Ensino_EducacaoBasica

Volta às aulas deve ser balizada pela ciência, defende associação de pais

Dois estudos sugerem que crianças e adolescentes não seriam superdisseminadores da covid-19. Especialistas defendem que a decisão de reabrir escolas deve ser tomada com cautela pelo governo

Correio Braziliense
postado em 21/05/2020 06:00
Artigo critica que o fechamento das unidades de ensino tenha sido estimulado pela hipótese das crianças serem agentes de grande potencial de infecçãoA volta às aulas está em fase de análise e planejamento por parte do Governo do Distrito Federal (GDF). Pesquisa do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinepe-DF) revela que 70% dos pais apoiam retorno em julho. Apesar disso, há críticas por parte dos responsáveis por alunos, que consideraram o levantamento tendencioso. A Associação de Pais e Alunos do Distrito Federal (Aspa-DF) defende que a reabertura das escolas seja apoiada em análises das autoridades sanitárias.

“A Aspa acredita que muitos pais escolheram a volta em julho por não haver alternativas para meses mais distantes. O sindicato não apresentou a alternativa de voltar, por exemplo, em agosto”, observou a associação por meio de nota. O GDF tem uma séria decisão a tomar, e há mais chances de ela ser bem-sucedida se for baseada na ciência e na análise da situação local.

Novos achados científicos podem contribuir para uma definição mais acertada com relação à reabertura das escolas. É preciso destacar, no entanto, que a ciência não é cravada em pedra e muda a cada instante. Ao longo do desenrolar da pandemia de covid-19, várias concepções médicas se alteraram à medida que os profissionais descobriram mais sobre a doença. A literatura científica está sendo remodelada no que se refere também a crianças e adolescentes. Estudos sugerem que, diferentemente do que se pensava, além de serem menos predispostas a sofrerem efeitos graves da covid-19 quando infectadas, as crianças não são agentes superdisseminadores da doença.

Revisões

Entre os artigos que abordam o assunto, está o de dois pesquisadores de Southampton, na Inglaterra. O trabalho de Alasdair P. S. Munro e Saul N. Faust critica o fato de a hipótese de que meninas e meninos assintomáticos poderiam ser potencialmente infecciosos para a comunidade tenha baseado decisões governamentais. O trabalho destaca que, “no momento, as crianças não aparentam ser superdisseminadoras do vírus”.
No entanto, os estudos e testes existentes ainda podem ser incipientes. Desse modo, os pesquisadores admitem que as “políticas de intervenções envolvendo crianças terão de ser feitas com base no risco-benefício, com as evidências atuais disponíveis”. Por fim, o texto recomenda que “os governos em todo o mundo devem permitir que todas as crianças voltem à escola, independentemente de comorbidades”, com vigilância de perto para garantir a segurança dessa decisão.

“A covid-19 grave é tão rara quanto muitas outras síndromes graves de infecção em crianças que não fazem com que as escolas sejam fechadas. A avaliação de risco individualizada e a tomada de decisão pelos médicos devem ocorrer para aqueles considerados de risco excepcional (como imediatamente após o transplante de medula óssea) ou quando houver outros membros da família mais velhos em risco significativo”, conclui o documento.

O artigo de Dimitri A. Christakis, do Instituto de Pesquisa Infantil de Seattle, na publicação acadêmica Jama Pediatrics, faz apelo a governantes mundiais para considerarem a abertura das escolas com base em evidências científicas e não em preferências políticas. A decisão de fechar os colégios, analisa Christakis, foi feita com base teórica, traçando paralelo com outras epidemias e como crianças respondiam a elas.

O autor alerta para os riscos de atrasar a volta às aulas, especialmente entre os estudantes mais pobres. A perda de aprendizado tende a se agravar se a EaD (educação a distância) continuar. “Nenhum cientista credível, especialista em aprendizagem, professor ou pai ou mãe acredita que crianças de 5 a 10 anos possam se envolver significativamente no aprendizado on-line sem um envolvimento considerável dos pais, o que muitas famílias com baixa renda não conseguem oferecer porque os pais precisam trabalhar fora de casa”, argumenta o pesquisador.

O estudioso faz um apelo para que se forme uma força-tarefa especializada para avaliar a retomada das aulas, incluindo epidemiologistas, especialistas em doenças infecciosas, cientistas da educação e psicólogos infantis. “Usando todos os dados existentes e emergentes — ainda que incompletos — eles devem fazer suas recomendações mais bem informadas para ajudar os estados a tomar essa decisão crucial, com base na ciência e não na política”, alerta.

Interpretação médica


A pedido do Correio, médicos e educadores leram ambos os artigos. “Existe o pressuposto de achar que a criança é o portador que vai espalhar o vírus para outras populações. Esses dois artigos não corroboram isso, pelo contrário. Em primeiro lugar, a criança não teria essa capacidade de infectar adultos, elas que seriam infectadas pelos adultos. Em segundo lugar, a quantidade de assintomáticas não seria importante para disseminar a doença”, resume Hemerson Luz, médico com experiência em operações humanitárias e desastres no Brasil e no exterior. 

José Davi Urbaez, diretor científico da Sociedade de Infectologia do DF, pondera que levantamentos sobre a transmissão e os efeitos da pandemia na população de crianças devem ser interpretados com muita cautela. “O desafio é saber se é possível afirmar que a volta às aulas seria segura”, afirma. O tempo de isolamento entre meninos e meninas acabou trazendo uma dificuldade metodológica. “Uma das primeiras medidas em todo o mundo foi o fechamento de escolas. Isso impede, de alguma forma, verificar como é o desenvolvimento epidemiológico da covid-19 entre crianças”, diz.

Sinpro

Diretora do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF) Rosilene Corrêa Lima  alerta que ainda não há descobertas científicas robustas que garantam a certeza de segurança da volta às aulas. O fato de não haver um estudo conclusivo que prove que as crianças são menos vulneráveis e que elas não são superdisseminadoras, defende a professora, não provê condições de volta às aulas seguindo regras, como manter as cadeiras 1,5m afastadas uma das outras.

“Como educadora, eu posso afirmar que as escolas, especialmente as públicas, infelizmente não têm como cumprir os cuidados e regras necessários para um retorno seguro. É muito alto o preço a pagar por arriscar e gerar uma situação muito mais incontrolável”, afirma.

Escolas particulares

A advogada e especialista em gestão educacional Ana Elisa Dumont, vice-presidente do Sinepe-DF, concorda que os estudos sobre o assunto ainda são iniciais. “Caso se comprove mesmo que a criança tenha baixa transmissão e que isso não cause perigo a ela, aí, sim fará diferença”, diz. “O Sinepe defende que os governos precisam de bases científicas — não de inferências desinformadas, nem de interferências políticas — para tomar decisões”, informa.

Em vez do retorno total, o Sinepe-DF propõe que a volta às aulas seja feita gradualmente por faixa etária, dos menores para os maiores, ou seja, deveriam retornar primeiro os alunos da educação infantil. Ela menciona que alguns países — caso de Dinamarca e Noruega — optaram por seguir o modelo sugerido pelo Sinepe, deixando voltar às aulas primeiro os alunos mais novos.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags