os falantes de espanhol. Penso que o correto é impulsionar a linguística oficial. O que nós da OEI fizemos foi implementar um projeto em escolas de fronteira que é muito ambicioso, visando alcançar colégios fronteiriços entre o Brasil e Bolívia, Paraguai, Argentina, Uruguai, Colômbia e Venezuela e entre Portugal e Espanha. O objetivo é que os estudantes aprendam o português ou o espanhol, dependendo de qual seja a língua nativa. A zona de fronteira entre o Brasil e os países da América Latina é muito longa, terminando no Paraguai, mas é também muito permeável. Entre Espanha e Portugal, existe a fronteira mais longa da Europa. Lá, até os serviços de internet são compartilhados. Um português pode ir ao médico na Espanha, e um espanhol pode ir ao médico na área portuguesa do mesmo modo. Então, seria genial que todos fôssemos bilíngues. Mas a verdade é que não somos. 

Como está se desenvolvendo o Programa Ibero-Americano de Difusão da Língua Portuguesa da OEI? 
Além da ação nas escolas nas zonas fronteiriças, em que já temos acordos em diferentes países, estamos trabalhando no treinamento de professores. Estamos avançando em tudo que é bilíngue em termos turísticos, econômicos e científicos. Fizemos uma convocatória para a tradução de textos científicos e jurídicos. Também produzimos estudos e informes.  

Mariano Jabonero que livros e artigos científicos não sejam produzidos só em inglês, valorizando-se a tradução para o portuguêsHá algum uso do português que precisa ser fortalecido?
Algo muito importante é que as nossas línguas sejam valorizadas também na academia. É preciso ver o valor de usar o português e o espanhol na produção de artigos científicos. Em vez de produzi-los apenas em inglês, incentivamos que sejam feitos ou traduzidos para o espanhol e o português. O idioma tem um peso muito forte na economia. Estimativas mostram que espanhol é responsável por mais de 20% do PIB da Espanha (analisando indústrias e serviços em que a língua é um elemento chave). Do mesmo modo, o português tem um peso forte na economia brasileira e na economia portuguesa.

Acredita-se que, durante a quarentena, mais gente está tendo tempo de ler, ou pelo menos mais gente está sendo estimulada a ler. No Brasil, boa parte dos best-sellers são livros norte-americanos traduzidos. É importante dar mais valor a autores cujo idioma materno seja o português?
O problema é que as indústrias criativas, incluindo o mercado editorial, integram um circuito comercial mundial. A cultura de língua inglesa tem muito peso — estou mencionando, não criticando. Isso é algo que me interessa muito, e vejo que há um grande impacto na literatura infanto-juvenil. Acredito que temos que fazer um enorme esforço, e estamos fazendo, de apoiar todo o mundo da literatura infantil e juvenil. É um universo que tem a ver com costumes cívicos e familiares, com a escola... Essa literatura cria novos leitores que continuam leitores na vida adulta por causa disso. Posso citar uma expressão muito lírica, mas muito real: ler para uma criança é um ato de amor. Quando os pais, os avós ou outras pessoas leem para meninos e meninas, isso tem impacto na trajetória educacional, desperta o prazer de ler.

Jabonero defende mais estímulo à literatura infantojuvenilO incentivo à leitura deve partir da família?
Da família ou, se não for possível, da escola infantil. Quando os pais leem para a criança um livro em português, seja de um escritor nativo ou uma obra traduzida, e ela chega a escola, é possível perceber a diferença. Contar histórias para as crianças reforça o gosto pela leitura em sua língua nativa.

O Pisa e outras avaliações educacionais mostram que os alunos brasileiros têm baixo desempenho em português. Por que isso acontece?

O desempenho dos estudantes em linguagem é uma queixa permanente em todo o mundo. O conhecimento da língua pela língua está bom, mas falta um conhecimento “consciente” da língua. Os alunos não aprendem bem nos países da América Latina e também em Portugal e na Espanha. Isso demonstra um problema na qualidade do ensino na nossa região, em que a cobertura do ensino se universalizou, mas isso não trouxe necessariamente qualidade. Praticamente todas as crianças vão à escola, mas não necessariamente é uma boa escola. E há muita desigualdade, há meninos que recebem a melhor educação e outros que recebem a pior. 

Incentivar a leitura desde a mais tenra infância desperta competências como a curiosidadeE o que é necessário para corrigir a falta de qualidade da educação? Escolas em período integral? Mais investimento?
Na educação, nem sempre é questão de investir mais, mas, sim, de investir melhor. Passar mais tempo na escola também é relativo: se a educação é ruim, não fará diferença o aluno ficar quatro, cinco ou seis horas. A educação de qualidade não necessariamente requer mais tempo. O que é importante é investir na mudança de metodologia, nos recursos educativos e, claro, na formação dos professores. E em tudo isso investir na leitura. Um menino que aos 6 anos lê bem vai ler bem sempre. Isso falta. Uma vez um ministro de uma região de um país da América Latina me disse que ia decretar que, nas escolas, houvesse um tempo de leitura de meia hora por dia. E eu respondi: se precisamos de um decreto para que os alunos leiam por 30 minutos, estamos mal. Não é uma lei que deve estabelecer isso: a leitura deve ser prática educativa habitual.

O senhor quer comentar algo sobre a língua portuguesa que não perguntei?
Devo dizer que é um problema o fato de até hoje eu não ter sido capaz de aprender português (risos). É um assunto pendente que tenho que superar. É um idioma latino, próximo do espanhol. Miguel de Unamuno (romancista, dramaturgo, poeta e filósofo espanhol, que foi também deputado de 1931 a 1933 pela região de Salamanca) dizia que o português é o “espanhol sem ossos”, ou seja, sem arestas. É uma metáfora muito gráfica e real. O português é muito agradável de ouvir. Quem sabe eu possa aprender nesta quarentena…

Memória

Reportagem do caderno infantil Super! homenageou a língua portuguesa e reuniu Dad Squarisi e estudantes do Colégio Militar Dom Pedro II para falar do assunto 

Relembre reportagem publicada em 3 de maio de 2014, no antigo caderno infantil Super!, em homenagem ao Dia da Língua Portuguesa. Na ocasião, a professora de português e editora de Opinião do Correio, Dad Squarisi, conversou sobre o tema com alunos do Colégio Militar Dom Pedro II. Acesse a matéria histórica "A última e mais especial flor do Lácio" no link

UnB comemora data com ação virtual

A Universidade de Brasília (UnB) celebra o Dia Mundial da Língua Portuguesa com uma série de vídeos a ser postada no Instagram e no YouTube da UnBTV. Acompanhe nesta terça-feira  (5/5). 
 
 

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