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Coluna Saber: o sentido de educar em meio à pandemia de coronavírus

Na estreia de quadro quinzenal de educação, Ana Machado, especialista em psicossociologia da juventude, sugere repensar a pressão por produtividade

Correio Braziliense
postado em 20/05/2020 16:26

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A partir desta quarta-feira (20/5), o Correio Braziliense conta com uma nova colunista. Ana Machado, que cursa mestrado em educação na Universidade Stanford, contribuirá com o site Eu, Estudante quinzenalmente na coluna Saber. A cada primeiro domingo do mês, Ana publicará uma coluna no caderno impresso Trabalho & Formação Profissional.
 
Ana Machado é mestranda em educação por Stanford e sempre viu nos estudos um caminho para mudar de vidaA coluna Saber será um espaço para dialogar sobre educação, escola e aprendizado a partir da argumentação embasada, do pensamento crítico e da profunidade, "fazendo cócegas em nossas certezas e dando asas às nossas dúvidas", define a autora.
 
Ana Machado foi eleita pela Universidade de Saint Gallen, na Suíça, como uma das jovens lideranças que está definindo o futuro e, em 2019, entrou para a lista da revista Forbes Under 30 como líder educacional. O ranking da Forbes reúne personalidades jovens de destaque em diversas áreas. Confira agora a coluna de estreia:
 
 
Na estreia de quadro quinzenal de educação, Ana Machado, especialista em psicossociologia da juventude, sugere repensar a pressão por produtividade 

O sentido de educar 

Nesta coluna de estreia, não posso me abster de falar sobre o principal desafio que enfrentamos no momento, com escolas fechadas por causa do coronavírus e mães, pais, responsáveis e educadores se adaptando a uma nova forma de trabalhar, cuidar dos filhos e ensinar. No entanto, antes de entrar no assunto principal, gostaria de começar me apresentando e compartilhando brevemente a minha trajetória educacional, que pautou as principais escolhas da minha vida (profissional e pessoal) até o momento. 
 
Sou uma paulistana da Zona Norte da capital, filha de pais que não concluíram o ensino médio pela necessidade de começar a trabalhar muito cedo. O fato de ser filha única permitiu que os limitados recursos financeiros da minha família pudessem ser investidos em uma escola particular de classe média e em um curso extracurricular de inglês. Uma das vantagens educacionais que tive desde cedo foi o meu interesse pelas letras, aqueles códigos dos adultos que eu tanto queria aprender a decifrar. 
 
Ana Machado na Universidade Stanford, na Califórnia, EUAGostar de ler foi mais do que um primeiro passo, foi praticamente meio caminho andado para uma trajetória escolar que me levou a realizar meus sonhos, dando sentido à escola e aumentando a minha curiosidade e gosto pelo aprendizado. Eu sempre acreditei que a escola me levaria aonde eu quisesse ir e que todas as conquistas da minha vida viriam pelo estudo. Essa foi (e ainda é) uma profecia autorealizável. 
 
Atualmente, após ter estudado em algumas das principais instituições educacionais do Brasil e do mundo — a Universidade de São Paulo e a Universidade Stanford, nos EUA —, o que me move é poder contribuir para que todas as crianças e todos os jovens brasileiros, independentemente de origem social e, em muitos casos, apesar dela, possam ter as condições adequadas de desenvolver seu potencial, sendo a sala de aula um dos principais veículos para tanto. 
 
Na coluna Saber, dialogaremos sobre educação, escola e aprendizado, analisando suas diferentes dimensões  — formal e informal, cultural, científica, cidadã e profissional. A argumentação embasada em fatos, experiências e até mesmo crenças; o pensamento crítico (capacidade de questionar e refletir sobre o que nos é apresentado; e a profundidade (capacidade de analisar e lidar com a complexidade e contradição) serão os pilares das nossas trocas neste espaço. 
 
A democracia é plural, divergente e, por vezes, polarizada. Não espero que tenhamos a ilusão de nos despir de nossas opiniões, valores e verdades ao discutirmos sobre qualquer assunto. No entanto, acredito que possamos discordar com respeito e ouvir com atenção, não pensando em ganhar, mas em aprender com o outro, fazendo cócegas em nossas certezas e dando asas às nossas dúvidas.


“Sugiro que abandonemos por um período a necessidade de medir a produtividade de nossos alunos”

Como escrevo este texto em maio de 2020, em um momento no qual adaptamos nossas vidas a uma pandemia, é importante resgatarmos o papel dos educadores (familiares e profissionais) em apoiar crianças e jovens. O ato de educar é maior do que ensinar. A escola, instituição formal responsável pelo aprendizado de conceitos, teorias e campos do conhecimento humano, tem uma função que vai além da construção do conhecimento, envolvendo também a formação integral dos estudantes, que abarca o desenvolvimento biopsicossocial. 
 
Na estreia de quadro quinzenal de educação, Ana Machado, especialista em psicossociologia da juventude, sugere repensar a pressão por produtividadeIsso significa que as principais métricas que utilizamos para avaliar a qualidade das escolas (notas, frequência e taxa de conclusão) não são suficientes para nos informar sobre todas as dimensões importantes na educação de crianças e jovens saudáveis em processo de florescimento do seu potencial sob diferentes aspectos. Em um contexto de crise, como a que vivemos agora, sugiro que abandonemos por um período a necessidade de medir a produtividade de nossos alunos, educadores e escolas. 
 
Concordo que a situação atual, com escolas fechadas e o ensino ocorrendo de forma remota, catalisa as desigualdades sociais e educacionais profundas que existem no Brasil. Também reconheço que dadas as circunstâncias, todas as ações e formas de apoio para enfrentamento dos desafios impostos pela covid-19 são bem-vindas. No entanto, a principal discussão na qual pais, educadores e cidadãos devem se engajar neste momento é como podemos cuidar de nós mesmos e de nossos filhos e alunos, crianças e jovens. 
 
Devemos ser mais generosos e tolerantes com o que conseguimos fazer neste cenário. Não há problema algum em não conseguir dar conta de tudo ao mesmo tempo: trabalhar em casa, cuidar dos afazeres domésticos e ensinar os filhos. Também é esperado que os estudantes oscilem muito neste momento, tendo dificuldades em se concentrar e estudar e de se manterem calmos e entretidos confinados em casa. 
 
Isso sem mencionar crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social, que não são poucos em nosso país e enfrentam desafios ainda maiores durante tempos de calamidade na saúde pública. A minha primeira e principal mensagem é: vamos desacelerar e ser mais pacientes com as limitações que enfrentamos. O meu desejo é que possamos sair desta situação com oportunidades de refletir de forma profunda sobre problemas estruturais da sociedade e da educação brasileiras, que já existiam muito antes da pandemia e se intensificam neste período. 
 
Nas próximas colunas, aproveitarei este gancho para abordar temáticas como a relação entre vulnerabilidade social e educação, a valorização da carreira docente e a tecnologia nas escolas. O fio condutor será a pergunta “Por que educamos?”, fazendo-nos refletir sobre o que esperamos da educação e como as nossas decisões e atitudes (nos âmbitos micro e macro) contribuem para a construção do futuro das novas gerações e, consecutivamente, da nossa nação." 

Ana Machado cursa mestrado educação na Universidade Stanford, é especialista em psicossociologia da juventude e políticas públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FEPSP) e bacharel em marketing pela Universidade de São Paulo (USP). 

Linkedin - Instagram @abouteducation - Email: anamach@stanford.edu

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